Introdução à Filosofia Social e Política

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA SOCIAL E POLÍTICA

Ubirajara T Schier

OBJETIVO:

O objetivo deste trabalho é o de aprofundar os conhecimentos vistos na aula introdutória de Filosofia social e política do curso de Filosofia da Unisinos por meio da síntese do livro “O Livro Urgente da Política Brasileira” de Alessandro Nicoli de Mattos. Nesta compilação, foram extraídos do livro original os conteúdos vistos nas aulas.


political compass - politicos

 

 


ESPECTRO POLÍTICO


 

1. ESQUERDA OU DIREITA


Eixo Direito-Esquerda

O eixo esquerda-direita vai da extrema esquerda à extrema direita e passa por todos os graus possíveis entre um extremo e outro; mas algumas designações são mais usuais e as posições políticas costumam ser rotuladas como de extrema esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e extrema direita.

As pontas do eixo costumam ser ocupadas por ideias radicais e ideologias extremistas e, portanto, acabam sendo pouco populares entre os eleitores. As posições mais centristas – como a centro-esquerda e a centro-direita – são as que costumam ter maior apelo eleitoral e são as que formam a maioria dos governos democráticos pelo mundo. O centro também costuma ser bastante popular, pois geralmente representa algum tipo de sincretismo das ideias de esquerda e direita, algumas vezes apresentando-se como uma “terceira via”, e assim consegue dialogar com eleitores de ambos os lados do eixo.

1.1 HISTÓRIA:

Após a revolução francesa (1789) os Parlamentos formados por toda a França entre 1789 e 1799 eram organizados de forma que os representantes da aristocracia se sentavam à direita e os comuns à esquerda do orador. Os aristocratas defendiam os privilégios da aristocracia, da igreja e a sociedade de classes que existia no antigo regime, ou seja, eram conservadores no sentido de manter as estruturas sociais vigentes até então. Já os que se sentavam à esquerda representavam os interesses da burguesia, a classe que estava pagando a conta da aristocracia e da igreja, mas que até aquele momento não tinha poder político. Entre os seus interesses estavam o republicanismo, o secularismo e o livre mercado, que iam ao encontro de seus objetivos para fortalecer o comércio e retirar os privilégios das classes que até então dominavam a política. Neste momento da história os trabalhadores, camponeses e pobres em geral não estavam sendo representados nestas assembleias e a ideia de democracia ainda era bastante restrita. Não deixa de ser irônico que os primeiros esquerdistas tenham sido capitalistas burgueses!

Neste momento da história o foco da discussão política estava na divisão de “classes” e nos privilégios econômicos e políticos existentes, mas com o avanço do liberalismo político e o reconhecimento da ideia de que todos os cidadãos devem ser iguais perante a lei, estes sistemas de “classes” naturalmente sucumbiram ou diminuíram de importância. Mesmo em sociedades oficialmente “classistas”, como o Reino Unido, a nobreza teve os seus privilégios tão esvaziados ao longo do século XX que hoje quase não constituem uma vantagem.

A política desta época ainda não tinha a influência de ideias como o socialismo ou comunismo – Karl Marx (1818 – 1883) nem havia nascido ainda -, o capitalismo liberal ainda estava em sua infância – lutando para substituir o capitalismo mercantilista – e os sindicatos de operários urbanos estavam longe de surgir. Mas isto estava prestes a mudar. O século XIX trouxe enormes avanços na industrialização, os centros urbanos cresceram muito e o capitalismo liberal se desenvolveu. Neste cenário, o século XIX foi profícuo em produzir ideologias dos mais diversos tipos, que teriam impactos imensos no século seguinte. Uma das ideologias que tiveram mais impacto no cenário político foram o socialismo e o comunismo concebido por Karl Marx e que serviram de base a muitos movimentos operários e ao surgimento dos sindicatos urbanos. Com o passar do tempo o socialismo deu origem a diversas vertentes, entre elas a social democracia. Neste novo contexto o foco da discussão política passou a ser as disputas entre o capital e a força de trabalho.

Em seguida, o século XX testemunhou o sufrágio universal (ou seja, todos podem votar), a expansão de outros setores da economia que não a indústria e o fortalecimento das democracias liberais no mundo, inclusive das sociais democracias, que equacionaram em parte as disputas entre o capital e a força de trabalho. Neste novo contexto a política passou a ter como questões predominantes o papel do Estado na sociedade e na economia e quais valores políticos devem ser promovidos.

1.2 VISÕES DE MUNDO E DA NATUREZA HUMANA:

Para entender o que a esquerda e a direita representam é necessário entender as bases filosóficas que explicam a visão de mundo e da natureza humana que fundamenta os pensamentos políticos de cada lado do eixo.

O ponto de partida para entender estas visões de mundo e sociedade é Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês que viveu durante a guerra civil inglesa (1642-1651). Por ter vivido num período tumultuado da história inglesa não é surpreendente que ele tenha defendido governos absolutistas com governantes poderosos capazes de garantir a ordem e resolver conflitos internos. Mas a grande novidade é que ele foi um dos primeiros filósofos modernos a rejeitar a ideia de ordem social baseada na doutrina cristã – comum na Idade Média e que atribuía à vontade divina o direito dos monarcas de governar- e procurar entender e legitimar o poder dos governantes de um ponto de vista racional. O resultado foi a sua teoria do contrato social, um acordo tácito pelo qual os governados se submetem ao poder do governante – abrem mão de parte da sua liberdade – em troca de proteção e da garantia de seus direitos e demais liberdades. Para ele um governo só é legítimo enquanto o governante cumpre o seu papel no contrato; caso contrário o seu governo perde a legitimidade e os governados tem o direito de substituí-lo.

Mas para chegar a esta ideia Hobbes filosofou sobre uma das questões mais difíceis e polêmicas para os pensadores modernos e que é até hoje o ponto fundamental da discordância entre esquerda e direita: qual a natureza da condição humana e do comportamento humano? Para responder a esta questão Hobbes imaginou como seria a condição do ser humano no “estado da natureza”, uma condição teórica da humanidade antes da introdução de estruturas sociais e instituições do Estado.

