Filosofia Moderna I – Espinoza: Ética – Parte III, IV e V : Afestos e Liberdade (GA-T6)

FILOSOFIA MODERNA I : 2019-2

GRAU A

Ubirajara Theodoro Schier


6. Espinosa: Parte III, IV e V

6- A metafísica de Espinosa tem por objetivo explicar o comportamento humano segundo a sua natureza e construir uma teoria ética segundo a natureza. Explique as principais características da ética de Espinosa e como compreende a liberdade humana. Desenvolva o que o autor entende por ações e paixões e como estas se relacionam com concepção naturalista e determinista do comportamento humano. Faça citações textuais dos principais textos da obra “Ética”, de Espinosa, que tenham relação com sua reflexão.

Para tratarmos do entendimento de Espinosa sobre Liberdade e de como as ações e paixões se relacionam com a concepção naturalista e determinista do comportamento humano, necessitamos verificar primeiro as principais premissas de Espinosa necessárias à argumentação.

LIBERDADE

Definição 7“Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si só é determinada a agir. E diz-se necessária, ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada.” (Spinoza, Parte I, pg.7)

Proposição 28: “Nenhuma coisa singular, ou seja, nenhuma coisa que é finita e tem uma existência determinada, pode existir nem ser determinada a operar, a não ser que seja determinada a existir e a operar por outra causa que também é finita e tem uma  existência determinada; por sua vez, essa última causa tampouco pode existir nem ser determinada a operar a não ser por outra. a qual também é finita e tem uma existência determinada. e assim por diante. até o infinito.(Spinoza, Parte I, pg.18)

Proposição 29: “Nada existe, na natureza das coisas, que seja contingente; em -vez disso, tudo é determinado, pela necessidade da natureza divina, a existir e a operar de uma maneira definida.(Spinoza, Parte I, pg.18)

Comentário: Pode-se dizer, com base nas premissas acima, que Deus está em todas as coisas e é causa delas. Nesse sentido, se tudo o que acontece tem como causa as necessidades da natureza divina, então todas as coisas (modos) estão condicionados à estas. Por isso, considerando também a definição 7,  pode-se dizer que somente Deus é livre, pois todas as coisas agem e operam de maneira determinada segundo as necessidades de sua natureza divina. Para Espinosa, portanto, não existe livre-arbítrio.

A origem e a natureza dos afetos

Segundo Espinosa:

“1. Chamo de causa adequada aquela cujo efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma. Chamo de causa inadequada ou parcial, por outro lado, aquela cujo efeito não pode ser compreendido por ela só.” (Spinoza, Parte III, pg.50)

ComentárioPartindo dessa definição, pode-se dizer mais claramente que causa adequada é quando o efeito é compreendido por meio dela e, inadequada, quando não o é. Ou seja, pode-se: compreender o efeito por conhecer sua causa; ou não compreender o efeito por desconhecer sua causa. Nesse caso, compreende-se que conhecer a causa de um efeito é a causa adequada e desconhecer a causa de um efeito, inadequada.

“2. Digo que agimos quando, em nós ou fora de nós, sucede algo de que somos a causa adequada, isto é (pela def prec.), quando de nossa natureza se segue, em nós ou fora de nós, algo que pode ser compreendido clara e distintamente por ela só. Digo, ao contrário, que padecemos quando, em nós, sucede algo, ou quando de nossa natureza se segue algo de que não somos causa senão parcial.” (Spinoza, Parte III, pg.50)

Comentário: Segundo Espinosa, “agimos” quando temos o conhecimento da causa do efeito – causa adequada – existindo portanto consciência no agir; e ao contrário, “padecemos” quando  desconhecemos a causa do efeito – causa inadequada – e não existe consciência no padecer. Disto podemos extrair que o homem age quando é consciente da causa e padece quando não o é – padecemos quando não somos conscientes de nossos atos, ou seja, não conhecemos as causas (esse conceito de agir e padecer, não possui correlação com o bem ou o mal, ou seja, não necessariamente agimos para algo considerado bom, como também não necessariamente padecemos para algo considerado mal).

“3. Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as idéias dessas afecções. Explicação. Assim, quando podemos ser a causa adequada de alguma dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário, uma paixão.” (Spinoza, Parte III, pg.50)

ComentárioPode-se entender com esta definição de Espinosa que àquilo que afeta o corpo e a mente do homem, ao mesmo tempo, afeta aumentando ou diminuindo sua potência. Integrando o que vimos nas definições anteriores, pode-se entender que para Espinosa, que “ação” é aquilo que afeta o homem – corpo e mente – quando esse conhece a causa dessa afecção (causa adequada) e, de “paixão”, quando desconhece a causa dessa afecção (causa inadequada).

“Proposição 1. A nossa mente, algumas vezes, age; outras. na verdade, padece. Mais especificamente, à medida que tem idéias adequadas, ela necessariamente age; à medida que tem idéias inadequadas. ela necessariamente padece. ” (Spinoza, Parte III, pg.50)

ComentárioNesta proposição Espinosa deixa mais claro quanto ao que comentou-se em relação às definições anteriores. “Ação” é aquilo que afeta nosso corpo e mente, aumentando a potência, quando temos com consciência de nossos atos, ou seja, conhecemos a causa – quando então diz-se que “agimos”. “Paixão” é aquilo que afeta nosso corpo e mente, diminuindo a potência, quando não temos consciência de nossos atos, ou seja, desconhecemos a causa – quando então diz-se que “padecemos”.

