O Príncipe de Maquiavel – Capítulos VI à XIII

Capítulo 6 – Página 44
Portanto afirmo que, nos principados inteiramente novos, onde há um novo
príncipe, a dificuldade em mantê-los varia segundo a maior ou menor virtude de
quem os conquista. E, posto que a passagem de homem privado a príncipe
pressupõe virtude ou fortuna, parece que um ou outro destes atributos pode
mitigar, em parte, muitas dificuldades; não obstante, aquele que menos se baseou
na fortuna se manteve por mais tempo. De resto, mais facilidade encontrará o
príncipe que, não tendo outros Estados, será forçado a habitar pessoalmente o
novo domínio.

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Ademais, deve-se considerar que não há coisa mais
difícil de lidar, nem mais duvidosa de conseguir, nem mais perigosa de manejar
que chefiar o estabelecimento de uma nova ordem. Porque aquele que a introduz
tem por inimigo todos os que se beneficiavam da antiga ordem e, por amigo, os
fracos defensores que dela se beneficiariam; fraqueza que em parte deriva do
medo dos adversários, que tinham as leis a seu lado, e em parte da incredulidade
dos homens, que na verdade não creem nas coisas novas, a menos que se
assentem numa experiência sólida. Disso resulta que, toda vez que os inimigos
tiverem a ocasião de atacar, o farão em bloco, ao passo que os demais se
defenderão tibiamente — e com estes nunca se terá estabilidade.

Capítulo 7 – Página 47
Aqueles que passam de homens privados a príncipes exclusivamente por obra da
fortuna o conseguem com pouco esforço, mas a muito custo se mantêm; não
encontram nenhum obstáculo no caminho, já que o sobrevoam: mas todas as
dificuldades nascem depois que são empossados. Eles chegam ao poder quando
lhes é concedido um Estado por algum interesse econômico ou graças ao favor
de quem concede
Todos estes se assentam simplesmente na vontade e na fortuna de quem os
favoreceu, duas coisas bastante volúveis e instáveis, e não sabem nem podem
manter sua condição: não sabem porque, não sendo homens de grande engenho e
virtude, não é razoável que, tendo vivido sempre no âmbito da privacidade,
saibam comandar; e não podem porque não dispõem de forças que lhes sejam
fiéis e amigas. Ademais, os Estados que surgem subitamente — como tudo o que
nasce e cresce depressa na natureza — não são capazes de lançar raízes
profundas e desenvolvidas, de modo que a primeira tormenta pode abatê-los;
Quero agora aduzir dois exemplos, ainda recentes em nossa memória,
relativos às duas maneiras de se tornar príncipe, isto é, por virtude ou por fortuna:
refiro-me a Francesco Sforza e a César Bórgia. Francesco, pelos devidos meios e
com o concurso de sua grande virtude, de homem comum tornou-se duque de
Milão — e aquilo que, com mil aflições, conseguiu conquistar, com pouco
esforço manteve. Por outro lado, César Bórgia, mais conhecido como duque
Valentino, conquistou o poder graças à fortuna do pai e com ela mesma o perdeu,
conquanto tenha agido e feito tudo aquilo que um homem prudente e virtuoso
deveria ter empreendido a fim de lançar raízes nos territórios que as armas e a
fortuna alheias lhe haviam concedido

Capítulo VIII – Página 54
Alguém poderia perguntar-se como foi possível que Agátocles e outros
personagens semelhantes, após infinitas traições e atrocidades, tenham podido
viver tão longamente em segurança em sua pátria, defendendo-se dos inimigos
externos e não sofrendo conspirações por parte dos compatriotas; sobretudo
quando se considera que muitos outros não conseguiram manter-se no poder com
a crueldade, nem nos períodos de paz, nem nos incertos tempos de guerra. Creio
que isso decorra do bom ou do mau uso da crueldade. A crueldade bem
empregada — se é lícito falar bem do mal — é aquela que se faz de uma só vez,
por necessidade de segurança; depois não se deve perseverar nela, mas
convertê-la no máximo de benefícios para os súditos. Mal usadas são aquelas
maldades que, embora a princípio sejam poucas, com o tempo aumentam em
vez de se extinguirem. Os que seguem o primeiro método podem remediar seus
governos perante Deus e os homens, como no caso de Agátocles; quanto aos
outros, é impossível que se mantenham no poder.
Donde se nota que, ao tomar um Estado, o usurpador deve ponderar que
violências precisam ser infligidas e praticá-las todas de uma vez, para não ter de
renová-las a cada dia e assim poder, não as renovando, tranquilizar os homens e
seduzi-los com benefícios. Quem agir de outro modo, seja por tibieza, seja por
maus conselhos, será sempre obrigado a empunhar a espada; nem poderá valer
se de seus súditos, já que estes, pelas contínuas e renovadas injúrias, não poderão
confiar nele. Por isso as injúrias devem ser cometidas de uma vez só, de modo
que, por sua brevidade, ofendam menos ao paladar; ao passo que os benefícios
devem ser feitos aos poucos, para que sejam mais bem saboreados.