Para Hobbes a humanidade no “estado da natureza” teria uma liberdade absoluta – sem restrições -, mas uma vida de constante guerra entre seus pares, bruta, de miséria e caos. Para ele a natureza humana é intrinsecamente egoísta e o caráter humano é falho e imutável. Neste cenário as pessoas aceitam submeter-se ao poder do Estado para usufruírem suas vantagens, como a ordem, a paz, a proteção à vida e à propriedade, mesmo que ao custo da perda de uma parte de sua liberdade.

Nesta visão de mundo baseada em Hobbes não há instituições ou ações políticas que sejam capazes de eliminar as imperfeições humanas ou criar uma sociedade utópica; a melhoria da sociedade depende da melhoria de cada indivíduo que faz parte dela. O objetivo da política deve ser fazer o possível para criar as condições para uma “vida boa” – não no sentido material ou de riqueza, mas condições nas quais os indivíduos consigam viver de maneira virtuosa, que não sejam obrigados a tomar atitudes imorais para poder sobreviver. Esta é a visão de mundo e da natureza humana que fundamenta a direita.

Quase um século depois o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) propôs uma nova abordagem ao tema do contrato social e uma definição totalmente oposta sobre a natureza humana. Nesta época ele ainda não sabia, mas seria fonte de inspiração para a revolução francesa (1789) e lançaria as bases filosóficas para o desenvolvimento da esquerda nos séculos seguintes. Rousseau era originário da pacata e organizada cidade suíça de Genebra e talvez por isto tenha tido uma compreensão de mundo tão diferente de Hobbes.

Para Rousseau a humanidade no “estado da natureza” é feliz, benevolente e as pessoas viveriam em harmonia, guiadas por um sentimento de compaixão. O homem é naturalmente bom, mas as forças externas que constantemente o ameaça incentivam a criação das sociedades e suas instituições. Embora as pessoas não sejam inerentemente más, podem se tornar quando sujeitas a governos e instituições ruins, especialmente a propriedade privada. Rousseau fez críticas duras à propriedade privada, embora não tenha defendido aboli-la completamente e sim distribuí-la de maneira mais igualitária. Segundo a sua visão a propriedade privada origina todas as divisões e desigualdades existentes na sociedade. Estas divisões, desigualdades e as instituições imperfeitas criadas pelo homem seriam a origem dos vícios e defeitos de caráter das pessoas, pois estas teriam desviado o ser humano de suas qualidades inatas. Esta é a visão de mundo e da natureza humana que fundamenta a esquerda.

Rousseau também propôs uma teoria sobre o contrato social, mas não originário do medo e da necessidade de proteção, mas sim como um meio para melhorar a existência humana. Para Rousseau quando as leis são criadas por aqueles que se sujeitam a elas, estas podem tornar-se uma extensão e melhoria da liberdade existente no “estado da natureza”; esta visão contrasta com a de Hobbes, que via nas leis uma restrição necessária à liberdade, que só poderia ser plena no “estado da natureza”. Mas para este contrato social funcionar é necessário que as pessoas sejam iguais; para Rousseau, liberdade e igualdade caminham lado a lado e não há conflito entre estes valores. Esta é uma ideia fundamental para a esquerda, que embora apresente inúmeras variações de doutrinas e ideologias, tem na igualdade o valor político que define e une todas elas.

Uma conclusão inevitável desta visão de Rousseau é que o Estado e as instituições podem modelar a sociedade e o comportamento humano, e, portanto, instituições perfeitas poderiam em teoria levar a uma sociedade perfeita e capaz de evitar a degradação do caráter humano naturalmente benevolente. Nesta concepção a ação política e o Estado podem e devem ser usados como um meio para mudar a sociedade. Esta visão serviu de base filosófica para o desenvolvimento de ideias que pretendem reformar a sociedade para o bem comum por meio da política – às vezes chamadas de reformistas -, incluindo as doutrinas desenvolvidas por Karl Marx.

Resumo Hobbes-Rousseau

As visões de mundo de Hobbes e Rousseau são antagônicas e representam os pontos extremos do entendimento da natureza humana. De um lado a condição natural do homem é de guerra e caos, os indivíduos são egoístas e motivados somente pelo auto-interesse; do outro lado esta condição é de harmonia e benevolência, as pessoas são altruístas e podem ser motivadas por interesses comunitários.

Na prática, a experiência tende a mostrar que a natureza humana está em algum lugar entre os dois extremos teóricos defendidos por Hobbes e por Rousseau. Nem todas as ações humanas podem ser explicadas pelo egoísmo, pois parecem muito mais motivadas pelo altruísmo, pela lealdade, pela gratidão ou por alguma convicção moral. Afinal, a mesma pessoa que se preocupa em promover seus próprios interesses no dia a dia pode colocar a sua vida em risco para salvar alguém de uma inundação ou de um incêndio, um rico empresário pode dedicar parte do seu tempo e dinheiro para ações de interesse social, ou um voluntário usa o tempo de seu final de semana para trabalhar num asilo de idosos.

Estas outras visões de mundo foram exploradas por outros filósofos contratualistas, como o inglês John Locke (1632-1704), expoente do liberalismo e contemporâneo de Hobbes. Para Locke, no “estado da natureza” as pessoas coexistem em relativa harmonia, guiadas pela razão e pela tolerância, enxergando-se como iguais e vivendo de forma independente, cuja consequência é a propriedade privada. Os conflitos não são necessariamente a regra, mas podem ocorrer. Para Locke o ser humano não é intrinsecamente bom ou mal, mas ao nascer é uma “tábula rasa”, ou uma folha em branco, desprovida de qualquer conhecimento prévio (apenas habilidades inatas, como usar a razão). As experiências imprimem nas pessoas o conhecimento que guiará as suas ações.

