NOTAS DO SUBSOLO
Fiódor Dostoiévski
Este clássico de Dostoiévski se divide em 2 partes. Na primeira o autor trata das reflexões de um servidor público aposentado aos seus 40 anos de idade sobre sua própria vida, sua condição atual, e as razões que acredita serem determinantes da mesma. Na segunda parte do livro o autor narra alguns eventos importantes ocorridos com o personagem ao longo de sua vida, a fim de caracterizar as reflexões feitas.
Eu menti antes, quando disse que era um funcionário cruel. Menti de raiva. Apenas me divertia com os solicitantes e o oficial, mas no fundo nunca me tornei mau. Constantemente observava em mim uma enorme quantidade de elementos contrários a isso. Sentia-os fervilhar dentro de mim. Sabia que em toda a minha vida eles fervilharam dentro de mim e ansiavam por sair, mas eu não deixava. Não deixava, de propósito não os soltava. Eles me torturavam ao ponto de me dar vergonha; até convulsões eu tinha por causa deles – e finalmente fiquei farto. Como fiquei farto! Não lhes parece que agora estou me arrependendo de alguma coisa diante dos senhores, que estou a lhes pedir perdão? Estou certo de que parece… Aliás, asseguro-lhes que para mim tanto faz, se isso assim lhes parece… Não apenas não consegui tornar-me cruel, como também não consegui me tornar nada: nem mau, nem bom, nem canalha, nem homem honrado, nem herói, nem inseto. Agora vivo no meu canto, provocando a mim mesmo com a desculpa rancorosa e inútil de que o homem inteligente não pode seriamente se tornar nada, apenas o tolo o faz. Sim, senhores, o homem do século XIX que possui inteligência tem obrigação moral de ser uma pessoa sem caráter; já um homem com caráter, um homem de ação, é de preferência um ser limitado. Essa é a minha convicção aos quarenta anos. Tenho agora quarenta. (Ed. L&PM, pág. 8)
Asseguro-lhes que ter uma consciência exagerada é uma doença, verdadeira e completa doença. Para o dia-a-dia do ser humano seria mais do que suficiente a consciência do homem comum, ou seja, a metade ou um quarto menor do que a porção que toca a cada pessoa evoluída do nosso infeliz século XIX que, ainda por cima, tem a infelicidade excepcional de morar em Petersburgo, a cidade mais abstrata e premeditada de todo o globo terrestre. (Ed.L&PM, pág. 9)
Mas o principal e o fim derradeiro é que tudo isso transcorre de acordo com as leis normais e básicas da consciência amplificada e pela inércia derivada diretamente dessas leis e, consequentemente, nesse caso não só não é possível transformar-se, como simplesmente não se pode fazer nada. (Ed.L&PM, pág. 10)
Pois o produto direto, imediato e legítimo da consciência é a inércia, isto é, o ficar-sentado-de-braços cruzados conscientemente. Já mencionei isso antes. Repito, repito insistentemente: todos os indivíduos e homens de ação diretos são ativos precisamente porque são obtusos e limitados. Como isso se explica? Da seguinte maneira: em consequência de sua tacanhez, tomam os motivos mais próximos e secundários como se fossem os motivos originais e, assim, eles se convencem mais rápida e facilmente do que as outras pessoas de que encontraram um fundamento irrefutável para a sua causa, e então ficam tranquilos. Isso é o mais importante. Pois, para se começar a agir, é preciso que antes se esteja completamente calmo e totalmente livre de dúvidas. E como eu, por exemplo, me tranquilizaria? Onde estão os meus motivos originais, nos quais me apoiaria? Onde estão os fundamentos? De onde vou tirá-los? Faço uma ginástica mental e, em consequência, cada motivo original imediatamente arrasta atrás de si outro, ainda mais original, e vai por aí afora, até o infinito. Essa é precisamente a essência de toda consciência e reflexão. Portanto, novamente já estamos falando das leis da natureza. E, finalmente, qual é o resultado? O mesmo, ora. Lembrem-se: há pouco falei sobre a vingança (os senhores, na certa, não se aprofundaram no assunto). O que eu disse foi: o homem se vinga porque acha que está fazendo justiça. Isso significa que ele encontrou o motivo original, o fundamento, ou seja: a justiça. Disso decorre que ele está tranqüilo de todos os lados e conseqüentemente, efetua sua vingança tranqüila e eficiente, pois está convencido de que executa uma ação honesta e justa. De minha parte, não vejo nisso nenhuma justiça, não encontro nenhuma virtude e, por conseguinte, se resolvo me vingar, é unicamente por maldade. (Ed.L&PM, pág. 16)
Pois o ser humano é burro, de uma burrice fenomenal. Ou melhor, ele não é nem um pouco burro, mas em compensação é ingrato. Não existe ser mais ingrato que ele. Eu, por exemplo, não me admiraria nada se, de repente, sem nenhum motivo, em meio ao futuro bom senso geral, surgisse um cavalheiro com um rosto nada nobre ou, melhor dizendo, com uma fisionomia retrógrada e zombeteira e, de mãos na cintura, dissesse a todos nós: e então, senhores, que tal dar um pontapé em todo esse bom senso e mandar esses logaritmos para o diabo para que possamos novamente viver segundo a nossa vontade idiota? (Ed.L&PM, pág. 21)
– Pois é, senhores… Justamente neste ponto é que eu me enrasquei!
