Filosofia Moderna I – Maquiavel: O Príncipe (GA-T1)

FILOSOFIA MODERNA I : 2019-2

GRAU A

Ubirajara Theodoro Schier


1. Maquiavel: O Príncipe

1- Quais são as principais implicações do pensamento de Maquiavel em relação à ética na política. Quais são as principais características da ética proposta por Maquiavel. Desenvolva o conceito de virtude pensado por Maquiavel e explique qual a sua relação com os conselhos dados aos governantes (príncipes) para conservarem o poder. Desenvolva esses pontos indicando trechos da obra, O príncipe, nos quais se confirmam as análises realizadas.

O Príncipe é uma das principais obras de Nicolau Maquiavel, escrita em 1513 em uma carta dedicada à Lourenço de Médici, em quem via a possibilidade de uma Itália unificada. Nesta carta, Maquiavel projeta o realismo político, na forma de um manual de  conduta que um príncipe deveria considerar para conquistar e manter o poder nos principados. Tomando o contexto histórico-social como pano de fundo, Maquiavel descreve as virtudes e vícios necessárias ao Príncipe, considerando com frieza a essência egoísta da natureza do ser humano presente nos seus súditos, soldados, mercenários e invasores.

Em sua obra Maquiavel dissocia a ética da política, quando defende a ideia de que, para o príncipe conquistar e manter o poder, os “fins sempre justificam os meios”.  Partindo dessa premissa, Maquiavel escreve de que forma um príncipe deve agir frente à determinadas situações para alcançar e manter o poder. Abstraindo questões relacionadas diretamente com o contexto histórico, como por exemplo, a crueldade requerida em tempos de guerra, destacamos os aspectos abaixo relacionados somente com a questão da Ética. Para corroborar com isso, substituiremos propositadamente a palavra “príncipe” por “governante”.

[1] O governante não precisa manter sua palavra

Dada uma situação, o governante não precisa se preocupar em manter a palavra antes dada se isso comprometer a conquista ou manutenção do poder.

Todos concordam quanto é louvável que um príncipe mantenha sua palavra e viva com integridade, não com astúcia; todavia, em nossa época vê-se por experiência que os príncipes que realizaram grandes feitos deram pouca importância à palavra empenhada e souberam envolver com astúcia as mentes dos homens, superando por fim aqueles que se alicerçaram na sinceridade.” (M., Cap. XVIII, p.78)

Comentário: O governante prudente não pode, nem deve, guardar a palavra dada, quando isso se torna prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prometer.

[2] O governante não precisa ser leal

Dada uma situação, o governante deve se preocupar em manter-se leal às alianças firmadas se isso comprometer a conquista ou manutenção do poder.

“Disso resulta outra necessidade natural e comum, pois o novo príncipe sempre precisará oprimir os novos súditos, seja com suas tropas, seja com as infinitas violações que uma conquista recente implica: de modo que se transformam em inimigos todos aqueles que o novo príncipe ofendeu ao ocupar aquele domínio, sem que seja possível manter a amizade dos que o ajudaram a conquistá-lo, haja vista que é impossível satisfazer todas as suas pretensões; mas também não se pode lançar mão de medidas enérgicas contra estes, posto que se tem uma dívida com eles; isso porque, ainda que seus exércitos sejam poderosíssimos, sempre será necessário o favor dos provincianos para se entrar numa província.” (M., Cap. III, p.34)

Comentário: O governante necessita reconhecer que um aliado que o apoia na conquista poderá se tornar um inimigo potencial, pois para manutenção do poder é bastante provável não ser possível atender suas pretensões. Neste caso, é preciso rever a lealdade à este frente a iminência deste se tornar um inimigo em função das pretensões não atendidas.

[3] O governante não precisa ser virtuoso

Dada uma situação, caso o governante não tenha uma determinada virtude para conquista ou manutenção do poder, ele só precisa aparentar possuí-la.

“A um príncipe, pois, não é indispensável ter de fato todas as qualidades acima descritas, mas é imprescindível que pareça possuí-las; aliás, ousarei dizer o seguinte: tendo-as e observando-as sempre, elas são danosas, ao passo que, aparentando tê-las, são úteis — como, por exemplo, parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo; mas é necessário estar com o espírito de tal modo predisposto que, ser for preciso não o ser, o príncipe possa e saiba torna-se o contrário.” (M., Cap. XVIII, p.79)

Comentário: O governante deve portanto, preocupar-se se necessário for, em apresentar as virtudes necessárias, sem propriamente tê-las.

[4] O governante não precisa ser bom

Para conquistar e manter o poder, ser bom ou mau vai depender da situação. Se for preciso ser mau e cruel, seja-o o mais breve possível.