Entretanto, quando no “estado da natureza” a população aumenta e as chances de conflito tornam-se maiores, a ausência de um ente superior neutro capaz de criar leis e julgar os conflitos torna-se um problema. As pessoas aceitam conviver em sociedade e submeter-se a um poder político neutro capaz de resolver as disputas, mediante um contrato social entre homens, e não entre governantes e governados. Para ele, o objetivo da sociedade não é melhorar a situação do homem no “estado da natureza”, mas sim preservá-la, protegendo a vida, a liberdade e a propriedade.

Em todo caso, estas visões diferentes de mundo levam a diferenças fundamentais na abordagem da política partidária pela esquerda e pela direita. A esquerda tem um caráter eminentemente reformista e acredita no uso da política e do Estado como a maneira mais apropriada para melhorar a sociedade, ou seja, a filosofia e a política devem alterar a realidade. Por isso esquerda desenvolve como características na sua prática política uma grande militância e uma forte burocracia partidária. Já a direita enxerga que a melhoria da sociedade se dá pela melhoria da qualidade dos indivíduos, o que é um objetivo essencialmente pessoal e não político; para a direita a política é um meio de garantir a ordem e a liberdade, criando um ambiente benigno no qual as pessoas possam exercitar as suas virtudes; a política não é vista como uma ferramenta para reformar a sociedade ou alterar a natureza do ser humano, ou seja, a filosofia e a política devem refletir a realidade. Por este motivo a direita costuma ser menos militante e politizada quando comparada aos movimentos de esquerda.

1.3 VIRTUDES E VALORES:

A esquerda tem um caráter essencialmente coletivista, enquanto a direita é essencialmente individualista. Mas esta constatação é apenas um guia, pois em algumas esferas da vida social e política um pensamento político de direita pode ter um caráter coletivista e um de esquerda pode ser individualista. Exemplos de pensamentos políticos com esta característica são a social democracia – que é coletivista na esfera econômica, mas individualista na esfera social e moral (e que por isso acolhe bem os movimentos progressistas) – e o conservadorismo – que é individualista na esfera econômica, mas coletivista na esfera social e moral. Estas comparações serão exploradas melhor no capítulo sobre os pensamentos políticos mais importantes.

O individualismo é uma ideia ou visão que enfatiza o valor moral do indivíduo e entende que os objetivos e interesses de cada um devem prevalecer sobre os interesses dos grupos e do Estado. O individualismo – e a direita na maioria dos assuntos – valoriza a diversidade, a independência, a autonomia, a responsabilidade sobre si mesmo e a tolerância aos outros indivíduos; neste contexto, cada um deve se responsabilizar por suas ações e colher o sucesso ou o fracasso de suas decisões. Já o coletivismo é uma ideia ou visão que enfatiza o valor dos grupos e entende que os objetivos e interesses do grupo devem prevalecer sobre os interesses dos indivíduos. O coletivismo– e a esquerda na maioria dos assuntos – valoriza a igualdade, a coesão dos grupos, a obediência e o altruísmo; neste contexto o grupo oferece segurança aos indivíduos em troca de lealdade.

Esquerda: Valoriza os indivíduos altruístas e dispostos a se conformar à coletividade. A sociedade deve oferecer segurança social aos indivíduos, independentemente de sua condição ou ações. Promove a igualdade social, opondo-se a qualquer tipo de desigualdade considerada injustificada, principalmente as desigualdades econômicas. Considera que a sociedade, como um coletivo, deve agir em benefício daqueles que são percebidos como em desvantagem relativa a outros dentro na mesma sociedade.

Direita: Valoriza os indivíduos independentes e responsáveis pelas suas ações. Cada indivíduo deve receber o resultado de suas decisões, positivos ou negativos. Promove a igualdade político-jurídica, que é entendida como suficiente para garantir as mesmas oportunidades aos indivíduos da sociedade; considera a desigualdade social inevitável e natural, advinda da competição entre indivíduos livres. A ajuda às pessoas em necessidade na sociedade deve ser uma decisão dos indivíduos e não uma imposição do Estado ou da coletividade.

Centro: Já a posição política de centro tenta conciliar as duas visões de sociedade. Algumas doutrinas de centro intitulam-se como uma “terceira via” e uma alternativa para os conflitos. Ela promove um equilíbrio entre os graus de igualdade e desigualdade sociais, opondo-se a mudanças políticas significativas para a direita ou para a esquerda.

É importante neste momento enfatizar um conceito abordado anteriormente: o eixo direita-esquerda tem um significado mais estreito do que normalmente se imagina. Este eixo não determina se um governo é autoritário ou liberal, por exemplo. É possível haver governos autoritários tanto na esquerda quanto na direita, da mesma forma que é possível haver sociedades anárquicas (sem Estado) tanto na direita (anarco-capitalismo) quanto na esquerda (anarco-comunismo).

1.4. ECONOMIA:

Atualmente é na esfera econômica que se dá grandes embates entre a esquerda e a direita. Assim como em outras esferas, na economia o foco da discussão é o individualismo e o coletivismo, cujos valores de expressão máximos são a diversidade para o individualismo e a igualdade para o coletivismo, defendidos pela direita e pela esquerda, respectivamente. Estas diferentes visões são traduzidas para o campo econômico pelas seguintes diferenças principais:

Economia - Direita e Esquerda

As características da esquerda são essencialmente coletivistas: meios de produção sob o comando de coletividades (Estado, cooperativas, comunidades), acordos coletivos entre os empresários e a força de trabalho e impostos mais altos para financiar serviços públicos amplos e para distribuir renda. Já as características da direita são essencialmente individualistas: meios de produção sob o comando privado (indivíduos ou empresas), acordos individuais entre empregadores e empregados e impostos mais baixos que deixam mais recursos nas mãos dos indivíduos para eles decidirem sobre o seu uso, porém com serviços públicos menos abrangentes.

