FILOSOFIA MODERNA I : 2019-2
GRAU A
Ubirajara Theodoro Schier
5. Espinosa: Ética Parte I
5- Espinosa criou um tipo de racionalismo panteísta que acolhe influências de Descartes porém dele também se diferencia. Desenvolva as principais características da metafísica de Espinosa, explique sua noção de substância, natureza e Deus. Analise as implicações destas categorias metafísicas sobre o sentido da liberdade humana. Faça uma comparação com a metafísica de Descartes. Ao longo de sua reflexão, faça citações pertinentes da obra “Ética”, de Espinosa.
A metafísica de Espinoza explica-se por meio da aplicação do seu método baseado nos geômetras, onde, a partir da aceitação de um dado conjunto de premissas, dá-se que todas as conclusões à que se chegar por meio destas serão também verdadeiras.
A parte I da Ética de Espinoza fundamenta-se em um conjunto de premissas formado por 8 definições e em 7 axiomas. Com base na reflexão acerca destas, o autor desenvolve 36 proposições (conclusões).
Abaixo desta-se as principais características e suas definições acerca da metafísica do autor na parte I da Ética.
DEFINIÇÕES:
– [1] Por causa de si compreendo aquilo cuja essência envolve a existência, ou seja, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente.
– [2] Diz-se finita em seu gênero aquela coisa que pode ser limitada por outra da mesma natureza. Por exemplo, diz-se que um corpo é finito porque sempre concebemos um outro maior. Da mesma maneira, um pensamento é limitado por outro pensamento. Mas um corpo não é limitado por um pensamento, nem um pensamento por um corpo.
– [3] Por substância compreendo aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido, isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva ser formado.
– [4] Por atributo compreendo aquilo que, de uma substância, o intelecto percebe como constituindo a sua essência.
– [5] Por modo compreendo as afecções de uma substância, ou seja, aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual é também concebido.
– [6] Por Deus compreendo um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.
– [7] Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si só é determinada a agir. E diz-se necessária, ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada.
– [8] Por eternidade compreendo a própria existência, enquanto concebida como se seguindo, necessariamente, apenas da definição de uma coisa eterna.
(Spinoza, Parte I, pg.7)
AXIOMAS:
– [1] Tudo o que existe, existe ou em si mesmo ou em outra coisa.
– [2] Aquilo que não pode ser concebido por meio de outra coisa deve ser concebido por si mesmo.
– [3] De uma causa dada e determinada segue-se necessariamente um efeito; e, inversamente, se não existe nenhuma causa determinada, é impossível que se siga um efeito.
– [4] O conhecimento do efeito depende do conhecimento da causa e envolve este último.
– [5] Não se pode compreender, uma por meio da outra, coisas que nada têm de comum entre si; ou seja, o conceito de uma não envolve o conceito da outra.
– [6] Uma idéia verdadeira deve concordar com o seu ideado.
– [7] Se uma coisa pode ser concebida como inexistente, sua essência não envolve a existência.
(Spinoza, Parte I, pg.8)
O QUE FOI EXPLICADO – PRINCIPAIS PROPOSIÇÕES:
“Com isso, expliquei a natureza de Deus e suas propriedades: que existe necessariamente; que é único; que existe e age exclusivamente pela necessidade de sua natureza; que (e de que modo) é causa livre de todas as coisas; que todas as coisas existem em Deus e dele dependem de tal maneira que não podem existir nem ser concebidas sem ele; que, enfim, todas as coisas foram predeterminadas por Deus, não certamente pela liberdade de sua vontade, ou seja, por seu absoluto beneplácito, mas por sua natureza absoluta, ou seja, por sua infinita potência.” (Spinoza, Parte I, pg.21)
– Proposição 11: Deus, ou seja, uma substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita, existe necessariamente.
