I CHING, PRÉ-DESTINAÇÃO E O LIVRE ARBÍTRIO


O I CHING E A PRÉDESTINAÇÃO, O LIVRE ARBÍTRIO, AS DUAS COISAS OU
NENHUMA DELAS?!
  
por Ubirajara T. Schier

O estudo do I
CHING despertou em mim uma necessidade de reavaliar meu ponto de vista em
relação ao tema. Em SCHIER (2008) escrevi meu primeiro artigo sobre o tema,
onde fiz uso de uma analogia com o iceberg para explorar até que ponto somos
realmente criadores ou (co-criadores) do nosso próprio destino. Havia concluído
em minhas análises que uma maneira de entender melhor nossa existência seria associando
a parte emersa do iceberg ao nosso consciente; a parte submersa ao nosso
inconsciente pessoal e, o oceano no qual o iceberg flutua, ao inconsciente
coletivo. O processo existencial consistiria em um ciclo, onde podemos agir com
livre-arbítrio dentro dos limites pessoais, mas de uma maneira geral ainda submetidos
à ordem do inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo por sua vez, se
modificaria durante o processo de derretimento e formação de novos icebergs.
Nestes termos, a contribuição da existência individual pode ser comparada à
metáfora em que retrata o esforço que um beija-flor faz ao tentar apagar um
incêndio na floresta. Para muitas de nossas ações podemos perceber a relação de
causa-efeito ainda durante nossa existência, trazendo à luz da consciência a
responsabilidade de nossos atos, porém, muita coisa ainda permanecerá à sombra
do inconsciente onde os efeitos poderão ser percebidos não nesta, mas nas
existências posteriores. As conclusões as quais eu cheguei não me animaram
muito, pois não traziam respostas quanto à dúvida que permeia nossa existência:
do conflito existente entre a direção que queremos que o iceberg vá e a direção
que ele efetivamente segue conforme as correntes marítimas ditadas pelo
inconsciente coletivo. Se o caminho para a eliminação do conflito seja o de
aceitar a direção ao qual estamos submetidos, como podemos saber quando estamos
seguindo à corrente do inconsciente coletivo ou à corrente determinada por
nossa própria vontade? Ambas as direções nos conduzem através de um mesmo
oceano, que por vezes se apresenta calmo e sem ondas e por vezes agitado com
ondas enormes. Se uma saída para eliminação do conflito é a aceitação da
direção à qual estamos submetidos, como saber quando estamos nela para que
possamos aceitá-la? Por mais turbulento que seja o oceano, ficaríamos mais
tranqüilos se ao menos soubéssemos se a direção está correta. O que ocorre
então é que, sem uma bússola, podemos estar navegando em qualquer direção, e é
esse o sentimento que me parece existir em todos nós. Se este for o caso,
estamos partindo da aceitação do pressuposto da predestinação para negação do
pressuposto do livre-arbítrio? Seria este mesmo o caminho? Não há nada que
possamos fazer? Minha conexão com o TAO e o I CHING possibilitou-me refletir novamente
sobre estas perguntas e submetê-las a um novo olhar que permita a construção de
uma nova compreensão de nossa realidade existencial, resultando assim, em
respostas mais satisfatórias a essas perguntas. Para isso, a construção de uma
nova metáfora se fará necessária.
O I CHING
trouxe-me um novo olhar bastante interessante. Segundo Wilhelm (2006), a forma
de consultar ao I CHING assemelha-se ao experimento físico da fenda dupla: o
resultado do experimento (ou da consulta no caso do I CHING) depende do
observador. Este é o primeiro ponto a ser ressaltado. Se antes estávamos na
busca de uma bússola com a qual poderíamos nos orientar, de que forma o I
CHING, cuja orientação depende também de quem está consultando? Isso seria o
mesmo que dizer que a direção que uma bússola vai apontar depende de quem a
está segurando. Desta forma, como poderia o I CHING nos servir como um instrumento
de orientação e sabedoria no qual poderíamos nos guiar?
O I CHING, ou
Livro das Mutações, também faz uma distinção entre 3 diferentes tipos de
mutação: a não-mutação, a mutação cíclica e a mutação não recorrente. Segundo Wilhelm
(2006):
“Muda
constantemente a natureza, porém sempre ao longo das mesmas estações. Nunca as
mesmas flores, mas sempre primavera. Os fenômenos são incontáveis e distintos
uns dos outros, porém regidos, em suas tendências de mudança, pelos mesmos e constantes
princípios.”
“O
imutável (não-mutação) é, por assim dizer, o fundo indispensável sobre o qual a
mutação torna-se possível. Toda mutação supõe um ponto constante que lhe sirva
de referencial. Sem isso não poderá haver uma ordem definida e tudo se dissolveria
num movimento caótico. Esse ponto de referência precisa ser estabelecido, o que
exige em cada ocasião uma opção e decisão. Ele instaura um sistema de
coordenadas no qual tudo o mais pode ser encaixado.”
Conclui-se,
portanto, que o Livro das Mutações parte do princípio de que todas as mutações
