A Epistemologia da Religião de Ludwig Wittgeinstein

01 - A Epistemologia da Religião de Wittgeinstein

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Uma das grandes contribuições do filósofo Ludwig Wittgeinstein foi na área da filosofia da linguagem. Suas teorias nessa área tiveram também reflexo sobre outras importantes questões filosóficas, entre elas, a epistemologia da religião. Um dos pontos fundamentais da filosofia de Wittgeinstein é que, antes de tudo, é preciso considerar que seu pensamento é dividido em fases distintas: uma primeira fase que é atribuída ao “primeiro Wittgeinstein” (LW1) e uma segunda fase, atribuída ao “segundo Wittgeinstein” (LW2). Tal distinção é tão significativa que parece não se tratar da mesma pessoa.

“Seu pensamento é geralmente dividido em duas fases. Para identificá-las, muitos autores recorrem ao artifício de atribuir os escritos da juventude ao Primeiro Wittgenstein e a obra posterior ao Segundo Wittgenstein, como se designassem autores distintos. A cada um desses períodos corresponde uma obra central na história da filosofia do século XX. À primeira fase, pertence o Tractatus Logico-Philosophicus, livro em que Wittgenstein procura esclarecer as condições lógicas que o pensamento e a linguagem devem atender para poder representar o mundo. À segunda fase, pertencem as Investigações Filosóficas, publicadas postumamente, em 1953. Nesse livro, Wittgenstein trata de tópicos similares aos do Tractatus (embora sob uma perspetiva radicalmente diferente) e avança sobre temas da filosofia da mente ao analisar conceitos como os de compreensão, intenção, dor, e vontade.”

(WK, 2021)

Também segundo SG:

“Wittgenstein publicou quase nada sobre a filosofia da religião e ainda assim sua concepção sobre crença religiosa foi imensamente influente. Embora suas conclusões finais místicas em sua obra inicial, o Tractatus, são notórias, encontramos apenas um única alusão à teologia em sua magnum opus, as Investigações Filosóficas, publicado postumamente em 1953. As visões maduras de Wittgenstein sobre a natureza da a crença religiosa deve, portanto, ser reunida a partir de observações dispersas feitas em seu cadernos da década de 1930, as Palestras e Conversas sobre Crença Religiosa (compilado a partir de notas de aula), as observações sobre o ramo de ouro de Frazer e de que passou a ser conhecido como Cultura e Valor.”

(SG, 2009, p.2)

Como será visto neste estudo, apesar das questões relacionadas às crenças religiosas terem sido abordadas por LW2, no que SG denomina “as visões maduras de Wittgeinstein”, a obra “Investigações Filosóficas” contém a filosofia da linguagem desenvolvida por LW2, denominada de “jogos de linguagem”. Embora nessa obra, segundo WK, somente uma menção teológica tenha sido feita por LW2, os jogos de linguagem constituem a base de conhecimento sobre a qual LW2 estabelece um paralelo à filosofia da religião. Em outras palavras, o conceito de jogo de linguagem não foi desenvolvido especificamente para o desenvolvimento de uma filosofia da religião, mas aplica-se à ela.

Considerando desta forma o conceito de jogo de linguagem, bem como respeitando as duas fases distintas do pensamento de Wittgeinstein, esse estudo iniciará tratando dos principais conceitos dos jogos de linguagem de LW2, dando suporte para que, em um segundo momento, os pensamentos de LW2 sobre crenças religiosas possam ser abordados mais adequadamente.

Premissas

1. Jogos de Linguagem:

LW2 faz uso de exemplos de jogos para conceituar a linguagem, enquanto jogo de linguagem:

