O Princípio Responsabilidade – Hans Jonas

Introdução “Uma nova ética para uma tecnologia moderna”

Neste livro Hans Jonas propõe uma reformulação da ética. Segundo ele a ética tradicional girava somente em torno do ser humano, excluindo a natureza do seu domínio. A tecnologia “exploratória” acabou se tornando uma ameaça para o próprio homem. A ética tradicional, segundo o autor, não contempla a responsabilidade sobre os efeitos da tecnologia, que são imprevisíveis e irremediáveis.

Do imperativo Kantiano da ética tradicional: “Age de tal maneira que o princípio de tua ação se transforma em uma lei universal”, H. Jonas propõe um novo imperativo ético: “Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica” ou, em outras palavras: “não ponhas em perigo a continuidade indefinida da humanidade na Terra”.

A nova proposta ética de H. Jonas é uma ética que deixa de olhar o presente – o aqui e o agora – e passa a olhar para o futuro da humanidade que por sua vez está relacionado intrinsicamente com o futuro da natureza, ambos ameaçados pela tecnologia cujos efeitos, imprevisíveis e irremediáveis, só revelam seus danos também no tempo futuro. Para H. Jonas, a nova ética precisa considerar no presente a ameaça que as tecnologias terão para o homem e para a natureza no futuro.

Para isso, H. Jonas defende a criação de uma teoria da responsabilidade, fundamentada  em torno do entrelaçamento das categorias de bem, de dever e de ser, como também nas relações de responsabilidade parentais e política.

“A tese de partida deste livro é que a promessa da tecnologia moderna se converteu em ameaça, ou esta se associou àquela forma indissolúvel. Ela vai além da constatação da ameaca física. Concebida para a felicidade humana, a submissão da natureza, na sobremedida de seu sucesso, que agora se estende à própria natureza do homem, conduziu o maior desafio já posto ao ser humano pela sua própria ação. Tudo aí é novo, sem comparação com o que o precedeu, tanto no aspecto da modalidade quanto no da magnitude: nada se equivale ao passado ao que o homem é capaz de fazer no presente e se verá impulsionado a seguir fazendo, no exercício irresistível desse seu poder. Nenhuma ética tradicional nos intrui, portanto, sobre as normas do “bem” e do “mal” às quais se devem submeter as modalidades inteiramente novas do poder e de suas criações possíveis.” (JONAS, p.21) 

Um dos exemplos mais devastadores que impulsionaram H.Jonas para o desenvolvimento de uma nova ética, foi o bombardeio nuclear inflingido às cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão, em agosto de 1945.

 


Capítulo IV.I. O Bem, o Dever e o Ser

O princípio responsabilidade de Hans Jonas está fundamentado em categorias ontológicas: do Bem, do Dever e do Ser.

Pois, de acordo com sua própria definição, esse bem ou valor, quando existe por si mesmo e não graças a desejo, necessidade ou escolha,é algo cuja possibilidade contém a exigência de sua realização. Com isso, torna-se um dever, desde que haja uma vontade que assuma essa exigência e trate de realizá-la. (JONAS, p. 149)

Para H. Jonas, a possibilidade do Bem, com finalidade apenas em si mesmo, resulta em um Dever de sua realização quando existe uma vontade que assume essa responsabilidade.

A finalidade como bem em si:

Podemos reconhecer um bem em si na capacidade como tal de ter finalidade, pois se sabe intuitivamente que ela é infinitamente superior a toda falta de finalidade do Ser. (JONAS, p. 150)

A auto-afirmação do ser na finalidade:

O Ser mostra na finalidadea sua razão de ser. (JONAS, p. 150)

O “sim” da vida, um “não” enfático ao não-ser:

Nesse sentido, todos os seres sensíveis e movidos por um impulso são não só uma finalidade da natureza, mas uma finalidade em si mesmos, ouseja, o seu próprio fim. Exatamente aqui, na oposição entre o Ser e a morte, a afirmação do Ser torna-se enfática. A vida é essa confrontação explícita do Ser com o não-Ser, pois, na sua carência constitucional decorrente das necessidades metabólicas, cuja satisfação pode falhar, a vida abriga em si a possibilidade do não-Ser como uma antítese sempre presente, como ameaça.  (JONAS, p. 151)