Capítulo IX – Página 55
Entretanto, tomando em consideração o outro caso, aquele em que um cidadão
comum se torna príncipe de sua pátria não por crueldade ou qualquer violência
intolerável, mas pelo favor de seus concidadãos — o que se pode chamar de
principado civil (e para chegar a ele não é preciso nem toda a virtude, nem toda
a fortuna, mas especialmente uma astúcia afortunada) —, digo que se ascende a
tal principado ou com o apoio popular, ou com o dos poderosos.
Aquele que chega ao principado com a ajuda dos poderosos se mantém com
mais dificuldade do que quem se torna príncipe com o apoio popular, porque está
cercado de homens que se creem seus iguais e por isso não pode comandá-los
nem governá-los como quiser. Mas quem chega ao principado pelo favor do povo
se encontra só, tendo à sua volta ninguém ou pouquíssimos que não estejam
prontos a obedecer. Além disso, não é possível satisfazer aos poderosos com
honestidade e sem prejudicar os outros, mas, ao povo, sim: porque as metas do
povo são mais honestas que as dos poderosos, pois estes querem oprimir, e
aquele, não ser oprimido.
De resto, um príncipe nunca poderá estar seguro se
tiver contra si a inimizade dos homens do povo, que são muitos; mas pode estar
seguro se tiver contra si os poderosos, por serem poucos.
O pior que um príncipe
pode esperar de um povo inimigo é ser abandonado por ele; por outro lado, deve
não só temer o abandono por parte dos poderosos hostis, mas também ser
atacado por eles

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Portanto alguém que se torne príncipe pelo favor do povo deve preservar sua
amizade — o que será fácil, bastando para isso não o oprimir. Mas aquele que,
com o apoio dos poderosos, se torne príncipe contra o povo deve antes de tudo
tentar obter a simpatia popular — o que será fácil, bastando para isso protegê-lo.
E, assim como os homens que recebem o bem de quem esperavam o mal se
tornam ainda mais agradecidos a seu benfeitor, também o povo logo se torna
mais agradecido a tal príncipe do que se ele tivesse sido entronizado por seus
favores.
Apenas para concluir, direi que um
príncipe precisa ter o povo a seu lado, do contrário não terá apoio nas
adversidades.

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Portanto, em tempos incertos, ele sempre terá dificuldade de encontrar gente de
confiança; de modo que o príncipe não pode basear-se naquilo que vê em tempos
de paz, quando os cidadãos têm necessidade do Estado, pois nessa época todos
acorrem, todos prometem, e cada um se dispõe a morrer por ele, já que a morte
está longe; porém, nos períodos adversos, quando o Estado necessita dos
cidadãos, então poucos se apresentam. Essa experiência é ainda mais perigosa
porque só pode ser realizada uma única vez; é por isso que um príncipe sábio
deve cogitar um meio de fazer com que seus cidadãos, não importa o tempo que
faça, precisem sempre dele e do Estado — e daí em diante lhe serão sempre
fiéis.

Capítulo X – Página 58
Quanto ao segundo, nada se pode dizer senão incentivar tais príncipes
a fortificar e municiar a própria cidade, sem se preocupar com o resto do
território. E, quem quer que fortifique bem sua cidade e saiba governar e
manejar seus súditos como já dissemos antes e diremos em seguida, será sempre
atacado com grande cautela; porque os homens abominam as empresas que
pareçam cheias de dificuldades, e não pode haver facilidade em atacar alguém
que domine uma cidade vigorosa e não seja odiado por seu povo.