Quando se mostra para alguém o rei no jogo de xadrez e se diz “Este é o rei”, não se explica para essa pessoa, com isso, o uso desta peça, – a não ser que ele já conheça as regras do jogo salvo esta última definição: a forma da peça do rei. Pode-se imaginar que ele tenha aprendido as regras do jogo sem que se lhe tenha sido mostrada alguma peça real do xadrez. A forma da peça do jogo corresponderia aqui ao som ou à forma de uma palavra. Mas pode-se também imaginar alguém que tenha aprendido o jogo sem aprender as regras ou formulá-las. Ele pode ter aprendido inicialmente, pela observação, um jogo de tabuleiro bem simples, e ter progredido pela constante complexificação. Também a esse pode-se dar a explicação: “Este é o rei” – quando se mostra para ele, por exemplo, uma peça de xadrez cuja forma ainda não lhe é familiar. Também esta explicação só lhe ensina o uso da peça porque, como poderíamos dizer, o lugar já estava preparado para que ela fosse colocada. Ou também: nós só diremos então que ela lhe ensina o uso quando o lugar já está preparado. E isto acontece aqui, não porque aquele a quem a explicação é dada já conhece regras, mas porque ele, em outro sentido, já domina um jogo. Considere ainda este caso: eu explico para alguém o jogo de xadrez; e começo por mostrar uma peça e dizer: “Este é o rei. Ele pode ser movimentado assim e assim etc., etc.”. – Neste caso, diremos: as palavras “Este é o rei” (ou “Isto se chama ‘rei’”) só são, pois, uma explicação da palavra se o aprendiz já ‘sabe o que é uma peça do jogo’. Portanto, se ele talvez já tenha jogado outro jogo, ou tenha assistido ‘com compreensão’ ao jogo de outra pessoa – e coisas semelhantes. Pois só então, ao aprender o jogo, ele poderá fazer perguntas relevantes: “Como se chama isto?” – a saber, esta peça do jogo. Podemos dizer: só vale a pena perguntar pela denominação se já se sabe fazer alguma coisa com isso. Nós podemos também imaginar que a pessoa a quem foi dirigida a pergunta responda: “Decida você mesmo a denominação” – e aquele que perguntou agora tem que se responsabilizar por tudo sozinho. 

(IF, p.27-29)

No exemplo acima, a palavra “rei” só tem sentido quando se sabe o uso da peça de acordo com as regras do jogo de xadrez. Assim, é necessário saber o uso que a palavra tem no contexto para entendê-la. Em outras palavras, a palavra “rei” só pode ser entendida quando entende-se seu uso, no caso, dentro do contexto de uma partida de xadrez. Tomada isoladamente, fora de contexto, a palavra “rei” não terá o mesmo significado que tem em uma partida de xadrez.

Para LW2, portanto:

  • se quisermos saber o significado de uma palavra, precisamos procurar como ela está sendo usada – “significado é uso”
  • para entender a linguagem de um determinado jogo, é preciso fazer parte do jogo

2. Crenças Religiosas:

De uma forma geral, veremos mais adiante que, para LW2:

Chegamos a uma ilha e ali encontramos crenças, algumas das quais nos inclinamos a chamar de religiosas. O que estou pretendendo dizer é que crenças religiosas não (…). Têm sentenças, e há também afirmativas religiosas. ;

Tais afirmativas não difeririam apenas naquilo de que tratam. Conexões inteiramente diferentes as tornariam crenças religiosas, e podem-se facilmente imaginar transições em que não saberíamos, por nossa vida, se deveríamos chamá-las crenças religiosas ou crenças científicas.

Vocês poderiam dizer que os crentes raciocinam erroneamente. 

Em certos casos, vocês diriam que eles raciocinam erroneamente, querendo com isso dizer que nos contraditam. Em outros casos, diriam que não raciocinam de modo algum, ou “Trata-se de uma espécie inteiramente diversa de raciocínio.” O primeiro vocês o diriam no caso em que raciocinassem de maneira semelhante à nossa e fizessem algo que correspondesse aos nossos erros.

Se uma coisa é erro ou não; é erro num sistema específico. Do mesmo modo que algo é um erro num jogo específico e não em outro.

Vocês poderiam também dizer que naquilo que somos racionais, eles não o são — querendo com isso dizer que, em tais casos, não usam a razão. Se fazem algo muito semelhante a um de nossos erros — eu diria — não sei. Depende de ulteriores contextos.

(PC, p.97-98)

Verifica-se assim, que LW2 trata as crenças religiosas como um jogos de linguagem, da mesma forma como trata  qualquer outra área de conhecimento.