Para o homem, o “sim” ontológico tem a força de um dever:

Esse “sim” que atua cegamente adquire umaforça obrigatória em virtude daliberdade lúcida do homem, o qual, como resultado supremo dotrabalho finalista da natureza, não somente é um continuadorda obra desta, mas pode converter-se também emseudestruidor, graças ao poder que o conhecimento lhe proporciona. Ele precisa incorporar o “sim” à sua vontadee impor, ao seu poder, o “não” ao não-Ser. Mas essa transição do que ter para o dever constitui o ponto crítico da teoria moral, cuja fundamentação se mostra sempre tão arriscada.  (JONAS, p. 151)

O caráter problemático de um dever distinto do querer:

Dito de forma simples: a autopreservação não nevessita de nenhuma ordem, nem de nenhum convencimento, além da satlsfação a ela associada. O seu querer, com o seu “sim” e o seu “não”, está sempre lá em primeiro lugar e se encarrega dos seus interesses — bem ou mal em cada caso, mas sempre na medida de sua capacidade. Ainda que o “querer dever” fosse um conceito que tivesse sentido,ele seria supérfluo. (JONAS, p. 152)

“Valor” e“bem”:

Nenhuma teoria voluntarista ou sensualista, que defina o bem como aquilo que desejamos, é capaz de dar conta desse fenômeno primortlial da exigência, Como mera criatura da vontade, falta ao bem a autoridadepara se impor a essa vontade, Em vez de determinara sua escolha, ele lheé subordinado, sendo ora uma coisa, ora outra, Somente o fundamento no Ser lhe permite enfrentar a vontade. O bem independente exige tornar-se umfim. Ele não pode forçar a vontade livre a torná-lo a sua finalidade, mas pode extorquir-lhe a confissão de que esse seria o seu dever, Se a vontade não se submete a essa exigência, o sentimento de culpa expressa esse reconhecimento: tornamo-nosdevedores do bem. (JONAS, p. 156)

Fazer o bem e o Ser do agente: a predominância da “causa”:

Da mesma maneira como não nos furtamos à distinção entre desejo e dever, nosso sentimento também nosassegura de que fazer o bem por ele mesmo beneficia de certo modo o agente, e isso independentemente do êxito da ação. Querpossa ou não partilhar o  bemrealizado, vê-lo acontecer ou mesmo fracassar — seu ser moral ganhou pelo fato de haver respondido ao apelo do dever. (JONAS, p. 156)

 

Também não é a forma, mas o conteúdo da ação o que é mais importante. Nesse sentido, a moral é uma abnegação, ainda que muitas vezesela possa ter como objeto uma condição do eu, uma condição conforme à obrigação e à pertença ao mundo (sem que a abnegação seja, em si, moral). Nãoé o próprio dever que é o objeto; não a lei moral que motiva a ação moral, mas o apelo do bem em si no mundo,que confronta minha. vontade e exige obediência — de acordo coma lei moral, Ouvir aquele apelo é exatamente o que a lei moral ordena:isso é tão-somente a obediência genérica ao apelo de todos os bens dependentes da ação e o seu direito respectivo à minha ação. (JONAS, p. 156)

 

Como toda teoria ética, uma teoria da responsabilidade deve lidar com ambos os aspectos: o fundamento racional do dever, ouseja, O princípio legitimador que está portrás da reivindicação de um“deve-se” imperativo, e o fundamento psicológico da capacidade de influenciar a vontade, ouseja, de ser a causa de alguma coisa, de permitir que sua ação seja determinada por cla. Isso quer dizer que a ética tem umaspecto objetivo e outro subjetivo, aquele tratando da razão e o último, da emoção. Ao longoda história, um aspecto ououtro estiveram no âmago da teoria ética, e tradicionalmente o problemada validade, ou seja, o aspecto objetivo, ocupoupreferencialmente a atenção dos filósofos. Mas ambos os aspectos, mutuamente complementares, são partes integrantes da ética comotal, Se não fôssemos receptivos ao apelo do dever em termos emotivos, mesmo à «demonstração mais rigorosa e racionalmente impecável da sua correção seria impotente para produzir uma força motivadora. (JONAS, p. 157)

