O realismo de Adorno e o Princípio Respeito de Hans Jonas

Dentre os filósofos contemporâneos, Adorno, juntamente com Horkheimer, escreveram em 1944 a “Dialética do Esclarecimento”, obra em que cunharam o termo “indústria cultural”, visando alertar o domínio burguês sobre, não somente os meios de produção, mas também sobre a sociedade como um todo. Filósofos que inauguraram a Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer traçaram nesta obra uma crítica consistente em relação aos efeitos negativos do progresso tecnológico e as transformações sociais que daí seguiram. Outro filósofo importante dessa época, Hans Jonas, escreveu “O Princípio Responsabilidade” em 1979, retratando nessa obra um novo princípio ético necessário para uma nova era tecnológica, cujos efeitos, imprevisíveis e irremediáveis, exigiam uma nova ética “para o futuro” com o objetivo principal de assegurar a sobrevivência da própria humanidade. A “Dialética do Esclarecimento” foi publicada em 1944, ainda antes do bombardeio nuclear infligido às cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão, em agosto de 1945. Este trágico evento, por sua vez, foi marcante para a Hans Jonas na elaboração de uma nova ética.

Neste texto, destacaremos alguns pontos importantes da indústria cultural de Adorno e Horkheimer (A.H.) para compararmos com a nova ética para o futuro em uma era da tecnologia moderna, apresentado por Hans Jonas. Espera-se com essa comparação, demonstrar que a tecnologia em si não pode ser tomada isoladamente de forma a ignorar as relações de poder estabelecidas que definem as estruturas sociais e, principalmente, o comportamento dos indivíduos.

Se, em nossa época, a tendência social objetiva se encarna nas obscuras intenções subjetivas dos diretores gerais, estas são basicamente as dos setores mais poderosos da indústria: aço, petróleo, eletricidade, química. Comparados a esses, os monopólios culturais são fracos e dependentes. Eles têm que se apressar em dar razão aos verdadeiros donos do poder, para que sua esfera na sociedade de massas — esfera essa que produz um tipo específico de mercadoria que ainda tem muito a ver com o liberalismo bonachão e os intelectuais judeus — não seja submetida a uma série de expurgos.  (A.H.: Cap. 1. pág. 115)

Fica evidente segundo A.H. a concentração do poder nas mãos de uma minoria que estrutura uma sociedade de massas necessárias não somente para produzir os bens a serem consumidos, mas também fundamentais para consumir os bens que elas próprias produzem. Para A.H., a sociedade de massas, é moldada, controlada e manipulada por uma minoria que centraliza o poder e dele se serve e mantêm.

A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo. (A.H.: Cap. 1. pág. 119)

A indústria cultural, para A.H., por assim dizer, se encarregaria da “lavagem cerebral” necessária para manter a sociedade de massas sob controle e inconsciente acerca do domínio ao qual está submetida mas que, ao mesmo tempo, entende esse domínio como uma “promessa de liberdade do progresso”.

A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários, e não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz algo a mais. Ela exercita o indivíduo no preenchimento da condição sob a qual ele está autorizado a levar essa vida inexorável. O indivíduo deve aproveitar seu fastio universal como uma força instintiva para se abandonar ao poder coletivo de que está enfastiado. Ao serem reproduzidas, as situações^ desesperadas que estão sempre a desgastar os espectadores em seu dia-a-dia tornam-se, não se sabe como, a promessa de que é possível continuar a viver. Basta se dar conta de sua própria nulidade, subscrever a derrota — e já estamos integrados. A sociedade é uma sociedade de desesperados e, por isso mesmo, a presa de bandidos. (A.H.: Cap. 1. pág. 143)

Percebe-se assim, que a “indústria cultural” relevada por A.H. é apenas a ponta do iceberg sobre o qual está oculta toda uma estrutura de poder que permeia e define o comportamento e o agir do indivíduo em todas as esferas sociais.

Por outro lado, Hans Jonas (H.J.) propõe uma nova ética para o futuro da humanidade, uma ética para uma sociedade da tecnologia moderna. Para H.J. em sua nova ética, a responsabilidade do agente deve levar em consideração que suas ações poderão ter efeitos que poderão afetar somente as gerações futuras, de forma que não se trata de uma responsabilidade para o presente mas sim para o futuro. Nessa visão do princípio responsabilidade H.J. ressalta sua preocupação com a humanidade em relação ao uso presente da tecnologia moderna, cujos efeitos não se pode prever e, talvez, nem remediar. Entretanto, H.J. não é claro quanto à quem é dirigida sua nova ética. Percebe-se que existem, portanto, dois aspectos importantes que deveriam ser levados em consideração na nova ética de H.J.: 1) considerar apenas os efeitos da tecnologia; 2) Ignorar as relações de poder e a indústria cultural. Entende-se que indústria cultural de A.H. engloba todos os aspectos de definem e mantêm sob controle o comportamento dos indivíduos em uma sociedade. Um desses aspectos é a forma como esse indivíduo consome a tecnologia. Seria realmente a tecnologia algo tão imprevisível que fugiria ao controle daqueles que comandam as sociedades de massas?

De qualquer forma, percebe-se que não se pode tratar somente dos efeitos colaterais do uso da tecnologia, seja ele bem o mal intencionado. Talvez uma ética para o futuro deva começar, primeiramente, por uma ética de libertação do indivíduo – a fim de livrá-lo das amarras da indústria cultural. Essa libertação poderia começar a partir de um consumo consciente da tecnologia, de forma a promover a libertação do indivíduo da indústria cultural no lugar de cada vez mais consolidar a sua submissão. Quais seriam os efeitos de uma ética para o indivíduo se seu consumo de tecnologia já seria pré-estabelecido por aqueles que comandam as sociedades de massas? Percebe-se assim, que uma ética para o futuro em uma sociedade tecnológica precisa, necessariamente, entender as amarras às quais os indivíduos estão presos e limitados. Ou seja, para se pensar em uma ética visando assegurar o futuro, começar por uma ética visando a libertação do indivíduo no presente.

 


REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Marx. Dialética do esclarecimento. Rio: Zahar, 2006.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro : Contraponto : PUC-Rio, 2005.

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