3. A epistemologia da religião:

Importante ressaltar que, neste estudo, quando fala-se em epistemologia da religião não está-se falando em alguma religião em específico e, sim, em todas religiões. Entre elas, haverão diferenças e semelhanças, porém, para uma “epistemologia das religiões” é necessário considerar o que as religiões têm em comum.

Segundo LW2:

Imagine ferramentas dentro de uma caixa: ali tem um martelo, um alicate, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um pote de cola, cola, pregos e parafusos. – Tão diferentes como são as funções desses objetos, são também diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e ali.) Certamente o que nos confunde é a uniformidade da sua manifestação, quando as palavras nos são ditas, ou nos defrontamos com elas na escrita ou impressas.15 Pois o seu emprego não está ali tão claro para nós. E especialmente não o está quando filosofamos!

Imagine que alguém dissesse: “todas as ferramentas servem para modificar alguma coisa. Assim, o martelo, a posição do prego, a serra, a forma da tábua etc.” – E o que modifica o metro, o pote de cola, os pregos? – “Nosso conhecimento da extensão de uma coisa, a temperatura da cola, e a firmeza da caixa.” — Ter-se-ia ganho alguma coisa com essa assimilação da expressão? –

(IF, p.14-15)

Analogamente ao exemplo da caixa de ferramentas, acredita-se que LW2 veria pouca utilidade em uma epistemologia das religiões, uma vez que as eventuais semelhanças entre as religiões pouco poderia contribuir para uma base epistemológica de todas as religiões em si. Ainda assim, nesse estudo, procurar-se-á identificar tais semelhanças e de que forma estas poderiam constituir uma epistemologia das religiões, pois entende-se que, diferente de LW2, por menor que seja a contribuição, ainda é melhor do que nenhuma.

4. O papel da Filosofia, o papel da ciência

Um ponto importante à ser destacado diz respeito, quando se fala em epistemologia da religião, à qual área de conhecimento interessa. Geralmente quando se fala em crenças  religiosas, o seu oposto, o ateísmo surge e, na maioria dos debates, as crenças religiosas tem sua veracidade questionada como se fosse crenças científicas esperando-se, assim, por justificação por meio de evidências.

Por esse motivo é importante ressaltar que, quando se fala em epistemologia da religião (ou das religiões), as crenças religiosas devem ser tratadas não como se fossem crenças científicas, mas sim, crenças filosóficas. Podem portanto, ser verdadeiras ou falsas, justificadas ou injustificadas e racionais ou irracionais.

Sob o ponto de vista filosófico, portanto, as crenças religiosas não necessariamente precisam ser justificadas por meio de evidências (ainda que muitas crenças religiosas sejam também crenças factuais – sugerindo assim a justificação por meio de fatos ou evidências).

Em WC:

Wittgenstein está certo em pensar que crenças não deveriam ser julgadas por padrões inapropriados: padrões que elas não preenchem e não precisam tentar preencher. Não deveríamos avaliar a justificação de um juízo estético, por exemplo, pelos padrões apropriados à justificação de uma teoria científica; não deveríamos julgar a força de um argumento indutivo pelos padrões de prova dedutiva; e assim por diante.

(WC, p.233)

 

Premissas – Resumo

  • para LW2, as crenças religiosas são jogos de linguagem;
  • as regras que valem para um jogo de linguagem podem não valer para outro jogo de linguagem;
  • religião, ciência, artes, música, poesia, esportes são jogos de linguagem;
  • de certa forma, pode-se entender que o pensamento de LW2, em relação às crenças religiosas, seria um pensamento contextualista pragmático (que o que vale é como e onde as palavras estão sendo usadas);
  • crenças religiosas não necessitam ser justificadas por meio de evidências ou fatos;

Problemas

Um dos problemas da concepção epistêmica de LW2 acerca das crenças religiosas seria o fato de, usando as regras dos jogos de linguagem, as crenças religiosas não necessitariam assim ser justificadas segundo as regras de um outro tipo de linguagem, como a ciência. À essa “blindagem” das crenças religiosas em relação à outras crenças não-religiosas, é conhecida como o Fideísmo Wittgensteiniano.

