CONHECIMENTO A PRIORI – Síntese do Artigo de Célia Teixeira

Síntese do artigo “Conhecimento a priori” de Célia Teixeira,

edição de 2014 do Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica

Ubirajara T Schier

Primeiramente é importante ressaltar o objetivo da autora, que é o de introduzir a noção de conhecimento a priori bem como as dificuldades de compreensão existentes.

A distinção a priori / a posteriori (seção 1):

“A distinção entre conhecimento a priori e conhecimento a posteriori pretender captar esta diferença intuitiva entre dois modos distintos de conhecer: através da experiência ou independentemente da experiência e pelo pensamento apenas.” (Teixeira 2014, pg. 2)

A definição, de uma maneira geral, é essencialmente simples: conhecimento a priori é um conhecimento que independe da experiência, diferente do conhecimento empírico ou a posteriori, que é um conhecimento decorrente da experiência.

“Uma crença que se encontra justificada com base na experiência, encontra-se justificada a posteriori; uma crença que se encontra justificada de forma independente da experiência e pelo pensamento apenas, encontra-se justificada a priori. O conhecimento a priori pode assim ser visto como conhecimento apoiado na justificação a priori; e o conhecimento a posteriori como conhecimento apoiado na justificação a posteriori. A distinção entre a priori e a posteriori deve assim ser entendida como uma distinção epistêmica entre dois modos, putativamente, distintos de conhecer.” (Teixeira 2014, pg. 3)

Conhecimento a priori e conhecimento a posteriori são, portanto, duas formas distintas de se adquirir conhecimento acerca de algo: respectivamente, ou por meio somente do pensamento (que independe da experiência) ou por meio da experiência.

O papel da experiência (seção 2):

“Podemos assim concluir que a experiência pode ter um papel auxiliador ou facilitador na aquisição de conhecimento a priori, só não pode ter um papel justificador para que uma crença seja verdadeiramente independente da experiência. A noção de independência da experiência também não implica que as crenças assim adquiridas não possam ser refutadas pela experiência, nem que os processos de aquisição de conhecimento a priori tenham de ser infalíveis.” (Teixeira 2014, pg. 10)

A partir da conclusão da autora podemos tratar mais facilmente as premissas abordadas pela mesma nesta seção.

“Em primeiro lugar, é importante não confundir o modo como conhecemos uma certa proposição do modo como adquirimos os conceitos necessários para a sua compreensão.” (Teixeira 2014, pg. 5)

Aqui temos uma problemática que se forma a partir do não-entendimento comum quanto ao que seria o grau de independência da experiência do conhecimento a priori.

Essencialmente há uma linha de pensamento que defende que o conhecimento a priori só o é de fato quando independe realmente de qualquer tipo de experiência, seja de forma direta ou indireta. Outra linha de pensamento – que é a linha de pensamento defendida pela autora – considera que o conhecimento a priori é independente da experiência se este não depender diretamente da experiência. 

Na linha de pensamento também defendida pela autora, a experiência pode ter um papel auxiliador ou facilitador na aquisição de conhecimento a priori. É possível entendermos assim, que as experiências produzem conhecimentos empíricos e que estes conhecimentos empíricos servem de base para a produção de conhecimentos a priori, resultantes do pensamento sobre os mesmos. Abordando desta forma, o conhecimento a priori de fato não depende diretamente da experiência.

Se entendermos que, o conhecimento empírico é aquele que é adquirido diretamente por meio da experiência – e somente por meio desta – então qualquer outro conhecimento, adquirido não por meio da experiência, diretamente, poderia ser denominado de “não-empírico” e, portanto, por que não a priori?

O dilema é que há os que acham que o conhecimento a priori, para ser independente da experiência, teria que sê-lo tanto de forma direta quanto indireta. Dessa forma, portanto, não existiria conhecimento a priori, pois em essência todo conhecimento de alguma forma partiria de algum momento de alguma experiência do ser humano com a realidade. Por outro lado, também estariam corretos em afirmar que o conhecimento a priori não pode ser independente da experiência quando desta depende de seu papel auxiliador ou facilitador. Em outras palavras, não se pode dizer que algo é independente de alguma coisa se dela depende indiretamente.

“Finalmente, a noção de independência da experiência tem também surgido ligada à ideia de infalibilidade. [ …]  Contudo, não é de todo claro por que é que um método que gere crenças justificadas de forma independente de qualquer informação empírica acerca do mundo em que os encontramos tenha de gerar crenças verdadeiras.” (Teixeira 2014, pg. 9)

Neste ponto a problemática decorre de uma inferência: a de se determinar que um conhecimento a priori, se fosse de fato independente da experiência, necessitaria portanto ser também verdadeiro.

