Emmanuel Levinas – Ética e Alteridade

Emmanuel Levinas – Ética e Alteridade

por Castor M. M. Bartolomé Ruiz

Resumido por Ubirajara T Schier

Ética e a crítica à ontologia:

“A filosofia de Emmanuel Levinas propõe a ética como filosofia primeira. Tal pretensão é correlativa ao resgate da alteridade como dimensão primeira da subjetividade humana. A alteridade, considerada pelo conjunto da filosofia ocidental, um momento segundo doeu,é percebida por Levinas como a relação primeira: condição necessária (metafísica)para nós podermos ser. O ser que somos é em abertura para a relação com o outro. Esta relação é necessariamente ética, porque nela o outro está sempre envolvido.”(RUIZ. pg.223)

“Para a ontologia, a realidade se torna cognoscível, exaurível, pela sua inserção conceitual numa totalidade explicativa. Quando aplicada a redução ontológica da alteridade humana a conceito, aquela sofre a negação daquilo que a constitui como tal: a diferença na transcendência. A redução ontológica limita a alteridade humana numa forma de totalidade conceitual ou sistêmica que normaliza a diferença em conceitos e normatiza os comportamentos em totalidades. A totalidade impede a diferença inerente à alteridade, Levinas aponta que desde Sócrates esta pretensão ontológica aparece como princípio orientador do ser da filosofia ocidental. A máxima socrática “nada a receber de Outrem a não ser o que já está em mim, como se, desde toda a eternidade,eu já possuísse o que me vem de fora. Nada a receber ou ser livre” expressa de forma “clara e distinta” o que foram desde as origens do filosofar as pretensões ontológicas de reduzir o outro ao eu. A verdade ontológica é aliada da egocentricidade. O. eu, que.se pensa centro e origem de toda verdade, reduz a realidade.a-conceito, a seu conceito.” (RUIZ. pg.224)

“A dinâmica ontológica atinge a relação com outro fazendo dela um objeto do conhecimento do eu, e do outro uma objetivação conceitual a partir de categorias predefinidas. Ao assimilar o outro ao conceito, a alteridade fica anulada. O outro é negado naquilo que o constitui como diferença essencial e singularidade única. A alteridade que constitui o sujeito como tal e o outro em sua diferença fica apagada pela assimilação do outro a um conceito lógico, ou a uma teoria sistêmica.” (RUIZ. pg.224)

“Segundo Levinas, o conjunto da filosofia ocidental, em especial a filosofia moderna, caracteriza-se por sua pretensão ontológica de reduzir o ser a conceito. Tal aspiração supõe reduzir o ser humano a categorias lógicas para melhor conhecê-lo e dominá-lo. A máxima de Bacon, conhecer é poder, reflete com nitidez o caráter ontológico da filosofia moderna; ela contaminou o conjunto do pensamento moderno, em especial as relações éticas com o outro. […] Para o autor, o caráter ontológico da cultura ocidental nega a alteridade esvaziando-a da sua condição ética. A ética, para Levinas, não é um ramo colateral da filosofia prática, como é apresentado pela maioria das correntes de pensamento, senão que se constitui na metafísica primeira. A ética metafísica primeira.”(RUIZ. pg.225)

“Levinas afirma que a impossibilidade conceitual de assimilara alteridade do ser humano a conceito radica em sua condição de transcendência, em sua Infinitude. […] É uma metafísica que impede a universalização do sujeito em quaisquer formas de universal, inclusive o humanismo, exprimindo a sua radical singularidade.” (RUIZ. pg.225)

“A metafísica da alteridade proposta por Levinas é inconciliável.com.as metafísicas transcendentais, lógicas ou ontológicas, que reduzem o ser humano a uma forma de totalidade universal. Levinas entende que todas elas são meras ontologias que reduzem o sujeito a conceito, restringem o outro a conhecimento submetendo a alteridade humana a algum tipo de totalidade conceitual ou sistêmica. A ontologia-nega.a ética. A redução ontológica da alteridade à totalidade é a primeira forma de violência. Inclusive há de se afirmar que toda violência física começa pela redução ontológica do outro a conceito e se mantém como legitima enquanto persistir tal redução. O outro, reduzido a uma categoria ontológica, é negado no conceito. Como consequência,fica exposto à instrumentalização e à violência. Inicialmente essa é uma violência filosófica que nega a alteridade no conceito e reduz o ser do outro ao mesmo do eu. Mas a violência filosófica se desliza rapidamente para violência física e histórica. Levinas entende que uma das causas que tornou a “civilização” ocidental tão violenta ao longo de sua história é, precisamente, o caráter ontológico de sua cultura que nega a singularidade ética do outro e tenta assimilá-lo aos interesses do eu (ocidental). O pensamento de Levinas reivindica a condição ética da alteridade como dimensão primeira da existência humana. Sua ética como filosofia primeira supõe uma tentativa de negação da violência. A ética como filosofia primeira que reconhece a diferença constitutiva do outro tem a pretensão de neutralizar a matriz violenta da ontologia.” (RUIZ. pg.226)

