O Colapso da Condição Humana de Hannah Arendt

O Colapso da Condição Humana de Hannah Arendt

Ubirajara T Schier

O objetivo deste trabalho é fazer uma crítica à condição humana de Hannah Arendt com base nas ideias de Hans Jonas e na comprovação empírica das mesmas face os problemas ambientais da atualidade.

Segundo Hannah Arendt a natureza humana difere-se de sua condição humana. Neste ponto, Hannah Arendt arbitra ao homem uma posição acima de todas as outras existentes na Terra, situando-o somente abaixo de uma entidade Divina.

“É altamente improvável que nós, que podemos conhecer, determinar e definir a essência natural de todas as coisas que nos rodeiam e que não somos, venhamos a ser capazes de fazer o mesmo a nosso próprio respeito: seria como pular sobre nossa própria sombra. Além disto, nada nos autoriza a presumir que o homem tenha uma natureza ou essência no mesmo sentido em que as outras coisas as têm. Em outras palavras, se temos uma natureza ou essência, então certamente só um deus pode conhecê-la e defini-la; e a condição prévia é que ele possa falar de um «quem» como se fosse um «quê».” (H.Arendt – pg.17)

Pode-se entender assim que, para Hannah Arendt o homem é superior à todas as coisas materiais, entre elas, a própria Natureza (também criação Divina). Não somente superior, mas condicionando e subjugando a existência da Natureza à do homem:

“Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. O impacto da realidade do mundo sobre a existência humana é sentido e recebido como força condicionante. A objetividade do mundo- o seu caráter de coisa ou objeto – e a condição humana complementam-se uma à outra; por ser uma existência condicionada, a existência humana seria impossível sem as coisas, e estas seriam um amontoado de artigos incoerentes, um não-mundo, se esses artigos não fossem condicionantes da existência humana.” (H.Arendt – pg.17)

Ao que parece, a condição humana invoca o direito de apropriar-se de todas as coisas existentes além de si mesmo:

“A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato tona-se imediatamente uma condição de sua existência. O mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus autores humanos.” (H.Arendt – pg.17)

Na condição humana de Hannah Arendt, a realização das três atividades humanas fundamentais – o labor, o trabalho e a ação – é considerada como condição necessária para a realização da existência humana na Terra.

“Com a expressão vida activa pretendo designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. Trata-se três atividades de atividades fundamentais porque a cada uma delas corresponde uma das condições básicas mediante as quais a vida foi dada ao homem na Terra.” (H.Arendt – pg.15)

Hans Jonas por sua vez parece concordar com o argumento de Hannah Arendt, no que se refere que o homem subjuga à sua existência todas as coisas existentes além de si mesmo.

“A violação da natureza e civilização do homem caminham de mãos dadas. Ambas enfrentam os elementos. Uma, na medida em que ele se aventura na natureza e subjuga as suas criaturas; a outra, na medida em que erige no refúgio da cidade e de suas leis um enclave contra aquelas. O homem é o criador de sua vida como vida humana. Amolda as circunstâncias conforme sua vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.” (H. Jonas – pg.32)

É fato que o aumento populacional e o crescimentos das cidades, bem como o progresso e a construção dos artefatos do homo faber comprometeram a sustentabilidade dos recursos naturais. Ao subjugar a Natureza à sua existência, o homem não percebeu de que ela não dispões de recursos infinitos e, para satisfazer à sua condição humana explorou-se os recursos naturais sem respeitar seus limites de recuperação. Desta forma, a Natureza encontra-se muito próxima (se é que já não alcançou) do ponto em que sua recuperação não é mais possível, aproximando o dia em que esta se extinguirá.

O que podemos concluir é que a condição humana, da forma como essa se estabeleceu (superior à todas as coisas) nunca foi até então sustentável. Apenas dos esforços para reverter esse quadro, pode-se dizer que, no máximo, a humanidade está conseguindo reduzir um pouco a aceleração deste processo mas, ainda assim, continua “caminhando para trás”. Assim, frente à um cenário em que a escassez de recursos naturais compromete a existência humana de fato, pode-se dizer que a condição humana encontra-se em colapso.