“Disso se segue que uma coisa existe necessariamente se não houver nenhuma razão ou causa que a impeça de existir. Se, pois, não pode haver nenhuma razão ou causa que impeça que Deus exista ou que suprima a sua existência, deve-se, sem dúvida, concluir que ele existe necessariamente. Mas se houvesse tal razão ou causa, ela deveria estar ou na própria natureza de Deus ou fora dela, em uma outra substância, de natureza diferente. Pois se fosse da mesma natureza, deveríamos, por isso mesmo, admitir que Deus existe. Mas uma substância que fosse de natureza diferente não teria nada em comum com Deus (pela prop. 2) e não poderia, portanto, pôr a sua existência nem, tampouco, retirá-la. Se, pois, a razão ou a causa que suprime a existência de Deus não pode estar fora da natureza divina, ela deve necessariamente estar, embora supostamente Deus não exista, na própria natureza divina, a qual, por isso, envolveria uma contradição. Mas é absurdo afirmar isso de um ente absolutamente infinito e sumamente perfeito. Logo, não há, nem em Deus, nem fora dele, qualquer causa ou razão que suprima sua existência e, portanto, Deus existe necessariamente.” (Spinoza, Parte I, pg.10)
Comentário: A existência de Deus é defendida por Espinoza fundamentalmente por não haver razões que neguem sua existência, seja na própria natureza de Deus ou fora dela. Como a causa envolve existência, se a causa da não-existência de Deus estivesse na própria natureza de Deus isso implicaria em afirmar, portanto, a existência de Deus. Por outro lado, uma substância de natureza diferente não teria nada em comum com a natureza de Deus e, portanto, da mesma forma como essa natureza não poderia conceber Deus, tão pouco poderia negar sua existência.
– Proposição 14: Além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância.
“Como Deus é um ente absolutamente infinito, do qual nenhum atributo que exprima a essência de uma substância pode ser negado (pela def 6), e como ele existe necessariamente (pela prop. 11), se existisse alguma substância além de Deus, ela deveria ser explicada por algum atributo de Deus e existiriam, assim, duas substâncias de mesmo atributo, o que (pela prop. 5) é absurdo. Portanto, não pode existir e, consequentemente, tampouco pode ser concebida nenhuma substância além de Deus. Pois, se pudesse ser concebida, ela deveria necessariamente ser concebida como existente. Mas isso é absurdo. Logo, além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância.” (Spinoza, Parte I, pg.12)
Comentário: Por esta proposição pode-se dizer segundo Espinoza que somente Deus existe. Isso por que, em primeiro lugar, Deus existe; em segundo lugar, por que, pela definição 6, Deus consistem em infinitos atributos, logo, a natureza de Deus contempla todos os atributos possíveis. Assim, se qualquer atributo de qualquer outra substância seria também um atributo de Deus e não podem existir substâncias diferentes com o mesmo atributo, logo, só existe uma substância, que é Deus.
– Proposição 15: Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus, nada pode existir nem ser concebido.
“Além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância (pela prop. 14), isto é (pela def. 3), uma coisa que existe em si mesma e que por si mesma é concebida. Os modos, entretanto (pela def. 5), não podem existir nem ser concebidos sem uma substância. Portanto, só podem existir na natureza divina e só por meio dela podem ser concebidos. Mas, além das substâncias e dos modos, não existe nada (pelo ax. 1). Logo, sem Deus, nada pode existir nem ser concebido.” (Spinoza, Parte I, pg.12)
Comentário: Se os modos advêm de uma substância e só existe uma substância que é Deus, logo, todos os modos existem em Deus e por ele são concebidos.
– Proposição 17: Deus age exclusivamente pelas leis de sua natureza e sem ser coagido por ninguém.
“Acabamos de demonstrar, na prop. 16, que infinitas coisas se seguem exclusivamente, de maneira absoluta, da necessidade da natureza divina, ou, o que é o mesmo, exclusivamente das leis de sua natureza. Demonstramos, além disso, na prop. 15, que nada pode existir nem ser concebido sem Deus, mas que tudo existe em Deus. Não pode existir, pois, fora dele, nenhuma coisa pela qual ele seja determinado ou coagido a agir. Logo, Deus age exclusivamente pelas leis de sua natureza e sem ser coagido por ninguém.