Em MM:

Uma crítica severa a Phillips e à filosofia wittgensteiniana da religião foi formulada por Wolterstorff nas suas Tate Wilson Lectures, dadas em 1991 na Southem Methodist University.

Para Wolterstorff, os wittgensteinianos, embora se opondo ao positivismo lógico e transformando-o em alvo polêmico, acabaram propondo por sua vez “uma versão do positivismo”, pois a eles não restou outra saída a não ser uma teoria expressivista da linguagem, sem pretensões assertivas, sem verdades, sem qualquer realidade à qual a linguagem possa se referir. O “fideísta wittgensteiniano” não contesta a tese central do positivismo (uma asserção autêntica é construída somente se se assere algo que é empiricamente verificável ou analiticamente verdadeiro ou falso), mas sustenta unicamente que a linguagem significante não está limitada a fazer asserções; também o positivismo lógico havia admitido por fim tal tese, reconhecendo que a linguagem religiosa, mesmo não tendo uma função assertiva, era dotada de um significado expressivo. O “fideísmo wittgensteiniano” é, para Wolterstorff, uma construção antirrealista da linguagem religiosa, particularmente atraente, porque libera a religião das exigências de prova e justificação e dá a impressão de uma superação da ameaça do ceticismo, no sentido de que, se a religião não faz qualquer asserção sobre Deus, não pode haver ceticismo sobre a verdade de suas asserções”.

(MM, p.134-135)

Como também tratado em WC:

Se a religião fosse um “jogo-de-linguagem” completamente autocontido – um compartimento isolado das nossas vidas, separado das crenças não religiosas e das formas de raciocínio -, neste caso poderia ser correto defender que crenças religiosas são imunes de serem criticadas pelos padrões de evidência e justificação que aplicamos alhures. Seria certamente possível para as pessoas engajarem-se em um tipo de prática religiosa que fosse completamente autocontida dessa maneira: uma prática que envolvesse cerimônias & rituais, que empregasse certas formas de palavras, e assim por diante, mas que não tivesse nenhuma relação com outras atividades ou crenças. Mas, assim o crítico de Wittgenstein dirá, a religião tal como ela em realidade existe não é completamente desligada de todas as crenças e formas de raciocínio não religiosos dessa maneira. Por um lado, a religião envolve crenças sobre a natureza da realidade, e sobre as causas e consequências eventos E aquelas crenças não estão completamente isoladas e autocontidas; elas são crenças factuais sobre o mundo, as quais são suscetíveis de verdade e falsidade do mesmo modo como quaisquer outras crenças. Por outro lado, caso se suponha que as crenças religiosas são verdadeiras, elas são responsivas aos mesmos padrões de coerência e racionalidade que as outras crenças. Se a doutrina cristã da Trindade é logicamente incoerente, por exemplo, não podemos simplesmente dar de ombros e dizer que a crença religiosa não tem a aspiração de preencher os padrões de racionalidade que aplicamos alhures; devemos reconhecer que a doutrina não pode ser verdadeira.

(W.C., p.234)

 

Resposta ao problema

Pode-se dizer que o fideísmo não é encontrado somente nas ideias de LW2. Segundo SG, o “fideísmo” ocorre também na própria filosofia:

É irônico que, na maioria dos domínios filosóficos, seja bastante comum hoje em dia, para apelar ao contexto e à prática quando se trata da questão de efetivar uma compreensão de algo; na verdade, no que diz respeito à compreensão ética e estética conceitos, por exemplo, fala-se até em cultivar certas virtudes de caráter dito necessário para tornar possível tal compreensão. Mas quando se trata de compreensão da linguagem religiosa, essas lições são geralmente esquecidas e é assumiu que aqui a única questão pertinente a fazer é se a linguagem religiosa ‘refere-se’ – como se houvesse apenas uma coisa que se refere pudesse ser, como se o que constitui ‘referir-se’ não depende, de muitas maneiras, do contexto. Percebendo um ‘fato religioso’, se alguém quer falar dessa forma, requer uma compreensão de conceitos teológicos – tais como, por exemplo, ver o propósito de chamar Deus de ‘Pai’ – assim como entender um ‘fato matemático’ requer a prática estabelecida da matemática.

