Das coisas existentes, algumas são encargos nossos, outras não
[1.1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos, outras não.
[1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem.
[1.3] … Mas se pensares teu unicamente o que é teu, e o que é de outrem, como o é, de outrem, ninguém jamais te constrangerá, ninguém te fará obstáculos, não censurarás ninguém, nem acusarás quem quer que seja. de modo algum agiras constrangido, ninguém te causará dano, não terá inimigos, pois não será persuadido em relação à nada nocivo.
[8] Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas queira que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno.
[9] A doença é entrave para o corpo, mas não para a escolha, se ela não quiser. Claudicar é entrave para as pernas, mas não para a escolha. Diz isso para cada uma das coisas que sucedem contigo, e descobrirás que o entrave é próprio de outra coisa e não teu.
- Things that matter:
- Things you can control:
- Things you should focus on:
Desejo e Repulsa
[2.1] Lembra que o propósito do desejo é obter o que se deseja, e o propósito da repulsa é não se deparar com o que se evita. Quem falha no desejo é não-afortunado. Quem se depara com o que evita é desfortunado. Caso, entre as coisas que são teus encargos, somente rejeites as contrárias à natureza, não te depararás com nenhuma coisa que evitas.
[2.2] Então retira a repulsa de todas as coisas que não sejam encargos nossos e transfere-a para as coisas que, sendo encargos nossos, são contrárias à natureza.
Por ora, suspende por completo o desejo, pois se desejares alguma das coisas que não sejam encargos nossos, necessariamente não serás afortunado. Das coisas que são encargos nossos, todas quantas seria belo desejar, nenhuma está ao teu alcance ainda.
COMENTÁRIOS:
Da qualidade dos objetos
[3] Sobre cada uma das coisas que seduzem, tanto as que se prestam ao uso quanto as que são amadas, lembra de dizer de que qualidade ela é, começando a partir das menores coisas. Caso ames um vaso de argila, diz que “Eu amo um vaso de argila”, pois se ele se quebrar, não te inquietarás. Quando beijares ternamente teu filho ou tua mulher, diz que beijas um ser humano, pois se morrerem não te inquietarás.
[4] Quando estiveres prestes a empreender alguma ação, recorda-te de que qualidade ela é. Se fores aos banhos, considera o que acontece na sala de banho: pessoas que espirram água, empurram, insultam, roubam. Empreenderás a ação com mais segurança se assim disseres prontamente: “Quero banhar-me e manter a minha escolha segundo a natureza”. E do mesmo modo para cada ação. Pois se houver algum entrave ao banho, terás a mão que “Eu não queria unicamente banhar-me, mas também manter minha escolha segundo a natureza – e não manterei se me irritar com os acontecimentos”.
Das representações dos objetos
[5a] As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas. Por exemplo: a morte nada tem de terrível, mas é a opinião à respeito da morte – de que ela é horrível – que é terrível. Então quando nos inquietarmos, jamais consideremos outra coisa a causa, senão nós mesmos – isto é: as nossas próprias opiniões.
[6] Não te exaltes por nenhuma vantagem de outrem. Se um cavalo dissesse, exaltando-se: “Sou belo”, isso seria tolerável. Mas quando tu, exaltando-te, disseres: “Possuo um belo cavalo”, sabe que te exaltas pelo bem do cavalo. Então o que é teu? O uso das representações. Desse modo, quando utilizares as representações segundo a natureza, aí então te exalta, pois nesse momento te exaltarás por um bem que depende de ti.
Códice 7
[7] Em uma viagem marítima, se saíres para fazer provisão de água quando o navio estiver ancorado, poderás também pegar uma conchinha e um peixinho pelo caminho. Mas é preciso que mantenhas o pensamento fixo sobre o navio, voltando-te continuamente. Que jamais o piloto te chame. E se te chamar, abandona tudo para que não sejas lançado ao navio amarrado como as ovelhas. Assim também é na vida. Não será um obstáculo se ela te der, ao invés de uma conchinha e um peixinho, uma mulherzinha e um filhinho. Mas se o capitão te chamar, corre para o navio, abandonando tudo, sem te voltares para trás. E se fores velho, nunca te afastes muito do navio, para que, um dia, quando o piloto te chamar, não fiques para trás.
à revisar:
[5b] É ação de quem não se educou acusar os outros pelas coisas que ele próprio faz erroneamente. De quem começou a se educar, acusar a si próprio. De quem já se educou, não acusar os outros nem a si próprio.
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