Estas características fazem sentido quando analisadas do ponto de vista de suas bases filosóficas, apresentadas anteriormente. Formas econômicas coletivistas funcionam baseadas no entendimento de que os indivíduos são bons, altruístas, dispostos a trabalhar em prol dos interesses da coletividade e a tomar de volta somente o que necessitam. Já formas econômicas individualistas entendem que os indivíduos estão mais preocupados com seus interesses particulares do que com a coletividade e que só se empenharão em atividades cujos frutos sejam garantidamente seus, ou ainda, se for possível o indivíduo usufruirá os resultados do trabalho de outros sem se comprometer a contribuir na mesma proporção.

Assim, é importante entender que não há política econômica comum em qualquer um dos lados do eixo. A esquerda pode adotar políticas econômicas com diversos graus de coletivismo, de economias planificadas a economias mistas, de políticas econômicas estatais a desenvolvimentistas. Enquanto isso a direita pode adotar diferentes graus de políticas econômicas de mercado, desde um liberalismo econômico com a promoção da globalização a até mesmo políticas econômicas desenvolvimentistas com fortes características protecionistas e nacionalistas.


2. OUTROS EIXOS DA POLÍTICA:


A política não está limitada ao eixo esquerda-direita. Existem muitos outros eixos sobre os quais podemos assentar os graus de diferentes posições políticas sobre variados assuntos. A maioria destes eixos é arbitrária e foca apenas em uma questão. Não há eixo ou gráfico que represente todas as posições e questões políticas concomitantemente, pois a variedade e combinações delas são inumeráveis. A seguir estão alguns exemplos de eixos que apresentam algumas questões políticas específicas:

Foco da política: Coletivismo versus Individualismo. A política deve focar na coletividade ou no indivíduo?

Papel da Igreja: Clericalismo versus Anticlericalismo. Qual deve ser o grau de influência das igrejas no Estado?

Política Externa: Intervencionismo versus Não intervencionismo. O Estado deve intervir nos assuntos internos de outros Estados?

Ação Internacional: Multilateralismo versus Unilateralismo. O Estado deve coordenar as suas ações com outros estados ou deve agir isoladamente?

Violência Política: Militância versus Pacifismo. As visões políticas devem ser impostas pela força ou pelo convencimento?

Comércio Exterior: Globalização versus Autarquia. O Estado deve buscar a integração comercial com outros estados ou tentar ser autossuficiente?

Diversidade: Multiculturalismo versus Nacionalismo. A nação deve ser representada por uma diversidade de culturas ou por uma cultura majoritária?

Centro do poder: Totalitarismo versus Pluralismo. O Estado deve controlar todos os aspectos da vida pública e privada, ou deve haver diversos centros de poder e estilos de vida?

Também se pode representar num eixo os graus relativos de tamanho de Estado defendidos por diversas correntes de pensamento político. A extrema esquerda do eixo representa a ausência de Estado, defendido pelo anarquismo, enquanto que o lado direito do eixo representa um Estado que abrange todos os aspectos da vida em sociedade, como nos regimes comunistas.

Tamanho do Estado


3. POLÍTICA E ECONOMIA


3.1. SISTEMAS ECONÔMICOS:

Sistemas Econômicos

Existem atualmente dois sistemas econômicos básicos: o capitalismo e o socialismo. No capitalismo os meios de produção são propriedade privada e operam buscando o lucro, num processo de acumulação de capital. Os investimentos, os preços, a distribuição dos produtos e serviços e os salários são regulados pelo mercado, que pode receber diferentes níveis de intervenção do governo dependendo do tipo de economia.

No socialismo os meios de produção são propriedades coletivas, o que na prática costuma significar a propriedade pelo Estado, mas poderia ser outras formas de organizações coletivas como cooperativas ou comunidades. Os recursos são alocados por algum organismo central que age representando os interesses da coletividade, e os produtos gerados e salários são distribuídos para a sociedade de acordo com algum critério.

A partir destes sistemas econômicos – que em suas formas puras são mais teóricos do que práticos, pois nenhuma economia do mundo foi totalmente socialista ou capitalista – podem-se formar três grandes tipos de economias: economias de mercado, economias planificadas e economias mistas. Cada uma delas incorpora diferentes graus das características do capitalismo e do socialismo.

Nas economias de mercado as decisões sobre investimento, produção e distribuição são baseadas na produção e demanda, e os preços são livremente definidos pelo mercado. As pessoas possuem negócios e propriedades, cujos direitos são protegidos pelo Estado. Neste sistema o Estado deve intervir pouco ou nada na economia e geralmente (mas não necessariamente) oferece poucos serviços públicos, ou seja, as pessoas pagam menos impostos, mas os serviços que o Estado não oferece devem ser buscados na iniciativa privada. As contrapartidas são impostos baixos, pouca regulação e poucas barreiras para entrar nos mercados. Estas economias são essencialmente capitalistas, mas podem ser implantadas em diferentes modelos.

  • Exemplos de modelos econômicos: capitalismo de mercado, capitalismo anglo-saxão, capitalismo dos tigres asiáticos.
  • Exemplos de países com este tipo de economia: Estados Unidos, Austrália, Hong Kong, Singapura, Suíça.

Nas economias planificadas as decisões sobre produção e investimento são gerenciadas por uma autoridade central, geralmente um órgão do Estado. Os agentes econômicos são em sua maioria estatais, embora possa haver certa liberdade em alguns setores, como o comércio varejista. A vantagem deste sistema é poder focalizar todos os recursos do país em alguns objetivos em detrimento de outros, o que pode alavancar grande crescimento econômico em curto prazo. Os resultados da produção são distribuídos mais ou menos igualmente entre todos, diminuindo as desigualdades sociais. Entretanto, o crescimento em longo prazo, a inovação, a qualidade dos produtos, o crescimento da oferta e a livre iniciativa sofrem enormemente neste sistema, o que levou a uma derrocada deste modelo em vários países. Estas economias são essencialmente socialistas; porém deve-se notar que teoricamente podem existir economias socialistas que não são planificadas; socialismo e economia planificada não são sinônimos.