Com base nesta constatação pode-se perguntar questionar a condição humana de Hannah Arendt, pois, pode-se dizer, que os reflexos desta condição humana rebaixam-na às mesmas condições de vida de um parasita:

“Parasitas ou parasitos são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro, um processo conhecido por parasitismo.” (Wikipedia)

Frente aos efeitos do uso não sustentável dos recursos humanos, pode-se sim dizer que o homem tem sido um parasita e a Natureza bem como o planeta Terra o hospedeiro.

Existe algo de fato errado com a definição humana de Hannah Arendt, na medida em que o tempo têm relevado que essa condição nunca foi dotada de uma inteligência capaz de assegurar ao homem sua própria preservação. Pode parecer ridículo – apesar de triste – mas é a mesma condição de alguém que serra o galho da árvore sobre o qual se encontra sentado. Algo está errado com a condição humana de Hannar Arendt, pois, caso contrário, ao exercer sua condição humana o homem não colocaria em risco sua própria existência.

Ao que parece, frente à sua previsão dos fatos, Hans Jonas impõe à condição humana um novo imperativo:

“2. Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e voltado para o novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais ou menos assim: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de modo a que os feitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”; ou, simplesmente: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”; ou, em um uso novamente positivo: “Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”.” (H. Jonas – pg.48)

Nesse imperativo, Hans Jonas impõe uma condição básica à própria condição humana: acima de qualquer coisa, esta deve preservar-se. Dessa forma, todas as atividades fundamentais da vita activa da condição humana de Hannah Arendt precisam se subjugar à essa premissa sob o risco da extinção dos recursos naturais e, consequentemente, da extinção do próprio homem. O que Hannah Arendt parece reconhecer:

“A vitória do animal laborans jamais deveria ter sido completa se o processo de secularização, a moderna perda da fé como decorrência inevitável da dúvida cartesiana, não houvesse despojado a vida individual de sua imortalidade, Ou pelo menos da certeza da imortalidade. A vida individual voltou a ser mortal, tão mortal quanto o fora na antiguidade, e o mundo passou a ser menos estável; menos permanente e, portanto, menos confiável do que o fora na era cristã. Ao perder a certeza de um mundo futuro. o homem moderno foi arremessado para dentro de si mesmo, e não de encontro ao mundo que o rodeava; longe de crer que este mundo fosse potencialmente imortal. ele não estava sequer seguro de que fosse real. E, na medida em que devia pressupor que era real, no otimismo acrílico e aparentemente indiferente de uma ciência em contínuo progresso, afastava-se da terra para um ponto muito mais distante que qualquer alienação mundana cristã jamais o havia levado.” (H.Arendt – pg.333)

O que leva a crer que Hobbes parecia estar certo quanto sua definição da natureza humana: “o homem é o lobo do próprio homem”, pois faz certo sentido que se o homem têm essa relação consigo mesmo, o tenha também em relação à natureza em si.

“E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, e não havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver.” (Hobbes – pg.48)

Podemos verificar que tanto Hannah Arendt quanto Hans Jonas concordam no que se refere aos efeitos predatórios que a condição humana impõe à natureza e como, com isso, o homem acaba por afetando sua própria existência. Hans Jonas clama por ética e aponta para a necessidade de uma “mudança de direção”.

Com base no exposto, conclui-se algo inerente à natureza humana não foi considerado em sua condição humana. Creio que o entendimento de Hobbes, quanto à natureza do homem, deveria ter sido levado em consideração. As condições atuais em que se encontram nosso “hospedeiro” – a Natureza e o planeta Terra – indicam que o homem não foi capaz de cuidar de si mesmo quando em sociedade. É preciso repensar um novo propósito para o homo faber além de definir estratégias para o animal laborans, assegurar a manutenção dos recursos naturais necessários para sua existência. O propósito da tecnologia desenvolvida pelo homo faber precisa assim, urgentemente de um novo propósito, o de servir à preservação do animal laborans.


REFERÊNCIAS


  • Hans Jonas
  • Hannah Arendt
  • Hobbes

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