(SG, 2009, p.8)

O mesmo ocorre também dentro do âmbito do desenvolvimento científico. Conforme AC explica o conceito de incomensurabilidade de Feyerabend:

Em alguns casos, os princípios fundamentais de duas teorias rivais podem ser tão radicalmente diferentes que não é nem mesmo possível formular os conceitos básicos de uma teoria nos termos da outra, com a consequência que as duas rivais não compartilham das proposições de observação. Nestes casos não é possível comparar logicamente as teorias rivais. Não será possível deduzir logicamente algumas das consequências de uma teoria dos princípios de sua rival para propósitos de comparação. As duas teorias serão incomensuráveis.

Um dos exemplos de incomensurabilidade de Feyerabend é a relação entre a mecânica clássica e a teoria de relatividade. Segundo a primeira – interpretada realisticamente, isto é, co mo tentando descrever o mundo, tanto o observável quanto o não-observável, como ele realmente é – os objetos físicos possuem forma, massa e volume. Estas propriedades existem nos objetos físicos e podem ser mudadas como resultado de interferência física. Na teoria da relatividade, interpretada realisticamente, propriedades como forma, massa e volume não mais existem, mas tornam-se relações entre objetos e um quadro de referência, e podem ser mudadas, sem interação física nenhuma, mudando-se de um quadro de referência para outro. Consequentemente, qualquer proposição de observação que se refira a objetos físicos dentro da mecânica clássica terá um sentido diferente de uma observação semelhante na teoria da relatividade. As duas teorias são incomensuráveis e não podem ser comparadas através de suas consequências lógicas.

(AC, p.163)

Para LW2, não acreditar em algo não implica em desacreditar esse algo.

Suponhamos que alguém acredite no Juízo Final e eu não; significa isso acaso que eu acredite no contrário, que não deve existir uma coisa que tal? Eu diria: “de modo algum, ou nem sempre.”

(IF, p.89)

O fato de LW2 não acreditar no juízo final, segundo sua concepção, não o coloca em posição de refutar a crença do juízo final na concepção de um crente por exemplo. Em outras palavras: “posso duvidar que algo seja verdadeiro para mim, mas não duvidar que esse mesmo algo seja verdadeiro para outra pessoa”. Entende-se, assim, que LW2 respeita os limites de cada jogo de linguagem.

Uma provável epistemologia das religiões na visão de Wittgeinstein

O dilema, portanto, se concentra no fato de que para se constituir uma epistemologia da religião, as crenças religiosas necessitam ser levadas para além do seu “jogo de linguagem”. Apesar de que para LW2 as regras de um “jogo de linguagem” só fazem sentido para “quem está no jogo”, de que forma alguém de “fora do jogo” interessado em jogar poderia aprendê-las?

Em relação às diversas crenças religiosas, pode-se fazer uma analogia aos esportes. Alguém poderia afirmar que todos deveriam praticar basquete, outro diria o mesmo para o futebol e assim por diante. Para alguém conhecer um determinado esporte é necessário, além de saber as regras, também praticar esse esporte. A opinião de alguém que somente torce ou conhece as regras de um determinado esporte sempre será inferior e incompleta em relação à opinião de alguém que tenha também praticado esse esporte; alguém que tenha praticado tanto o basquete quanto o futebol poderá opinar – com muito mais propriedade do que alguém que não tenha praticado ambos – quanto as vantagens, desvantagens e preferências de/por um e/por outro.

Para LW2, portanto, conclui-se que uma epistemologia das religiões necessita tanto de um saber-que, quanto de um saber-como. Conforme EP:

Em Personal Knowledge, Michael Polanyi argumenta a favor da relevância epistemológica do saber-como e do saber-que. Usando o exemplo do equilíbrio envolvido no ato de andar de bicicleta, ele sugere que o conhecimento teórico da física para a manutenção do estado de equilíbrio não pode substituir o conhecimento prático sobre como andar de bicicleta. Para Polanyi, é importante saber como essas duas formas de conhecimento são estabelecidas e fundamentadas. Essa posição é a mesma de Ryle, que argumenta que, se não consideramos a diferença entre saber-que e saber-como, somos inevitavelmente conduzidos a um regresso ao infinito.