“A totalidade é o fim perseguido pela ontologia. Seu objetivo é reduzir a singularidade dos entes à totalidade do ser. O ser torna-se a essência assimiladora das singularidades, exprimindo aquilo que todos têm em comum e pelo qual se unificam como essência. O ser se expressa como totalidade. Esta vigora como categoria universal que reduz a singularidade dos entes à universalidade-da essência comum. A totalidade do ser se torna o totalitarismo da alteridade.” (RUIZ. pg.228)

Ética e alteridade em Levinas:

“O eu é na abertura para a alteridade. Sem abertura para a alteridade, o ser humano não seria humano. A abertura para alteridade nos diferencia do resto das espécies animais. A alteridade não é uma opção da vontade do eu; mas a condição de possibilidade do eu se tornar sujeito histórico, ser humano. O sujeito só existe como realização histórica de sua abertura na relação com o outro. Ele é o que se constrói pela relação com o outro.” (RUIZ. pg.229)

“A alteridade é condição necessária do ser do sujeito, sem ela o sujeito não é. Ao menos não é tal sujeito humano. É neste senti. do que Levinas afirma que a alteridade é metafísica.” (RUIZ. pg.230)

“A relação metafísica da alteridade inverte à ontologia. Nesta prevalece o princípio ontológico da redução do outro ao ser, naquela a relação que se estabelece com o outro preserva a diferença, respeita a sua singularidade. Eis porque toda metafísica (da alteridade) é uma relação ética. “A relação metafísica, a relação o exterior não.é possível senão como relação ética”.” (RUIZ. pg.230)

“A ética, como metafísica primeira, condiciona as outras dimensões do sujeito, como a vontade, o desejo, a liberdade, os valores, etc., tornando-os singulares e diferentes para cada sujeito.” (RUIZ. pg.230)

“Um eu existente em si e por.si,.como se fosse um dado natural a partir do qual deveriam pensar-se as relações com o outro e o conjunto das significações sociais. Levinas inverte o sentido do eu moderno, o vira pelo avesso e coloca seu ser como uma existência relativa ao outro. Ele denuncia e argumenta que a existência do eu moderno é uma ficção de nossa cultura ocidental. Não existe um eu em estado de natureza, pois o ser do eu só existe a partir da relação com o outro. A existência da natureza primeira do eu natural é uma ilusão conceitual da cultura ocidental que não é real. O eu só existe como constituição histórica do sujeito a partir do outro.” (RUIZ. pg.230-231)

Ética, desejo e Infinito:

“Desejo do Outro que nos constitui como seres desejantes. O desejo é constitutivo da subjetividade que torna o sujeito um ser desejante sempre em abertura para ser. Seu desejo é manifestação da sua incompletude.” (RUIZ. pg.232)

“Impelido a desejar, nada sacia tal abertura. Movidos pela abertura do desejo o confundimos muitas vezes com a necessidade. As necessidades são biológicas, históricas, e por isso podemos satisfazê-las pela fruição. A fruição apaga a sede das necessidades. Contudo o paradoxo é a marca do desejo humano.” (RUIZ. pg.232)

“É um desejo que não se sacia com a posse ou a fruição, como ocorre com as necessidades ou com as pulsões instintivas que se apagam quando conseguem possuir ou desfrutar do objeto que desejam. O desejo não deve ser confundido com a necessidade. As necessidades se satisfazem e deixam de existir. As sociedades de consumo tendem a identificar as necessidades com o desejo e oferecem a felicidade do desejo pelo desfrute das mercadorias, porém o desejo permanece insaciável.” (RUIZ. pg.233)

