Aristóteles: Ética a Nicômaco – Livro V, Cap. 10: Sobre Equidade

O assunto que se segue é a equidade e o equitativo e respectivas relações com a justiça e o justo. Porquanto essas coisas não parecem ser absolutamente idênticas nem diferir genericamente entre si; e, embora louvemos por vezes o equitativo e o homem equitativo (e até aplicamos esse termo como expressão laudatória a exemplo de outras virtudes, significando por “mais equitativo” que uma coisa é melhor), em outras ocasiões, pensando bem, nos parece estranho que o equitativo, embora não se identifique com o justo, seja digno de louvor; porque, se o justo e o equitativo são diferentes, um deles não é bom; e, se são ambos bons, têm de ser a mesma coisa.

São estas, pois, aproximadamente, as considerações que dão origem ao problema em torno do equitativo. Em certo sentido, todas elas são corretas e não se opõem umas às outras; porque o equitativo, embora superior a uma espécie de justiça, é justo, e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo. A mesma coisa, pois, é justa e equitativa, e, embora ambos sejam bons, o equitativo é superior.

O que faz surgir o problema é que o equitativo é justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disto é que toda lei é universal, mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta. Nos casos, pois, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei considera o caso mais usual, se bem que não ignore a possibilidade de erro. E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto, pois o erro não está na lei, nem no legislador, mas na natureza da própria coisa, já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza.

Portanto, quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal, é justo, uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade, corrigir a omissão — era outras palavras, dizer o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso.

Por isso o equitativo é justo, superior a uma espécie de justiça — não justiça absoluta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. E essa é a natureza do equitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade. E, mesmo, é esse o motivo por que nem todas as coisas são determinadas pela lei: em torno de algumas é impossível legislar, de modo que se faz necessário um decreto. Com efeito, quando a coisa é indefinida, a regra também é indefinida, como a régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas: a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos.

Torna-se assim bem claro o que seja o equitativo, que ele é justo e é melhor do que uma espécie de justiça. Evidencia-se também, pelo que dissemos, quem seja o homem equitativo: o homem que escolhe e pratica tais atos, que não se aferra aos seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si, é equitativo; e essa disposição de caráter é a equidade, que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter.

(ARISTÓTELES, pág. 124-125)

 

 

REFERÊNCIAS

  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção a obra-prima da cada autor. Ed. Martin Claret, 2005;

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