  • Exemplo de modelo econômico: socialismo estatal.
  • Exemplos de países com este tipo de economia: antiga URSS, Cuba, Coréia do Norte.

Nas economias mistas tanto o setor privado quanto o estatal têm gerência sobre a economia, criando um modelo com características de livre mercado e economia planificada. O Estado possui empresas estatais que visam obter lucro e atuam nos moldes de uma economia de mercado; por vezes as empresas estatais são protegidas por monopólios ou reservas de mercado. O Estado também decide quais setores da economia devem ser incentivados, e para isso usa políticas econômicas e fiscais para favorecê-los num processo chamado de dirigismo. Normalmente as economias mistas são acompanhadas por um Estado de bem-estar social que oferece diversos serviços à população ao custo de impostos mais pesados. Estas economias têm caraterísticas capitalistas e socialistas, e podem ser implantadas em diferentes modelos.

  • Exemplos de modelos econômicos: capitalismo estatal, modelo nórdico, capitalismo do Reno.
  • Exemplos de países com este tipo de economia: Brasil, França, Noruega, Suécia, China, Rússia.

Note que em cada sistema definido acima existem variações e graduações no mundo real. E entre eles não há um que seja considerado definitivamente o melhor; se assim o fosse não seria necessário debater esta questão na política. Com a exceção das economias planificadas que demonstraram resultados insatisfatórios no longo prazo, os outros sistemas econômicos têm exemplos bem-sucedidos de países desenvolvidos e com ótima qualidade de vida, como a Suécia e a Austrália, ou a França e a Suíça. Também se pode fazer um contraponto entre dois países com sistemas políticos e econômicos quase opostos, mas que conseguem entregar bons níveis de crescimento econômico: os Estados Unidos e a China. Não há sistema perfeito, mas sim o mais adequado a cada país.


4. VALORES POLÍTICOS


Os valores políticos são importantes guias para a política. Dificilmente uma decisão governamental ou uma política pública são escolhas óbvias, somente com vantagens, dentro de um leque de opções claras. Grande parte da prática política é fazer o possível, e isto significa optar por caminhos menos que perfeitos e abrir mão de algo para atingir algum objetivo. Então o desafio passa a ser escolher qual o caminho a seguir, qual é o objetivo a ser atingido e o que estamos dispostos a abrir mão. Nestes momentos os valores políticos são guias fundamentais para orientar as escolhas que refletem o caráter da sociedade.

De todos os valores políticos os mais debatidos são a liberdade, a igualdade e a ordem. Mas ao contrário do que muitos pensam, estes valores não competem entre si e não são mutuamente excludentes: é perfeitamente possível haver uma sociedade com bons níveis de liberdade, igualdade e ordem, e os países escandinavos estão aí para provar, entre poucos outros. No entanto, é verdade que decisões tomadas para favorecer um valor podem prejudicar outro, como, por exemplo, medidas para aumentar a ordem e a segurança podem restringir a liberdade, enquanto que medidas para aumentar a igualdade também podem prejudicar liberdade, e vice-versa. Estes conflitos serão abordados mais à frente, quando serão discutidos os dilemas políticos.

Várias questões polêmicas podem ser avaliadas pela óptica dos valores políticos: a liberalização das drogas (liberdade de ação versus ordem para a saúde pública), a internação forçada de dependentes químicos (liberdade do individuo versus ordem para proteger um cidadão que não tem mais capacidade de decisão), a legalização da eutanásia (liberdade de ação versus ordem para a proteção à vida), facilitação para posse e porte de armas de fogo (liberdade de ação e autodefesa versus ordem para a segurança pública), programas sociais (liberdade econômica versus igualdade social), aumento da vigilância e inteligência de forças de segurança (liberdade e privacidade versus ordem para a segurança pública), legalização do aborto (liberdade de escolha versus ordem para a proteção à vida), e assim por diante.

4.1. ORDEM:

Manter a ordem é o objetivo principal e o propósito mais antigo do governo. A preservação da ordem pode adquirir vários aspectos, mas o mais óbvio deles é o cumprimento da lei, a manutenção da paz, a proteção à vida, à propriedade e à liberdade, tanto de ameaças internas quanto externas. Quando um governo é incapaz de manter a ordem a sociedade torna-se vulnerável ao medo e à incerteza sobre o futuro; neste contexto muitos governos autoritários subiram ao poder com a promessa de restabelecer a ordem, para eles mesmos tornarem-se a ordem política vigente.

4.2. LIBERDADE:

O Estado como defensor das liberdades individuais é um fato relativamente recente na história da humanidade. Somente com o desenvolvimento da doutrina do liberalismo no século XVIII é que a defesa das liberdades ganhou impulso, contrapondo as monarquias absolutistas na Europa.

A liberdade no sentido de “liberty” tem um sentido mais político e denota a liberdade de ação outorgada por um agente de controle externo, como o Estado, em que o indivíduo pode agir como bem entender e escolher o que quiser dentro de limites em algumas esferas, traduzindo-se aproximadamente como “liberdade para”. É o que ocorre com a liberdade para se expressar, a liberdade para praticar a religião, a liberdade para atividades econômicas ou a liberdade para a locomoção, que garantem liberdade aos indivíduos nestas esferas, mas dentro de limites. É como no caso da liberdade de expressão, que se pode exercer sem caluniar, difamar ou incitar crimes, ou a liberdade religiosa sem aproveitá-la para justificar crimes, ou a liberdade econômica sem enganar ou cometer estelionatos.

4.3. IGUALDADE:

A igualdade jurídica foi a primeira forma de igualdade a ser promovida pelo Estado moderno e está no cerne da doutrina liberalista: todos devem ser iguais perante a lei.