“O desejo é insaciável porque remete para a abertura infinita de ser, para o Infinito do desejo ou o desejo do Infinito.A ética se reconfigura, .em Levinas, como uma ética do Infinito. O sujeito percebe que seu ser desejante lhe impele para uma vivência da alteridade em abertura e acolhida. Estas, sempre em relação ao Outro. Necessita do outro para ser, para existir. A relação com o outro é sempre a procura da compensação do desejo, que nunca consegue realizar em plenitude. O desejo constitui a abertura, e a abertura se constitui como desejo; se fosse satisfeito e anulado, a abertura para a alteridade desapareceria. O desejo metafísico perfaz a condição agônica da existência humana; tensiona-a numa abertura para ser sabendo que nunca conseguirá a plenitude almejada.” (RUIZ. pg.233)

“Encontramos em Levinas a dimensão do Infinito como uma categoria central de sua ética. O infinito é constitutivo da dimensão ética do sujeito. O infinito inerente ao ser humano questiona todas as tentativas de totalização ontológicas do mesmo. Mas também o Infinito revela-se no desejo metafísico constitutivo da subjetividade. Um desejo pelo Infinito e que também é um desejo infinito.” (RUIZ. pg.234)

Ética e conhecimento do outro:

“O conhecimento do outro acontece como revelação. A revelação é o acontecimento pelo qual o outros e manifesta como é,ou manifesta oque é. A revelação é a categoria epistemológica pela qual temos acesso ao outro. “A experiência absoluta não é desvelamento, mas revelação”. […] O que conhecemos do outro: é aquilo que revela de si, o que se revela.” (RUIZ. pg.234)

“O conhecimento do outro demanda uma ética da acolhida. Esta desenvolve a ética da diferença, que, para conhecer, deve respeitar a prioridade do ser do outro. A revelação manifesta aquilo que o outro quer manifestar de si mesmo. Sem a revelação não há possibilidade de conhecimento do outro. […] A justiça e a injustiça se instauram no modo como instituímos a relação com o outro, que se inicia pelo conhecimento: “ver na justiça e na injustiça um acesso original a Outrem, para além de toda ontologia”. Quando negamos a prioridade ao outro para se manifestar e impomos nossas categorias conceituais para conhecê-lo, fazemos violência. A violência se inicia pela redução do conhecimento “do outro ao meu conceito.” (RUIZ. pg.235)

“A alteridade se realiza sempre de forma imprevisível, o que a torna prioritária para mim e exige o reconhecimento ético de sua singularidade. A sua condição ética impede ser reduzida a conhecimento lógico ou qualquer outra forma de totalidade. O”ser da alteridade é incognoscível porque é o único ser que está sempre por ser, que realiza seu ser para além de toda essência e de qualquer sistema. O conceito sobre o outro é sempre um preconceito que assimila o outro a categorias sociais, normaliza-o. A normalização é um processo de redução das diferenças a categorias universais e. conduz à totalidade.”(RUIZ. pg.236)

“Ao retirar do outro a preeminência da sua revelação no conhecimento, estou negando sua possibilidade de ser diferente. Quando o assimilo ao meu conceito, fica imobilizado na categoria que lhe impus. Mas quando conheço o outro pela acolhida daquilo que me revela, a novidade e a diferença aparecem inerentes ao seu modo de ser. “É por isso que a linguagem instaura uma relação irredutível à relação sujeito-objeto: a revelação do Outro”.” (RUIZ. pg.237)

“O meu conhecimento do outro está sempre por ser. Ele nunca é um conhecimento completo ou acabado. O que eu conheço do outro é sempre uma parcialidade que se encontra em permanente modificação.” (RUIZ. pg.237)

“Nesta relação, a minha condição.de sujeito exige que adote a postura do acolhimento. Eu devo. acolher o outro-como.o outro. se.revela-em-seu.ser, permitindo-me conhecer aquilo que o outro.revela-de-si. O acolhimento é a posição no que respeita e redime a alteridade. Tal postura epistêmica, que é ética, se opõe à hegemonia moderna do conhecimento que confere ao eu o princípio de toda verdade.” (RUIZ. pg.238)

A ética e o rosto:

“Na perspectiva de Levinas, o outro não é um conceito abstrato, nem uma categoria de pensamento, o outro sempre tem um rosto. O que nós podemos conhecer do outro que se revela, Levinas denomina de rosto. O rosto não é a face. Esta a reconhecemos pela visão e é descritível em categorias empíricas. O rosto só.o-conhecemos pela sua revelação de si. Ele é irredutível a termos empíricos, mas compreensível pelo acolhimento.” (RUIZ. pg.239)