“Proposição 41. A alegria não é diretamente má, mas boa; a tristeza, em troca, é diretamente má. Demonstração. A alegria (pela prop. 11 da P. 3, juntamente com seu esc.) é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é aumentada ou estimulada. A tristeza, em troca, é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é diminuída ou refreada. Portanto (pela prop. 38), a alegria é diretamente boa, etc.” (Spinoza, Parte III, pg.50)

Comentário: Nesta proposição, Espinosa define as duas afecções primárias: a alegria e a tristeza. A alegria é aquilo que afeta o corpo e mente do homem quando este age de maneira consciente (causa adequada), ocorrendo assim um aumento da potência; A tristeza é aquilo que afeta o corpo e mente do homem quando este padece de maneira inconsciente (causa inadequada), ocorrendo assim uma diminuição da potência.

Todos os demais sentimentos, emoções e comportamentos do homem derivarão de uma destas duas: ou da alegria ou da tristeza. Entende-se assim, que aquilo que afeta o homem pode ser considerado bom quando ocorre um aumento da potência, derivando, portanto, da alegria. Por outro lado, aquilo que afeta o homem pode ser considerado ruim quando ocorre uma diminuição da potência, derivando, portanto, da tristeza. 

A partir destas duas afecções primárias, Espinosa define os demais afetos do comportamento humano, como por exemplo:

“6. O amor é uma alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior.
7. O ódio é uma tristeza acompanhada da idéia de uma causa exterior.
8. A atração é uma alegria acompanhada da idéia de uma coisa que, por acidente, é causa de alegria.
9. A aversão é uma tristeza acompanhada da idéia de uma coisa que, por acidente, é causa de tristeza. Veja-se, a respeito, o esc. da prop. 15.
11. O escárnio é uma alegria que surge por imaginarmos que há algo que desprezamos na coisa que odiamos.
12. A esperança é uma alegria instável, surgida da idéia de uma COlsa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.
13. O medo é uma tristeza instável, surgida da idéia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida. Veja-se, a este respeito, o esc. 2 da prop. 18.
14. A segurança é uma alegria surgida da idéia de uma coisa futura ou passada, da qual foi afastada toda causa de dúvida.
15. O desespero é uma tristeza surgida da idéia de uma coisa futura ou passada da qual foi afastada toda causa de dúvida.
16. O gáudio é uma alegria acompanhada da idéia de uma coisa passada que se realizou contrariamente ao esperado.
17. A decepção é uma tristeza acompanhada da idéia de uma coisa passada que se realizou contrariamente ao esperado.
18. A comiseração é uma tristeza acompanhada da idéia de um mal que atingiu um outro que imaginamos ser nosso semelhante. Vejam-se o esc. da prop. 22 e o esc. da prop. 27.” (Spinoza, Parte III, pg.72-73)

Comentário: As afecções acima, para Espinosa, derivam diretamente ou da alegria, ou da tristeza, aumentando a potência no caso da primeira e diminuindo, no caso da segunda. Entre as afecções acima, destacam-se o amor e o ódio (definição 6 e 7), pois destes derivam, também, outros afetos.

“19. O reconhecimento é o amor por alguém que fez bem a um outro.
20. A indignação é o ódio por alguém que fez mal a um outro.
21. A consideração consiste em, por amor, ter sobre alguém uma opinião acima da justa.
22. A desconsideração consiste em, por ódio, ter sobre alguém uma opinião abaixo da justa.
34. O agradecimento ou a gratidão é o desejo ou o empenho de amor pelo qual nos esforçamos por fazer bem a quem, com igual afeto de amor, nos fez bem. Vejam-se a prop. 39, juntamente com o esc. da prop. 41.
37. A vingança é o desejo que nos impele, por ódio recíproco, a fazer mal a quem, com igual afeto, nos causou dano. Vejam-se o corol. 2 da prop. 40, juntamente com o seu escólio.” (Spinoza, Parte III, pg.72-75)

LIBERDADE E AFETOS

Retomando a questão da liberdade, para Espinosa, liberdade é a realização consciente dos afetos que aumentam a potência, ou seja, aqueles que trazem alegria; como também a não-realização consciente dos afetos que diminuem a potência, ou seja, aqueles que porventura trariam tristeza. A causa daquilo que acontece ao homem é sempre determinada pelas necessidades da natureza divina, entretanto, a consciência da causa (causa adequada) possibilita ao homem realizar àquilo que lhe traga alegria e, refrear àquilo que lhe traria tristeza. Em outras palavras, pode-se entender que para Espinosa, liberdade é consciência.

Proposição 42. A beatitude não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a desfrutamos porque refreamos os apetites lúbricos, mas, em vez disso, podemos refrear os apetites Iúbricos porque a desfrutamos.” (Spinoza, Parte V, pg.120)

ComentárioNesta última proposição da parte V, Espinosa então define que o estado de felicidade e plenitude não é alcançado por que evitamos as afecções que trazem tristeza e, sim, somente as evitamos porque desfrutamos essa condição.


REFERÊNCIAS

SPINOZA, Benedidus de. Ética / Spinoza ; [tradução de Tomaz Tadeu]. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

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