Capítulo XI – Página 60
Resta-nos agora apenas discorrer acerca dos principados eclesiásticos,
Os Estados, por serem indefesos, não lhes são retirados; e os súditos, por não serem governa dos, não se importam com eles, não pensam neles, nem podem livrar-se deles. Portanto somente esses principados são seguros e felizes; porém, sendo regidos por razões superiores — que a mente humana não alcança —, deixarei de tratar deles, pois, uma vez exaltados e mantidos por Deus, discorrer a seu respeito seria coisa de homem
presunçoso e temerário

Capítulo XII – Página 62
Tendo já discorrido pormenorizadamente sobre todas as modalidades de
principado de que a princípio me propus a tratar, considerado em parte as causas
que os tornam bons ou ruins e indicado os modos pelos quais muitos tentaram
conquistá-los e mantê-los, resta-me agora examinar, de modo geral, os métodos
ofensivos e defensivos adotados por cada um deles.
Te Os principais fundamentos de todos os
Estados, tanto dos novos quanto dos antigos ou mistos, são as boas leis e as boas
armas; e, como não pode haver boas leis onde não houver boas armas — e onde
há boas armas convém que haja boas leis
Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende seu Estado ou são
próprias, ou são armas mercenárias e auxiliares, ou uma mistura de ambas. As
mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas; e, se alguém basear seu Estado
em armas mercenárias, nunca estará seguro nem terá estabilidade, porque tais
tropas são desunidas, ambiciosas, sem disciplina, infiéis, valentes entre os amigos
e vis diante dos inimigos, sem temor a Deus nem fé nos homens; e, com elas,
quanto mais se adia o combate, mais se adia a derrota; na paz se é espoliado por
elas, na guerra, pelos inimigos. A causa disso é que não há outro vínculo ou
motivo que as mantenha em campo senão o soldo, o qual nunca será suficiente
para que se disponham a morrer por você. Querem ser seus soldados enquanto
não se fizer a guerra; contudo, quando a guerra sobrevém, eles dispersam ou
batem em retirada
Quero demonstrar melhor a inépcia dessas armas. Os capitães mercenários
podem ser homens excelentes ou não; caso sejam, não merecerão confiança,
pois sempre aspirarão à própria grandeza, seja intimidando você, que é o senhor
deles, seja oprimindo outros sem o seu consentimento; porém, se o capitão não
for virtuoso, por isso mesmo será sua ruína.

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o príncipe
deve assumir pessoalmente o posto de capitão, ao passo que a república se valerá
de seus cidadãos; e, caso escolha alguém que não se mostre um homem
valoroso, deverá substituí-lo; porém, se ele demonstrar bravura, é preciso contê-
lo com as leis, para que não ultrapasse os limites. Por experiência, vê-se que
somente os príncipes e as repúblicas que dispõem de exércitos fazem enormes
progressos; já as forças mercenárias só trazem danos; de resto, uma república
que tenha armas próprias se submeterá com mais dificuldade a um de seus
cidadãos que outra, dependente de armas estrangeiras.

Capítulo XIII – Página 66
As armas auxiliares, igualmente inúteis, são aquelas solicitadas a um poderoso
para que o defendam com suas tropas,
Portanto, quem não quiser vencer que se valha de tais armas, pois elas são
bem mais perigosas que as mercenárias.
Em suma: nas forças mercenárias, o mais perigoso é a ignávia; nas
auxiliares, a virtude. Por isso todo príncipe sábio sempre evitou armas desse tipo
e se valeu das próprias; e preferiu perder com os seus a vencer com os outros,
julgando falsa vitória a que se obtém por meio de armas alheias.

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Concluo, pois, que sem dispor de armas próprias nenhum principado estará
seguro, ao contrário, estará inteiramente à mercê da fortuna, não tendo virtude
que o defenda com fé nas adversidades; ademais, os homens sábios sempre
opinaram e sentenciaram quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama
potentiae non sua vi nixa.[**] As armas próprias são aquelas compostas de
súditos, de cidadãos ou de vassalos; todas as demais são mercenárias ou
auxiliares;

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