Corolário 1. Segue-se disso, em primeiro lugar, que, além da perfeição de sua própria natureza, não existe nenhuma causa que, extrínseca ou intrinsecamente, leve Deus a agir.
Corolário 2. Segue-se, em segundo lugar, que só Deus é causa livre. Pois só Deus existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza (pela prop. 11 e pelo corol. 1 da prop. 14) e age exclusivamente pela necessidade de sua natureza (pela prop. prec.). Logo (pela def 7), só ele é causa livre.” ” (Spinoza, Parte I, pg.14)
Comentário: Entende-se, com base em Espinoza, que se tudo existe em Deus e é concebido por ele e, também que este age segundo a necessidade de sua natureza, logo conclui-se que somente Deus age, ou seja, somente Deus é causa livre.
– Proposição 29: Nada existe, na natureza das coisas, que seja contingente; em -vez disso, tudo é determinado, pela necessidade da natureza divina, a existir e a operar de uma maneira definida.
“Portanto, tudo é determinado, pela necessidade da natureza divina, não apenas a existir, mas também a existir e a operar de uma maneira definida, nada existindo que seja contingente.” ” (Spinoza, Parte I, pg.18)
Comentário: Nesta proposição conclui-se que para Espinoza, todos os modos não apenas existem e são concebidos por Deus mas, também, operam de maneira definida segundo a necessidade de sua natureza. Conceito este que, mais tarde, será conhecido como Determinismo.
Implicações quanto ao sentido de liberdade humana:
Em relação à liberdade humana, o ponto de maior impacto na filosofia de Espinoza dis respeito ao Determinismo. Segundo ele, somente Deus tem causa livre e todas as coisas, que nele existem, por ele são concebidas, também por ele operam segundo a necessidade de sua natureza. Se todas as coisas operam segundo as necessidades da natureza divina, entende-se que estas não operam segundo suas próprias necessidades. Em outras palavras, para Espinoza todas as ações seriam pré-determinadas não havendo, portanto, o livre arbítrio.
Comparações com Descartes:
– PANTEÍSMO: Em Descartes entende-se que o corpo (extensio) é um veículo pilotado pelo espírito (cogitatio). Corpo e espírito são, portanto, coisas separadas (dualismo). Espinoza define que corpo e espírito são atributos de Deus, que por ser uma substância única, trata-se portanto, uma única coisa. A visão dualista de Descartes serviu para o desenvolvimento da visão monoísta de Espinoza.
– LIVRE-ARBÍTRIO: Enquanto que para Descartes Deus é uma entidade separada do homem, para Espinoza Deus é o homem, e o homem é Deus. Essa diferença têm impacto sobre um aspecto muito importante para o ser humano: o livre arbítrio. Para Descartes, portanto, o homem é livre para decidir o que fazer, ele pode agir de acordo ou não a vontade de Deus. Já para Espinoza não, ou seja, como Deus é parte do homem, este age segundo sua natureza. Assim, tudo o que o homem faz já é pré-determinado de acordo as necessidades das leis da natureza e não de acordo com a vontade do homem.
– NATUREZA: Em relação à natureza, Descartes define-a como um objeto criado por Deus no plano material, tal como o homem. Tem assim, uma finalidade utilitarista. Já para Espinoza, tal como o homem, Deus é também natureza e a natureza é Deus. Essa concepção dá uma outra dimensão à natureza: integrando-a ao divino, a natureza é em si o próprio, e possui sua própria ordem. Ao mesmo tempo, existe no plano material, tornando-se algo percebido como real para o homem.
Os Preconceitos Finalísticos:
“Que todos os homens nascem ignorantes das causas das coisas e que todos tendem a buscar o que lhes é útil, estando conscientes disso“. (Spinoza, Parte I, pg.22)
[1] “Encontram tanto em si mesmos, quanto fora de si, não poucos meios que muito contribuem para a consecução do que lhes é útil, como, por exemplo, os olhos para ver, os dentes para mastigar, os vegetais e os animais para alimentar-se, o sol para iluminar, o mar para fornecer-lhes peixes, etc., ele são, assim, levados a considerar todas as coisas naturais como se fossem meios para sua própria utilidade.” (Spinoza, Parte I, pg.22)
Comentário: Primeiro o homem acredita que todas as coisas são meios para serem utilizados para algum fim.