Esta é uma concepção formal da igualdade, pois está escrito na Constituição que todos são iguais perante a lei, mas não há como o Estado garantir que fatores externos prejudiquem esta igualdade, como quando pessoas com elevado poder econômico, político ou social conseguem vantagens do Estado em detrimento do resto da sociedade.

Já a igualdade política foi conseguida até a primeira metade do século XX, quando os países de democracias liberais aprovaram o voto para as mulheres, os analfabetos e os pobres e suspenderam barreiras de propriedade e renda para que alguém pudesse concorrer a um cargo eletivo. Além disso, ficou consagrado que cada eleitor tem direito a um voto e que todos os votos têm o mesmo valor, independentemente da renda ou do nível de educação do eleitor. Novamente, esta é uma concepção formal da igualdade, e não há como o Estado impedir que as pessoas usem suas conexões pessoais, status social ou riqueza para ter mais influência política do que outras pessoas.

A promoção da igualdade social – que significa igualdade em riqueza, educação e status – é um tema mais controverso. Muitos até questionam se é uma tarefa legítima do Estado promover a igualdade social e se os custos decorrentes desta tarefa devem ser compartilhados por toda a sociedade. Os gastos governamentais para programas sociais são muito mais questionados do que outras despesas, não somente pelo custo deles, mas muito mais por motivações de princípios, pois a questão chave em pauta é o papel do Estado na redistribuição de riqueza dos mais ricos para os mais pobres. A promoção da igualdade em muitos países já é uma realidade de muitas décadas e os governos europeus foram os pioneiros em criar extensos programas para ajudar os mais pobres, o que acabou consolidando-se no “Estado de bem-estar social”.

A diferença fundamental entre as igualdades jurídicas e políticas e a promoção da igualdade social é que esta última não pode ser meramente formal ou procedimental, ela deve ser substancial. Para esta igualdade, não basta uma lei decretando que todos são iguais, mas é preciso alguma ação do Estado no sentido de garantir que as pessoas efetivamente sejam iguais. Para este propósito podem-se verificar dois caminhos para a promoção da igualdade social: a igualdade de oportunidades e a igualdade de resultados.

A igualdade de oportunidades é a ideia de que cada pessoa deve ter as mesmas chances de ser bem sucedida. Assim, entende-se que se as pessoas não têm privilégios de nascimento (como títulos de nobreza), se não são exigidas propriedades ou renda para votar ou se eleger a um cargo eletivo ou para ocupar um cargo no governo e se as escolas e bibliotecas públicas atendem a todos com a mesma qualidade, então as condições para a igualdade de oportunidades estariam atendidas. Neste caso não há problema se as pessoas conseguem resultados diferentes, pois as condições iniciais foram similares e os resultados diferentes são mero reflexo dos talentos e dedicações individuais. No entanto, é interessante diferenciar a igualdade de oportunidades da igualdade em conseguir aproveitar as oportunidades, pois na prática, mesmo que uma sociedade ofereça oportunidades iguais a todos, a capacidade individual em conseguir aproveitá-las pode ser impactada pela estrutura familiar, condições de saúde, eventos fortuitos e outros fatores alheios às condições providas pela sociedade.

Já a igualdade de resultados é a ideia de que a sociedade deve garantir que as pessoas sejam iguais, e o governo deve promover políticas públicas que redistribuam a riqueza e igualem as condições sociais para que a igualdade seja atingida. Por esta ideia entende-se que o governo deve ativamente promover a igualdade material por meio de políticas públicas e leis que atenuem os fatores externos que prejudicam alguns segmentos da sociedade, como as discriminações de origem social, racial, de gênero, de origem nacional, de qualidade da educação recebida, entre outros. Alguns exemplos de políticas públicas neste sentido são as de ações afirmativas, como cotas nas universidades públicas ou para a contratação de funcionários públicos. O governo também pode, por meio de leis, incentivar o setor privado a contratar pessoas de diferentes gêneros e raças ou de pessoas portadoras de necessidades especiais, ou, ainda, que obriguem ao pagamento do mesmo salário para homens e mulheres que executam trabalhos iguais.

#NÃOÉBEMASSIM: É importante não confundir a igualdade com a equidade. Equidade é um conceito jurídico que defende tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam, visando atingir uma igualdade jurídica em que ambas as partes tenham as mesmas chances perante um tribunal. O exemplo mais conhecido de legislação que promove a equidade é o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Não há um código de defesa das empresas justamente porque nos litígios entre consumidores e empresas são os consumidores que geralmente estão em desvantagem por fatores externos ao processo jurídico. Se um cliente compra um carro novo defeituoso de uma empresa automobilística e é obrigado a recorrer à justiça para ser ressarcido, quem estará em vantagem? O consumidor e seu advogado ou a empresa automobilística com o seu poder econômico e com um setor jurídico inteiro à sua disposição? O CDC permite que o consumidor tenha a seu favor leis que garantam uma maior segurança jurídica ao comprar produtos.#

4.4. DILEMAS:

O dilema original, que existe desde que os governos foram criados, contrapõe o valor da ordem com a liberdade. Para que um governo mantenha a ordem é necessário certo nível de controle e o cidadão precisa abrir mão de um pouco de sua liberdade. O dilema neste caso é quanto uma sociedade está disposta a abrir mão de suas liberdades individuais em prol da ordem, ou, por outro lado, se um excesso de liberdade individual poderia afetar a ordem da coletividade, uma vez que esta exigirá dos indivíduos um maior autocontrole e uma aceitação voluntária das leis e regras.

Já o dilema moderno é aquele que contrapõe a igualdade e a liberdade. Muitos acreditam que liberdade e igualdade são mutuamente excludentes, pois sempre que houver liberdade, as pessoas naturalmente se diferenciarão. Outros acreditam que a igualdade é necessária para que haja uma verdadeira liberdade. Na prática, a igualdade e a liberdade são temas transversais, ou seja, não são mutuamente excludentes, mas é bastante comum que a promoção de um destes valores acabe causando um conflito com o outro.