“Apesar da sua importância histórica, temos boas razões para achar que a noção de independência da experiência não implica qualquer tipo de infalibilidade, e que, portanto, a infalibilidade não faz parte da natureza do conhecimento (e justificação) a priori.” (Teixeira 2014, pg. 9)

Segundo a autora, dessa forma, um conhecimento a priori independente da experiência pode ser tanto verdadeiro como falso.

O tipo de experiência (seção 3):

Além do papel da experiência na definição de conhecimento a priori, a autora também ressalta a necessidade de clarificação em relação à própria noção de experiência.

“Numa caracterização mais estrita, experiência significa experiência perceptiva do mundo exterior, excluindo a percepção dos estados internos ao sujeito que conhece. Numa caracterização mais lata, experiência significa qualquer tipo de experiência quer seu objeto seja exterior ou interior ao sujeito.” (Teixeira 2014, pg. 9)

“Há pelo menos um aspecto consensual no que diz respeito à experiência: o conhecimento adquirido através da percepção sensorial deriva da experiência. Mas o que dizer do nosso conhecimento introspectivo?” (Teixeira 2014, pg. 10)

Dos trechos acima, conclui-se que uma segunda problemática diz respeito à abrangência do conhecimento empírico, mais propriamente falando, que tipos de experiência ele engloba. A noção acerca do que é experiência e quais os conhecimentos que ele promove define, assim, sua abrangência. Determinar os limites do conhecimento empírico acerca de uma experiência é estabelecer uma fronteira para que se possa, além dela visualizar o que restou do lado do domínio do conhecimento a priori.

Destas ainda poderíamos necessitar definir mais claramente a noção de percepção sensorial, ou seja, de quais sentidos e de que tipo de observador estamos considerando. Entretanto o foco da autora é determinar se o conhecimento introspectivo, ou seja, a reflexão do observador acerca do que foi percebido pelos sentidos, seria empírico ou a priori.

“Assim, podemos defender, o que faz com que uma fonte de justificação dependa da experiência é o fato de ligar causalmente o agente cognitivo com o objeto ou fato conhecido.” (Teixeira 2014, pg. 11)

“Esta teoria causal simples tem, contudo problemas claros. Em particular, não parece acomodar formas indiretas de aquisição de conhecimento através da experiência.” (Teixeira 2014, pg. 11)

A autora apresenta o exemplo de quando bato à porta do meu vizinho e ele não atende, onde concluímos portanto de que ele não está em casa. A conclusão em si se baseia em uma reflexão do observador em relação à resposta de uma não ação por parte do objeto. Se o vizinho tivesse atendido à porta, teríamos como justificar empiricamente, por meio de nossa percepção sensorial, de que o mesmo está em casa. Entretanto, o fato de não atender à porta não nos assegura de que de fato ele não esteja em casa. Mesmo assim, concluímos que, pelo motivo de não ter atendido à porta, ele não está em casa.

A autora apresenta a interpretação de vários autores, entre eles Bonjour (1998), Casullo (2003) e Jeshion (2011) em relação à determinação se conhecimentos adquiridos indiretamente por meio da experiência seriam a posteriori ou não. Em função da falta de uma definição clara se o tipo de conhecimento introspectivo seria dependente da experiência ou não dificulta a distinção do conhecimento a priori enquanto conhecimento independente da experiência.

Parece-me que uma saída é considerar também o papel da experiência. Para um dado observador em relação à uma determinada experiência haverá um conhecimento perceptivo, promovido pelos sentidos, acerca da mesma. Esse conhecimento perceptivo então pode ser auxiliador ou facilitador (preferiria dizer que “servirá de base”) para a construção de um conhecimento a priori produzido pelo pensamento, mas um pesamento não sobre à experiência diretamente, mas sim ao conhecimento empírico promovido pela experiência. O pensamento assim só poderia ocorrer sobre um conhecimento empírico previamente produzido por meio da percepção sensorial acerca da experiência. Se imaginarmos que isso possa estar acontecendo em relação ao mesmo tempo, para um mesmo observador durante a experiência, também podemos supor que outros observadores terão como base o conhecimento empírico produzido pelo observador que vivenciou a experiência. De fato, minha conclusão é que independe se tudo acontece pela percepção empírica ou introspectiva do observador quando vivenciando a experiência. Parece mais correto não afirmar que o conhecimento  priori independe da experiência, mas sim afirma que o conhecimento a priori pode depender indiretamente da experiência.

Necessidade e contingência (seção 4):

Nesta seção a autora procura validar uma afirmação histórica na relação entre noção de a priori e a necessidade. Entende-se por necessidade uma verdade ou proposição que não pode ser falsa e, contingência, por uma verdade ou proposição que não é necessariamente verdadeira como também não é necessariamente falsa.