 

 


Capítulo IV.II. Teoria da Responsabilidade: Primeiras Distinções

O poder causal é condição da responsabilidade. O agente deve responder por seus atos: ele é responsável por suas consequências e responderá por elas, se for o caso. (JONAS, p.165)

A causa como condição da responsabilidade

  • Um ato necessita ser cometido ou iniciado (embora um ato realizado tenha mais peso que um ato fracassado).
  • Quanto menos se age, menor a responsabilidade (maior é a prudência);
  • A responsabilidade é imposição formal de todo agir causal entre seres humanos (é pré-condição da moral, mas não a própria moral)

No âmbito Legal:

-O dano é reparado em termos de compensação

-Causa evidente (estreito nexo causal entre causa e consequência)

-Imputação de responsabilidade: causal

No âmbito Moral:

-O dano é reparado para reestabelecer a ordem moral

-Causa subjetiva (decisão, premeditação, motivo)

-Imputação de responsabilidade: qualitativa

O AGIR IRRESPONSÁVEL

Só pode agir irresponsávelmente quem assume responsabilidades

NÃO-RECIPROCIDADE:

-Condição em que as circunstâncias colocam outras pessoas sob nossos cuidados

-Motorista de ônibus

IRRESPONSABILIDADE:

-Exercício do poder sem observação do dever

 

RESPONSABILIDADE NATURAL

-Não depende de aprovação prévia;

-É irrevogável e não-rescindível;

-Engloba a totalidade do objeto

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

-Assunção de uma função delimitada pela tarefa;

-Garantia das relações de lealdade sobre as quais se fundam a sociedade e a vida coletiva.

-Fruto de uma escolha (escolho assumir uma responsabilidade);

-Pode ser revogável;

RESPONSABILIDADE POLÍTICA

-Ambiciona o poder para assumir responsabilidades;

-Objeto da responsabilidade é a res pública (coisa pública).

-É escolhido para exercer o poder e assumir responsabilidades

 


Capítulo IV.III. Teoria da Responsabilidade: pais e homem de Estado como paradigmas eminentes

RESPONSABILIDADE POLÍTICA e PARENTAL

O primeiro objeto da responsabilidade são os outros homens;

-O arquétipo de toda responsabilidade é aquela do homem pelo homem;

-Vivendo entre seres humanos, somos responsáveis por alguém e também somos responsabilidade de outros (reciprocidade sempre presente?!);

O primeiro imperativo: A existência humana (que vivam os homens e que vivam bem)

Propriedades: TOTALIDADE

A responsabilidade abarca o Ser total do objeto, desde a existência bruta até seus interesses mais elevados;

– INTERPELAÇÃO: Apesar de divergentes, as responsabilidades se interpelam e se complementam. Ex.: área de educação (apesar da transferência da resp. parental para o estado “paternalista”)

– Na totalidade na responsabilidade o bem-estar que deve incluir o sentimento;

– ex. Conselho tutelar x Cuidado parental

Propriedades: CONTINUIDADE

-A continuidade resulta da natureza total da responsabilidade;

-A responsabilidade total sempre pergunta: “O que vem agora?”, “Para onde vamos?” – a responsabilidade implica estar sempre que que se seguirá;

-Responsabilidade política: continuidade da história da comunidade (continuidade histórica)

Propriedades: FUTURO

-O futuro da existência inteira se torna objeto complementar dos atos singulares da responsabilidade;

-A responsabilidade total em que o responsável não poderá responder pelos efeitos de sua ação;

-Responsabilidade por um horizonte transcedente: o Ser temporal

 


REFERÊNCIAS

Jonas, Hans, 1903-1993
O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civiliza-
ção tecnológica / HansJonas ; tradução do original alemão Marijane
Lisboa, Luiz Barros Montez. — Rio de Janeiro : Contraponto :
PUC-Rio, 2005.

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