são regidas por princípios imutáveis e que o entendimento destes princípios
imutáveis é que permite, conseqüentemente, o entendimento de como as mutações e
os fenômenos ocorrem. Segundo o I CHING, são os princípios imutáveis que
determinam um sistema de coordenadas sobre o qual todas as mutações ocorrem. Constituiria
estes princípios Imutáveis nossa bússola com a qual poderíamos nos orientar? A
princípio parece-nos que sim, mas de que forma podemos entendê-la se ao mesmo
tempo tudo está constantemente mudando? Se as flores não serão as mesmas na
próxima primavera, no que consiste este referencial composto por estes
princípios imutáveis?
Essa
compreensão do I CHING levou-me a refletir quanto à metáfora do iceberg que
utilizei em SCHIER (2008): no meu entendimento, as Leis Imutáveis do I CHING transcenderiam
o próprio inconsciente coletivo e poderíamos assim fazer uma analogia com a
água e suas propriedades que, independente se estas formam icebergs ou oceanos,
apresentam sempre as mesmas propriedades físico-químicas. Pode-se dizer assim que
a água, na metáfora do iceberg, representa as Leis Imutáveis do I CHING. Se
antes estávamos esperando que o I CHING nos fornecesse uma bússola que ao menos
nos fizesse entender as direções para as quais somos arrastados pelo
inconsciente coletivo (as correntes marítimas dos oceanos), o I CHING nos
responde explicando o que é a água, como ela se comporta, o que acontece quando
ela muda de estado físico, etc. Em outras palavras, pode-se dizer que o I CHING
nos orienta quanto ao que é a água e de que forma ela sofre suas mutações.
Assim,
percebo que, para entendermos melhor o I CHING, será necessário fazer uso de
uma nova metáfora. Podemos imaginar o I CHING como guia para aqueles que se
aventuram em entrar em uma floresta fechada, selvagem, ainda intocada pelo
homem. Temos a intenção de chegar a algum lugar, procuramos por algo, mas
estamos nesta floresta fechada sem mapa e sem bússola. Nesta situação, o I
CHING também não irá nos orientar quanto à direção que devemos seguir para
chegar onde queremos. O I CHING nos orienta em termos da conduta adequada para
adentrarmos a floresta, a trilharmos nosso próprio caminho. Como tudo está em
mutação, o conceito de destino torna-se irrelevante. Ele se torna algo
transitório. Ou seja, se estamos procuramos uma bússola que nos indique a
direção para se chegar a algum lugar, esse “chegar a algum lugar” torna-se irrelevante,
pois é transitório. Para o I CHING, não importa onde nossa trilha vai dar. O
que importa realmente é o como estamos trilhando. O “como trilhar”, cada passo
dado, torna-se o destino. O importante não é aonde chegaremos, pois isso, além
de transitório, depende das decisões que tomadas ao trilharmos nosso caminho. Pode
ser que nos leve onde queremos, pode ser que não. E ainda assim, quando
chegarmos onde queremos, nos perguntaremos em seguida: “ok, e agora? para
onde?”. O destino, a chegada é, portanto transitória. O I CHING nos orienta e
nos dá sabedoria quanto à conduta adequada que devemos seguir para trilhar
nosso caminho. Não com o propósito de se chegar a algum lugar, mas com o
propósito do caminho em si. O objetivo deixa de ser o ponto de chegada e passa
a ser o caminho. Quando o caminho se torna o objetivo, a preocupação com o
ponto de chegada torna-se irrelevante. Em outros termos, você já tem agora o
que esperava alcançar.
Sob esse novo
olhar, o que era para esclarecer torna ainda mais confuso. Afinal de contas,
estamos falando de pré-destinação, livre arbítrio, as duas coisas ou nenhuma
delas? Se antes buscávamos uma bússola que nos orientasse a fim de ao menos
sabermos em que direção estávamos sendo arrastados pelas correntes do
inconsciente coletivo e que, muito pouco perceberíamos a influência de nossa
existência (consciência e consciente coletivo) sobre elas, estávamos assumindo
de certa forma a existência de uma pré-destinação e, ao mesmo tempo, nosso
livre arbítrio em reconhecê-la e aceitá-la. O I CHING ensinou-me que a
pré-destinação não está relacionada ao destino e sim como caminho. Diria que
todos nós estamos pré-destinados a vencer nossos medos e entrar floresta
adentro, mas é de nosso livre arbítrio optar por caminhos já trilhados e seguir
regras estabelecidas. O caminho novo é novo. Você encontrará rosas e espinhos.
O caminho onde muitos já passaram, possivelmente haverá menos espinhos, mas, ao
mesmo tempo, também menos rosas. O I CHING é, portanto, a sabedoria que nos
permite enxergar melhor e entender o trilhar do nosso próprio caminho.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
SCHIER,
Ubirajara Theodoro. Seria o ser humano um eterno iceberg? Montenegro
(RS), 2008. 21p. ISSN 1646-6977.
WILHELM, Richard.
I Ching: O Livro das Mutações. (A. Mutzenbecher, Trad.) São Paulo (SP):
Pensamento, 2006. 

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