“Mesmo que os exemplos de verdades contingentes a priori não seja inteiramente consensuais, os exemplos de verdades necessárias a posteriori são-no, o que é suficiente para refutar a tese de que uma verdade é a priori se, e só se, é necessária.” (Teixeira 2014, pg. 18)

“Kripke (1980) forneceu uma bateria de exemplos de verdades necessárias à posteriori para refutar a tese de que se uma verdade é necessária, então é a priori.” (Teixeira 2014, pg. 18)

A tese histórica de que uma verdade somente é a priori se for necessária é refutada pela autora fundamentada por meio de exemplos de verdades necessárias à priori que mostraram-se “não-necessários” frente verdades necessárias descobertas a posteriori. A intenção da autora é demonstrar que uma verdade a priori, à princípio necessária, pode se mostrar contingente frente à uma verdade a posteriori necessária. Nos exemplos abordados, uma verdade a posteriori é dita necessária, podendo esta assim, refutar uma verdade a priori à princípio também reconhecida como necessária. Disso, podemos concluir que não necessariamente, uma verdade a priori é necessária, corroborando assim com a noção de infalibilidade.

Dessa forma, conclui-se que existem verdades a priori necessárias (como por exemplo proposições lógicas), como também existem verdades a priori contingentes.

O problema do a priori: racionalismo vs. empirismo (seção 5)

Nesta seção a autora inicia retomando a problemática iniciada na seção 1, no que diz respeito, à possibilidade (ou não) do conhecimento a priori na condição de uma forma de conhecimento que independe da experiência.

Segundo os empiristas radicais, todo conhecimento é empírico não existindo, portanto, conhecimento a priori. Um dos principais argumentos é o de Quine (1951), que defende a tese de que qualquer afirmação pode ser empiricamente refutada. Esta tese entretanto parte da premissa de que, se existe uma verdade que independe de qualquer experiência do mundo, nenhuma experiência do mundo poderá refutá-la. A problemática desta tese é que também não existe nada que indique que um conhecimento a priori, que independa da experiência, não possa ser refutado por um conhecimento empírico.

Já na visão dos racionalistas tradicionais, o conhecimento a priori tem origem por meio de uma intuição racional – “insight racional” –  de  forma não inferencial. Entretanto, essa capacidade intuitiva consistiria em um “ver intelectual” equivalente ao “ver sensorial”, porém sem ser possível distinguir essa capacidade intuitiva de nossas capacidades sensoriais. A tese de uma “intuição racional” apresenta também portanto suas problemáticas. Uma delas é a de que o resultado dessa intuição racional é o conhecimento a priori de uma verdade necessária, onde, conforme vimos anteriormente, podem ser também contingenciais. Essa seria a clássica visão cartesiana, a de que a visão racional seria a certa pois se dependesse da experiência, seria enganada pelos sentidos. Como já vimos anteriormente, existe argumentos consistentes para afirmar que uma verdade a priori pode ser refutada e, logo, pode não ser necessária.

A visão mais consensual apresentada é a do empirismo moderado. Este por sua vez consideram que as verdades do conhecimento a priori são de natureza conceitual ou linguística, não se tratando, portanto, de um conhecimento substancial acerca do mundo (conhecimento analítico). Dessa forma, não existe conflito entre o conhecimento substancial derivado da experiência e o conhecimento analítico a priori. A lógica e a matemática seriam exemplos de conhecimentos analíticos apriori.

Segundo a autora, se por um lado a tese dos racionalistas é fundamentada em uma certa “capacidade intuitiva” para se chegar a uma verdade a priori necessária, os empiristas vêem-se obrigados a se limitarem ao que pode ser observado dos fenômenos e a não encontrarem respostas para questões reais e existentes sem ligação com qualquer experiência.

Particularmente concluo que parecem-me duas receitas de bolo de cenoura diferentes, mas cujo propósito final é o mesmo. O problema é que os cozinheiros se ocupam mais em ficar discutindo suas receitas a ponto de esquecer de entregar o bolo. Na minha percepção, em primeiro lugar, considero que um conhecimento a priori não é uma verdade necessária. Ela pode ser a qualquer momento refutada por um conhecimento a posteriori, mas nunca por outro conhecimento a priori. Percebo também que tudo passa pelo sentidos, gerando assim um conhecimento sensorial ou empírico. Sendo esse introspectivo ou não, o conhecimento empírico sempre ocorre antes de qualquer conhecimento a priori, não podendo este, portanto, ser independente da experiência. Diria, que o conhecimento a priori depende indiretamente da experiência, podendo esse, ser uma “intuição racional” mas que, no fundo, sempre ocorrerá sobre um ou mais conhecimentos empíricos.

Link para a apresentação:

https://biraway.com.br/?webslides=conhecimento-a-priori-sintese-do-artigo-de-celia-teixeira-edicao-de-2014-do-compendio-em-linha-de-problemas-de-filosofia-analitica#slide=1

 

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