Pensamentos e Valores

Os libertários acreditam que a liberdade é um fim político em si mesmo, então valorizam mais a liberdade do que qualquer outro valor e por isso estão no quadrado inferior esquerdo. Já a social democracia valoriza tanto a liberdade quanto a igualdade e encontra-se no canto superior esquerdo. O comunismo valoriza a igualdade e a ordem e está no canto superior direito. Enquanto isso, o conservadorismo valoriza a liberdade e a ordem e está no canto inferior direito.

Os seguidores de cada pensamento político serão a favor ou se oporão às interferências do governo na sociedade de acordo com os seus valores. Um conservador, por exemplo, se opõe à interferência não justificada do governo na economia, mas é a favor de ações do governo para manter a ordem social e as tradições; um social democrata é a favor da interferência do governo na economia, mas é contra ações do governo na esfera social como a moral e os costumes. Já um libertário tende a ser avesso a qualquer interferência do governo, enquanto que os comunistas acreditam que o Estado deve ser o centro das mudanças econômicas, sociais e culturais.


5. PRINCIPAIS CORRENTES DE PENSAMENTO POLÍTICO


5.1. INDIVIDUALISMO E COLETIVISMO:

Boa parte das diferenças de opinião entre os pensamentos políticos se dá pelo conflito entre o individualismo e o coletivismo em diversos aspectos da vida em sociedade, especialmente nas questões econômicas, morais e sociais. Estes pensamentos políticos podem ser classificados como individualistas e coletivistas como na tabela a seguir – o comunismo foi incluído para completar as possibilidades da tabela.

Pensamentos Políicos

O individualismo é uma ideia ou visão que enfatiza o valor moral do individuo e entende que os objetivos e interesses de cada um devem prevalecer sobre os interesses dos grupos e do Estado. O individualismo valoriza a independência, a autonomia, a responsabilidade sobre si mesmo e a tolerância aos outros indivíduos; neste contexto, cada um deve se responsabilizar por suas ações e colher o sucesso ou o fracasso de suas decisões. Já o coletivismo é uma ideia ou visão que enfatiza o valor dos grupos e entende que seus objetivos e interesses devem prevalecer sobre os interesses dos indivíduos. O coletivismo valoriza a coesão dos grupos, a obediência, o altruísmo e o respeito à hierarquia; neste contexto, o grupo oferece segurança aos indivíduos em troca de lealdade.#

Os motivos destes individualismos e coletivismos em cada pensamento político serão clarificados a seguir. Por enquanto é importante entender que este debate sobre individualismo e coletivismo se resume a uma das questões fundamentais da política: Qual o papel do Estado na sociedade? Desde que existe política e governo – da antiguidade aos dias de hoje -, esta é uma das questões políticas fundamentais e é a origem das desavenças mais infindáveis da história: os pensamentos políticos mudam de nome, mas algumas questões fundamentais mantêm a sua essência.

Afinal, qual o papel do Estado na sociedade? Qual deve ser o seu tamanho? Quais devem ser os limites do seu poder? Quais são os seus deveres? Quais valores deve promover? Quem deve dirigi-lo? As principais discussões políticas têm em sua essência estas questões, que no fundo é o que é discutido quando nos perguntamos: Quanto de imposto deve-se cobrar? Quantos funcionários públicos deve haver? Quais serviços públicos devem ser oferecidos? Quais ações o Estado pode obrigar um cidadão a realizar? As respostas a estas questões serão diferentes se elaboradas de um ponto de vista individualista ou coletivista, e cada pensamento político sugere um conjunto de respostas. Vejamos algumas delas.

5.2. LIBERALISMO POLÍTICO:

O liberalismo político é baseado no liberalismo clássico, que é uma doutrina que defende que os poderes do Estado devem ser limitados pela lei e que todos os homens são criados livres e iguais, todos têm direito à vida, à liberdade e à propriedade. Ela surgiu no século XVII na Europa para contrapor o absolutismo da época e a ordem social estabelecida desde a Idade Média, pela qual o rei tinha o direito divino de governar com amplos poderes e a sociedade era dividida rigidamente em classes. Desde então vários conflitos entre liberais e absolutistas ocorreram na Europa com o objetivo de limitar o poder do soberano, quase sempre por meio de uma Constituição ou uma Carta de Direitos. Os movimentos liberais também foram importantes para fundação dos países americanos após as suas independências, tendo tido uma forte influência na fundação dos Estados Unidos. O filósofo mais conhecido do liberalismo é o inglês John Locke (1632 – 1704).

Direitos tidos como garantidos pelos cidadãos de democracias modernas, como possuir propriedade, não ser preso sem motivo ou não pagar impostos que não estão previstos em lei, são o fruto de séculos de lutas políticas para limitar o poder do Estado e dos seus governantes. É esta a base política em que se assentam as correntes de pensamento político modernas mais importantes, como o conservadorismo, a social democracia e o libertarianismo.

No contexto econômico, o liberalismo político é compatível com o sistema econômico capitalista, que é essencialmente individualista e depende da defesa da propriedade privada. O liberalismo político e o liberalismo econômico (que foi tratado no capítulo 3) são como as duas faces de uma mesma moeda. Mas, enquanto o liberalismo político é amplamente aceito nas sociedades democráticas modernas onde a defesa das liberdades individuais é consenso, o liberalismo econômico é o foco de muitos debates que estão no centro das questões políticas atuais.

5.4. CONSERVADORISMO:

O conservadorismo é um pensamento político que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais – como a família, a comunidade local e a religião -, além dos usos, costumes, tradições e convenções. O conservadorismo enfatiza a continuidade e a estabilidade das instituições, opondo-se a qualquer tipo de movimentos revolucionários e políticas progressistas. Mas é importante entender que o conservadorismo não é um conjunto de ideias políticas bem definidas, pois os valores conservadores variam enormemente de acordo com os lugares e com o tempo; por exemplo, conservadores chineses, indianos, russos, africanos, latino-americanos e europeus podem defender conjuntos de ideias e valores bastante diferentes, mas que estão sempre de acordo as tradições de suas respectivas sociedades.