(EP, 2021)

Outras analogias poderiam ser utilizadas para exemplificar a necessidade de um saber prático vinculado à um saber teórico, tais como: não se pode conhecer um determinado prato somente estudando o cardápio; ou então não esperar muito de um curso virtual de natação. Na visão de LW2:

Suponhamos que alguém determine, como orientação para esta vida: acreditar no Juízo Final. Sempre que fizer algo, fá-lo-á perante a própria consciência. De certo modo, como saberemos dizer se ele acredita que isso vá acontecer ou não? Perguntar-lhe não basta. Provavelmente dirá que tem provas. Mas ele possui aquilo a que se poderia chamar uma crença inabalável. Esta se revelará, não pelo raciocínio ou pelo apelo às bases comuns da crença, mas antes pelo fato de regrar-lhe toda vida.

(PC, p. 90)

Entende-se assim que para LW2, a “força” de uma crença religiosa parece estar relacionada ao quanto essa crença impacta na forma de vida de quem a segue. Tem, portanto, um caráter subjetivo ao indivíduo adepto de uma determinada crença religiosa. Neste caso, pode-se concluir também que as regras de um jogo podem ser ensinadas à alguém, mas o jogar é uma experiência subjetiva daquele que joga. Dois indivíduos pode seguir a mesma crença, seguir as mesmas regras, mas ainda assim a aplicação das regras na forma de vida de cada um ainda será diferente.

Ao que parece, portanto, saber as regras e se propor a jogar o jogo conforme as regras parecem ser, seguindo as ideias de LW2, necessários para transmissão do conhecimento de uma crença religiosa.

Um estudo mais aprofundado de uma epistemologia das religiões, seria verificar quais as regras do jogo que são comum entre as diversas crenças religiosas e verificar se, de fato, elas resultariam em algum ganho de conhecimento ou não, tal como a utilidade comum das ferramentas no exemplo da caixa de ferramentas de Lw2.

Resumo de uma provável epistemologia das religiões

  • É preciso não somente saber as regras do jogo, mas também jogá-lo (saber que + saber como)
  • A força de uma crença está na intensidade de quem a pratica em sua forma de vida

 

REFERÊNCIAS

WK – WITTGENSTEIN, L. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ludwig_Wittgenstein&oldid=61287336>. Acesso em: 15 de junho de 2021.

EP – EPISTEMOLOGIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Epistemologia&oldid=60671858>. Acesso em: 17 mar. 2021.

PC – WITTGENSTEIN, L. Estética, Psicologia e Religião. Palestras e Conversações. São Paulo: Ed. Cultrix, 1970.

RO – WITTGENSTEIN, L. Observações sobre o Ramo de Ouro de Frazer. Tradução e Notas Comentadas de João José R. L. Almeida. Disponível em: <http://www.psicanaliseefilosofia.com.br/adverbum/Vol2_2/observacoes_ramo_de_ouro.pdf>. Acesso em: 15/06/2021.

IF – WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Tradução e Notas Comentadas de João José R. L. Disponível em: <http://www.mediafire.com/file/23yabja6jhd6qn3/WITTGENSTEIN%252C_Ludwig._Investigacoes_Filosoficas.pdf/file>. Acesso em: 15/06/2021.

SG – SCHÖNBAUMSFELD, Genia. Wittgensteinianism and the Philosophy of Religion. Published in Graham Oppy and Nick Trakakis (eds.), History of Western Philosophy of Religion, Acumen 2009.

MM – MICHELETTI, Mário. Filosofia Analítica da Religião. Bréscia: Editora Morcelliana, 2002.

WC – CHILD, William. Wittgeinstein, 2002.

AC – CHALMERS, Alan F. O que é ciência afinal?. Editora Brasiliense, 1993.

 

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