“E há que se compreender que um príncipe, sobretudo o príncipe novo, não pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de bons, precisando muitas vezes, para preservar o Estado, operar contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém é necessário que ele tenha um espírito disposto a voltar-se para onde os ventos da fortuna e a variação das coisas lhe ordenarem; e, como se disse acima, não se afastar do bem, se possível, mas saber entrar no mal, se necessário .” (M., Cap. XVIII, p.79)

Comentário: Como referido na citação acima, o governante deve procurar não se afastar do bem se for possível, como também fazer uso do mal se necessário.

“Sei que todos dirão que seria louvabilíssimo um príncipe ter as melhores qualidades  dentre as enumeradas acima. Contudo, como a condição humana não consente que se tenham todas elas, nem que possam ser inteiramente observadas, é necessário ser prudente a fim de escapar à infâmia daqueles vícios que põem em risco o governo; e, se possível, devem-se evitar também aqueles que não comprometem o governo; mas, se forem inevitáveis, que passem sem grandes preocupações. Tampouco se preocupe com incorrer na infâmia de tais vícios, sem os quais dificilmente se pode salvar o governo; pois, se bem observado, caso o príncipe siga o que lhe parecer uma virtude, causará a própria ruína, mas, se seguir o que lhe parecer um vício, terá maior segurança e bem-estar.” (M., Cap. XV, p.71)

Comentário: O governante deve procurar ao máximo evitar os vícios ou ao menos minimizar seu efeito quando estes lhes forem prejudiciais na conquista e manutenção do poder. Ao mesmo tempo, precisa considerar que a qualquer momento, de acordo com a situação, seja necessário seguir um desses vícios.

[5] O governante deve agir antecipadamente

O governante deve se preocupar em identificar potenciais inimigos e agir antecipadamente,  neutralizando-os o assim que identificado o menor sinal de ameaça e até mesmo antes disso se possível.

“Nesses casos, os romanos fizeram o que todos os príncipes sábios devem fazer: não se concentrar apenas nos distúrbios presentes, mas também nos futuros, fazendo de tudo para evitá-los, pois com a prevenção é possível remediá-los mais facilmente, ao passo que, quando se espera demasiado, o tratamento não chega a tempo, porque a doença já se tornou incurável; é como a tísica, que, segundo os médicos, a princípio é fácil de tratar e difícil de diagnosticar, mas, com o passar do tempo, não tendo sido diagnosticada nem tratada precocemente, se torna fácil de reconhecer e difícil de curar. É o que acontece com os assuntos de Estado: reconhecendo a distância os males que medram nele — o que só é dado ao homem prudente —, é possível saná-los de pronto; porém, se por imprevidência os deixarem crescer a ponto de se tornarem visíveis aos olhos de todos, não haverá mais remédio.” (M., Cap. III, p.36)

Comentário: O governante deve se preocupar em neutralizar as ameaças antes mesmo que elas ocorram. Nesta prevenção consiste o ato de necessitar agir em prejuízo de outrem antes mesmo que este faça algo.

[6] O governante deve sempre tomar um dos lados

O governante deve se preocupar em sempre tomar uma posição frente à um conflito, posicionando-se como aliado de um dos lados e, inimigo do outro.

“Um príncipe também é estimado quando se mostra um verdadeiro amigo e um verdadeiro inimigo, isto é, quando sem nenhum escrúpulo se revela a favor de alguém e contra outro. Tal partido é sempre mais útil que a neutralidade, uma vez que, se dois potentados vizinhos entram em guerra, ou se dá o caso de que, vencendo um deles, você tenha de temer o vencedor, ou ocorre o contrário. Em ambas as hipóteses, será sempre mais vantajoso revelar-se abertamente e combater uma boa batalha; porque, no primeiro caso, se você não tomar partido, estará sempre na mira de quem venceu, para deleite e satisfação daquele que foi derrotado; e não há razão nem coisa nenhuma que o defenda, nem ninguém que o acolha: porque quem vence não quer amigos suspeitos e que não o ajudem nas adversidades; e quem perde não o acolhe, já que você não quis pegar em armas para reverter sua fortuna.” (M., Cap. XXI, p.90)

Comentário: O governante, frente à um conflito entre duas partes, é melhor sempre apoiar uma delas, ou para obter um aliado derrotado, ou para não ser temido pelo que venceu.

Conclusão: Maquiavel inaugura, portanto, uma distinção entre política e moral. Para ele, uma virtude política é aquela necessária ao governante para fazer o que precisa ser feito, independente do caráter moral de suas ações. Desta forma, o que prevalece sempre, sobre quaisquer questões morais, para Maquiavel, é a vontade política.


REFERÊNCIAS

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe; – Penguin Companhia.

 

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