[2] “E por saberem que simplesmente encontraram esses meios e que não foram eles que assim os dispuseram, encontraram razão para crer que deve existir alguém que dispôs esses meios para que eles os utilizassem.” (Spinoza, Parte I, pg.22)
Comentário: Como não foi o homem quem criou os meios, então o mesmo é levado a crer que alguém, que não o homem, dispôs destes meios para que fossem utilizados.
[3] “Concluíram assim que havia um ou mais governantes da natureza, dotados de liberdade humana, que tudo haviam providenciado para eles e para seu uso tinham feito todas as coisas. E por nunca terem ouvido falar nada sobre a inclinação desses governantes, eles igualmente tiveram que julgá-la com base na sua, sustentando, como consequência, que os deuses governavam todas as coisas em função do ser humano, para estes lhes fiquem subjugados e lhes prestam máxima reverência.” (Spinoza, Parte I, pg.22)
Comentário: E este quem dispôs dos meios, deveria ser reverenciado.
[4] “Ao lado de tantas coisas agradáveis da natureza, devem ter encontrado não poucas que são desagradáveis, como as tempestades, terremotos, as doenças, etc. Argumentaram, por isso, que essas coisas ocorriam por causa da coléra dos deuses diante das ofensas das ofensas que lhes tinham sido feita pelos homens, ou diante das faltas cometidas nos cultos divinos.” (Spinoza, Parte I, pg.22)
Comentário: E mesmo para as coisas ruins que aconteciam, aconteciam em castigo pela ingratidão do homem.
[5] “Foi-lhes mais fácil, com efeito, colocar essas ocorrências na conta das coisas que desconheciam e cuja utilidade ignoravam, continuando assim, em seu estado presente e inato de ignorância, do que destruir toda essa sua fabricação e pensar em algo novo.” (Spinoza, Parte I, pg.22)
Comentário: E assim se tornou mais fácil encontrar explicação para as coisas: a causa divina.
[6] “Como consequência, tiveram que formar certas noções para explicar a natureza das coisas, tais como as de bem, mal, ordenação, confusão, calor, frio, beleza, feiúra, etc., por se julgarem livres, foi que nasceram noções tais como louvor e desaprovação, pecado e mérito.” (Spinoza, Parte I, pg.23)
Comentário: De onde então estabeleceu-se os conceitos de que as coisas boas eram méritos decorrentes de virtudes e, as ruins, castigo decorrentes dos pecados.
[7] “Tudo aquilo, pois, que beneficia a saúde e favorece o culto de Deus eles chamaram de bem; o que é contrário a isso chamaram de mal. E como aqueles que não compreendem a natureza das coisas, nada afirmam sobre elas, mas apenas as imaginam, confundindo a imaginação com intelecto, eles crêem firmemente que existe uma ordenação nas coisas, ignorando tanto a natureza das coisas quanto sua própria.” (Spinoza, Parte I, pg.23)
Comentário: Generalizando, portanto, para os conceitos de bem e mal.
[8] “Como já dissemos, que todas as coisas foram feitas em função deles, e é com base na maneira como foram afetados por uma coisa que dizem que sua natureza é boa ou má, sã ou podre e corrompida.”
[9] “Vemos, pois, que todas as noções que o vulgo costuma utilizar para explicar a natureza não passam de modos do imaginar e não indicam a natureza das coisas, mas apenas a constituição de sua própria imaginação.” (Spinoza, Parte I, pg.24)
Comentário: Onde conclui-se que, as noções que utilizadas para explicar a natureza das coisas não passam de imaginação.
REFERÊNCIAS
SPINOZA, Benedidus de. Ética / Spinoza ; [tradução de Tomaz Tadeu]. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
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