O conservadorismo tem como seus principais valores a liberdade e a ordem, especialmente a liberdade política e econômica e a ordem social e moral. O conservador acredita que há uma ordem moral duradoura e transcendente, que no caso do conservadorismo ocidental é baseada na doutrina cristã e tem na religião a sua base na comunidade. O conservadorismo valoriza a diversidade típica do individualismo e rejeita a igualdade como um objetivo da política. O conservador, assim como o libertário, entende que a igualdade político-jurídica é suficiente para garantir a igualdade necessária entre as pessoas e qualquer desigualdade material ou de resultado é consequência inevitável das diferenças naturais entre os indivíduos, de seus esforços e de suas decisões.

Na esfera da política o conservador procura preservar as instituições políticas e sociais que se desenvolveram ao longo do tempo e são o fruto dos usos, costumes e tradições. O conservadorismo entende que as mudanças e o progresso são necessários para manter uma sociedade saudável, mas estas mudanças devem ser cautelosas e graduais. Assim, a política do conservador é a política da prudência, sempre preferindo manter e melhorar as instituições estáveis e testadas do que tentar rupturas para implantar modelos de sociedade e instituições advindas da razão humana. Esta postura coloca o pensamento conservador em conflito com ideologias essencialmente reformistas, que almejam criar uma sociedade “perfeita” pelo uso da política; para o conservador a política é a “arte do possível” e não um meio para se chegar a uma sociedade utópica.

Nas esferas sociais e morais o conservadorismo defende a manutenção dos usos, costumes e convenções, além de uma estrutura social e hierárquica tradicional. Na cultura o conservadorismo valoriza as manifestações locais e uma identidade nacional. Nestas esferas os conservadores são coletivistas, pois entendem que toda a comunidade deve adotar certos padrões de comportamento e certos valores para garantir uma coesão social e a identificação dos indivíduos com a comunidade.

Enquanto isso em aparente contradição, o conservadorismo defende o individualismo na esfera econômica. A defesa da propriedade privada também é vista como uma questão intimamente ligada à liberdade, pois não é possível ser livre se os meios de sobrevivência de um individuo estão nas mãos de outros, dos quais acaba se tornando dependente.

Entretanto, a defesa de uma economia de livre mercado não é assunto de consenso entre os conservadores de vários países do mundo, inclusive os brasileiros. Mesmo os conservadores que defendem a globalização e a abertura dos mercados ao capital internacional tentam manter esta integração somente no âmbito econômico e financeiro, protegendo a cultura e a identidade nacionais de influências externas. Mas como o conservadorismo costuma ter fortes traços de nacionalismo, as ideias econômicas acabam sendo influenciadas e, assim, boa parte dos conservadores nacionais prefere políticas econômicas desenvolvimentistas, nacionalistas e protecionistas. Este fato não impediu que os políticos conservadores sejam até hoje chamados de neoliberais no contexto da América Latina, o que não é uma designação correta na maioria dos casos visto que muitos conservadores advogam políticas intervencionistas no âmbito econômico.

Críticas ao conservadorismo:

A crítica mais comum ao conservadorismo é a sua ideia de que toda a sociedade deve acatar um código moral e uma estrutura social tradicionais, o que é uma visão conflituosa com as ideias progressistas. Para os seus críticos, é uma contradição o conservadorismo defender indivíduos autônomos na esfera econômica enquanto defende o coletivismo e aceitação de padrões na esfera social e moral.

Neste contexto, outra crítica comum ao conservadorismo é a rejeição ao multiculturalismo e ao cosmopolismo cultural comum nos grandes centros urbanos. Para o conservador, uma cultura local ou nacional compartilhada por todos os membros da sociedade é uma condição necessária para criar coesão social e um espírito de comunidade.

5.5. LIBERTARIANISMO:

O libertarianismo é uma ideologia política que tem a liberdade como o seu principal valor e como o seu objetivo político. Para os libertários o objetivo da política deve ser maximizar a autonomia e a liberdade de escolha, não sendo função do Estado promover a ordem ou a igualdade. Os libertários tentam minimizar a legitimidade de qualquer instituição que tenha algum poder coercitivo sobre as pessoas e limitem o julgamento individual.

O libertarianismo é como um liberalismo radical ou “turbinado”, mas que – diferentemente da anarquia – ainda reconhece a necessidade da existência de um Estado para exercer um mínimo de funções, como estabelecer e executar um conjunto mínimo de leis, proteger a vida e a propriedade. Como exemplo, os libertários aceitam a ideia de o Estado impor regras de trânsito, mas não aceitam leis impondo o uso de cintos de segurança ou de capacetes. Neste contexto o libertarianismo acolhe bem a ideia da minarquia, ou seja, do Estado mínimo.

No entanto é importante entender que o libertarianismo – assim como a anarquia – é uma ideologia que existe tanto na direita quanto na esquerda e o termo “libertarianismo” acaba sendo usado como uma expressão guarda-chuva para inúmeras filosofias políticas. Os libertários da esquerda tentam associar de diversas formas o socialismo com os ideais de liberdade e de abolição de instituições autoritárias, enquanto os libertários de direita advogam o livre mercado e a associação voluntária de indivíduos. Na prática o libertarianismo de direita, defensor do capitalismo “laissez-faire”, é o mais presente no discurso político e aquele que tem mais seguidores, especialmente nos Estados Unidos da América onde se desenvolveu com bastante força no século XX. É este o libertarianismo que será abordado daqui para frente.


REFERÊNCIAS

Mattos, Alessandro Nicoli de. “O Livro Urgente da Política Brasileira”. 3ª Edição – Dez/2017. Este livro está disponível gratuitamente em: http://www.politize.com.br/

 

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