Perdoem-me por ter filosofado dessa maneira, mas foram quarenta anos de subsolo! Permitam-me fantasiar um pouco. Vejam os senhores: a razão é uma coisa boa, sem dúvida, mas razão é apenas razão e satisfaz apenas a capacidade racional do homem; já a vontade, esta é a manifestação da vida como um todo, ou melhor, de toda a vida humana, aí incluindo-se a razão e todas as formas de se coçar. E, mesmo que a nossa vida pareça às vezes bem ruinzinha do ponto de vista acima, ela é vida, apesar de tudo, e não apenas a extração de uma raiz quadrada. Eu, por exemplo, naturalmente quero viver para satisfazer toda a minha capacidade de vida, e não para satisfazer apenas minha capacidade racional, ou seja, talvez a vigésima parte de toda a minha capacidade de viver. Que sabe a razão? Ela sabe apenas aquilo que conseguiu conhecer (outras coisas, provavelmente, nunca saberá; isso pode não consolar, mas por que não dizê-lo?); já a natureza humana, esta age como um todo, com tudo o que possui, seja consciente, seja inconsciente – e, mesmo mentindo, está vivendo. (Ed.L&PM, pág. 22)
Alguns afirmam que isso é de fato o que é mais caro ao ser humano; a vontade pode, se assim o desejar, coincidir com a razão, especialmente se não abusar desta e usá-la com parcimônia; é uma coisa útil e às vezes elogiável. Mas a vontade, muito freqüentemente, e até mesmo na maior parte das vezes, discorda completa e teimosamente da razão, e… e… Sabem os senhores que isso também é útil e às vezes até elogiável? Senhores, admitamos que o homem não seja um idiota. (Realmente não se pode afirmar que ele seja um idiota, pelo menos pela única razão de que, se ele fosse um idiota, quem então seria inteligente?) Mas, se não é um idiota, ao menos é monstruosamente ingrato. Penso até que a melhor definição para o homem é: um ser bípede e ingrato. Mas isso ainda não é tudo, esse não é o seu pior defeito: seu defeito mais grave é sua constante má conduta. (Ed.L&PM, pág. 23)
Mas o homem é um ser inconstante e pouco honesto e, talvez, à semelhança do jogador de xadrez, goste apenas do processo de procurar atingir um objetivo, e não do objetivo em si. E quem sabe? Não se pode garantir, mas talvez todo o objetivo a que o homem se dirige na Terra se resuma a esse processo constante de buscar conquistar ou, em outras palavras, à própria vida, e não ao objetivo exatamente, o qual, evidentemente, não deve passar de dois e dois são quatro, ou seja, uma fórmula, e dois e dois são quatro já não é vida, senhores, mas o começo da morte. Pelo menos, o homem sempre teve um certo temor desse dois e dois são quatro, e eu até agora tenho. Suponhamos que o homem não faça outra coisa além de procurar esse dois e dois são quatro, atravessando oceanos, sacrificando a vida nessa busca, mas sou capaz de jurar que ele tem medo de encontrá-lo realmente. Porque ele sente que, assim que o encontrar, não haverá mais nada para procurar. (Ed.L&PM, pág. 26)
Conclusão final, senhores: é melhor não fazer nada! É melhor a inércia consciente! Pois, então, viva o subsolo! Apesar de eu ter dito que invejo o homem normal até a minha última gota de fel, nas condições em que o vejo, não quero ser ele. (Ed.L&PM, pág. 28)
Com base nas citações acima, o autor faz uma reflexão quanto à dois tipos de vida, uma consciente e outra “ativa”, que parece corroborar com o ditado popular: “a ignorância é uma benção”, como também o seu contrário, os problemas de uma vida de “não-ignorância”, ou seja, consciente. O protagonista procura fazer então uma comparação entre os 2 tipos de vida, mas, principalmente, ressaltando os aspectos negativos de sua vida “consciente”.
Um dos principais efeitos negativos de uma vida “consciente”, como o próprio autor conclui, é a inércia. Ele diz isso por que por mais consciente que ele tenha sido durante toda sua vida, ainda assim, sempre acabava por cometer os erros de que tinha consciência prévia. Ou seja, ou ele agia como o homem comum, mas adicionando o sofrimento adicional por estar consciente dos erros à cometer e cometidos, ou então necessitaria de suspender o juízo, no caso, não agir.
O personagem principal prefere, apesar do sofrimento, uma vida consciente.
O que o autor fala encontra as ações determinadas pelo inconsciente. Pode-se entender que nossa mente nos leva a cometer ações que não desejamos para que nos causar logo a seguir o sentimento de arrependimento. Na vida do personagem é esta a vida vivida pelo mesmo: a vida de arrependimentos por não-agir de acordo com a consciência. O personagem não encontra meios de lutar contra isso, por esse motivo, conclui que a inércia é a única solução.
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