“O rosto é, para Levinas, o modo como reconhecemos o outro. No rosto o acolhemos em sua indescritível diferença. O rosto humano do outro, que não é empírico, impede que a alteridade se transforme num conceito teorético. […] alteridade não é uma nova categoria transcendental, o que a tornaria uma nova totalidade. Ela é uma abertura que só existe como experiência de acolhida e proximidade com o rosto do outro. O rosto é a mediação ética da alteridade. O outro sempre é um sujeito histórico com rosto. O rosto do outro é o único acesso que temos para a vivência da alteridade humana. Nossa abertura para o outro sempre culmina o encontro com um rosto singular. Não existe a alteridade fora do reconhecimento do rosto do outro.” (RUIZ. pg.240)

“A alteridade não é uma categoria conceitual metafisica, é uma dimensão constitutiva do ser humano. Ela só existe como experiência de encontro com o outro, como vivência de relação com alguém que se oferece para mim como rosto.” (RUIZ. pg.240)

“O rosto se revela de forma paradoxal: na sua manifestação é inapreensível; ao se revelar é incognoscível porque nunca terminamos de conhecer o outro; ao manifestar o outro o revela como uma manifestação inesgotável de ser. A relação ética da alteridade acolhe o rosto do outro como revelação de si e nunca como interpretação minha. Se o outro não me manifesta por iniciativa própria seu ser, eu não posso reconhecê-lo pela força.” (RUIZ. pg.241)

“Liberdade interpelada e responsabilidade éticas O outro entra em mim pela abertura metafísica da relação. Eu não posso negar essa abertura e, como consequência, não posso evitar que o outro entre na minha existência previamente à minha liberdade. […] O outro invade a minha liberdade, faz da liberdade um momento secundário à visitação da alteridade. A dimensão metafisica da abertura faz com que liberdade esteja sempre condicionada pelo vestígio que o outro deixou na sua presença. A liberdade não é natural nem transcendental, ela é histórica e relativa à relação com o outro.” (RUIZ. pg.241)

“Contrariando a máxima do liberalismo, a minha liberdade não termina nem é limitada pela liberdade do outro. Desde a perspectiva da alteridade podemos afirmar que a minha liberdade se efetiva pela liberdade do outro, a minha liberdade cresce com liberdade do outro, a minha liberdade se concretiza graças à liberdade do outro.” (RUIZ. pg.242)

“Contudo,toda interpelação leva consigo uma responsabilidade. Ao ser interpelado pelo outro fico responsabilizado, inclusive antes de eu poder formular minha resposta. “A  responsabilidade é o que, de forma exclusiva, me incumbe e que, humanamente, eu não posso rejeitar. Essa carga é uma suprema dignidade do único. Eu não posso me trocar, eu sou na medida que sou responsável” (RUIZ. pg.242)

“A entrada do outro na minha existência, em especial o outro que sofre, traz consigo uma interpelação. O outro que sofre entra na minha vida e me questiona antes de que eu consiga reagir. O outro, ao introduzir-se sem prévio aviso, antecipando-se à minha liberdade, interpela a minha consciência. Uma vez que o outro está presente em mim,eu não posso mais deixar de estar responsabilizado, pois até a indiferença já é uma resposta. As circunstâncias do outro me afetam, me interpelam e principalmente me responsabilizam. “O rosto me interpela e se mostra entre a transcendência e a visibilidade/ invisibilidade”.” (RUIZ. pg.243)

“Para Levinas, a liberdade se realiza como justificação. A liberdade é o modo como justifico a minha responsabilidade pelo outro. Não existe uma liberdade pura, mas sua existência interpelada exige de mim uma resposta. A liberdade se realiza no modo como justifico minha resposta. Toda liberdade justifica uma responsabilidade. Daí que a liberdade plena se realiza como justiça.” (RUIZ. pg.245)

Fragmentos:

“Não se é contra a liberdade se se procura para ela uma justificação. A razão e a liberdade aparecem-nos como fundadas em estruturas de ser anteriores, e cujas primeiras articulações o movimento metafísico ou respeito ou justiça — idêntica à verdade — desenha. Trata-se de inverter os termos da concepção que faz assentar a verdade na liberdade. O que há de justificação na verdade não assenta na liberdade colocada como independência em relação a toda exterioridade. Seria certamente assim, se a liberdade justificada devesse simplesmente exprimir as necessidades que a ordem racional impõe ao sujeito. Masa verdadeira exterioridade é metafísica — não pesa sobre o ser separado e exige-o como livre.” (RUIZ. pg.248)


REFERÊNCIAS

RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. Ética e Alteridade em Emmanuel Levinas.

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