A formulação da pergunta



O I Ching não é apenas um oráculo. Ele é também um oráculo. E essa sua faceta é, inclusive, quase irrelevante se confrontada com a riqueza da sabedoria contida nos Kua (hexagramas). O uso oracular do livro corresponde apenas a uma fase, digamos, primária, quando ainda sabemos aplicar por nós mesmos, às nossas vidas, os princípios desvelados pelas figuras lineares, por não conseguirmos enxergar as correspondências existentes entre os hexagramas e os fenômenos.


A formulação da pergunta tem um papel decisivo no êxito ou no fracasso da consulta (no sentido da compreensão ou não da resposta obtida). O oráculo, segundo a tradição chinesa, nunca falha. Suas respostas são sempre claras e precisas; porém nosso entendimento é, muitas vezes, turvo e confuso. O oráculo sempre mostra o que é; nós, entretanto, muitas vezes não conseguimos ver o que ele nos mostra, pois não queremos ou não sabemos ver. Todas as barreiras e obstáculos à compreensão da resposta estão em nós e não no oráculo.


A primeira grande dificuldade que enfrentamos é saber com clareza e precisão o que buscamos. Só quem sabe o que procura pode encontrar. Na formulação da pergunta, explicitamos para nós mesmos o que estamos procurando. A pergunta incorretamente formulada revela uma imperfeita imcompreensão do que procuramos saber, o que, por si só, já dificulta ou mesmo impossibilita que o reconheçamos.


Mas o que é a pergunta correta? Ela se caracteriza por sua intenção e por sua forma. A intenção correta consiste na adequação ao propósito e finalidade do próprio oráculo, ou seja, auxiliar o homem na busca da verdade, na busca de si mesmo, já que é em si que ele há de encontrá-la. A consulta oracular, no sentido exato da compreensão, não é outra coisa senão a busca do que é, na transcendência do que parece ser.


O oráculo não é uma máquina de informações, mas um ser vivo, que encerra suprema sabedoria e compaixão. Aproximarmo-nos dele requer humildade, sinceridade e ardor. Só sabiamente caminhando se pode chegar à sabedoria. Ela é seu próprio requisito. É a sabedoria que conduz à sabedoria.

I Ching, O Livro das Mutações
Richard Willhelm

3 Comments on "A formulação da pergunta"

  1. Seu blog é mto bom e esclarecedor. Gostaria de saber se vc pode me ajudar com minha última consulta: o hexagrama 44.
    Estou num período de decisão importante, e na busca de um pouco de luz pedi orientação ao oráculo para as próximas semanas e recebi este hexagrama como resposta. Será q vc pode me ajudar a interpretá-lo?

  2. Olá,

    Estive estudando o hexagrama 44, "Encontro", segundo a interpretação de Alfred Huang. É importante também considerar o hexagrama que o precede, o hexagrama 43, "Eliminação".

    Minha interpretação é a de que tudo são ciclos e quando as coisas atingem seu pico é natural um ruptura e um recomeço. Acredito que de alguma forma uma "ruptura" tenha ocorrido e que o levou à este estado de dúvida quanto à decisão de continuar ou desbravar novos caminhos.

    O hexagrama 44 trata-se do Encontro. Depois de uma ruptura as coisas já não são como eram antes. Uma mudança aconteceu e as circunstâncias agora são diferentes. Assim, o Encontro vêm no sentido de buscar um novo entendimento no novo cenário, o ato de conciliar. Entretanto o I Ching alerta para eliminar ou não deixar vestígios daquilo que existia antes e era "negativo", pois este pode vir a contaminar aquilo que é novo que está sendo re-construído.

    Minha visão pessoal (e meu aprendizado com o I Ching) é a de que uma mudança para algo novo deve ser motivada sempre por algo novo, mas nunca motivada pela insatisfação do que temos hoje. Desse algo novo, não precisamos enxergar toda a estrada, mas apenas os primeiros 100 metros dela. Já a insatisfação com o que temos é sempre de causa interna, é algo que precisamos aprender. Nesse caso, a sabedoria Chinesa sempre nos recomenda a persistência. Não são as circunstâncias externas que verdadeiramente importam e sim, como lidamos com elas.

    Mas uma coisa considero importante e faço uso do meu aprendizado com Carlos Castaneda:

    O CAMINHO TEM CORAÇÃO?
    by Carlos Castaneda

    “… Tudo é um entre um milhão de caminhos. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve seguí-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso que o seu coração lhe manda fazer.

    Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Dir-lhe-ei qual é: esse caminho tem coração?

    Todos os caminhos são os mesmos; não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer a sua vida. Um o torna forte, o outro o enfraquece.”

    Espero que tenha contribuído.

    Abraços,
    Bira.

  3. >> Resposta do leitor:

    Olá Bira

    Nossa, ajudar é pouco. Vc lançou luz em treva espessa rsrs
    Chega a assustar a força do Tao e como ela se manifesta. Sua interpretação e seu blog me ajudaram inclusive a compreender melhor todas as outras respostas que eu já havia recebido em perguntas anteriores. Não foram muitas mas foram importantes, e agora consigo vê-las como uma sequência natural encadeada de acordo com os meus percalços, até esta última que, como todas as outras, dá um soco forte na mensagem.
    Mas fiquei em dúvida a respeito de uma coisa. Se neste caso o hexagrama anterior (43) pode ser importante para esclarecer qual a mensagem do hexagrama 44, então todos os hexagramas seguem uma sequência cíclica cujos hexagramas vizinhos também são importantes no significado? Neste caso, todos os hexagramas poderiam ser interpretados com a ajuda do seu anterior ou posterior para se compreender melhor a mensagem e seu contexto?
    E como se estuda o I Ching? É por autodidática ou existe algum mestre?

    Mto obrigado msm

    Abraço

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