Análise da crítica de Marx ao capitalismo

Análise da crítica de Marx ao capitalismo

Ubirajara T Schier

Caracteriza-se como algo bastante desafiador apresentar as ideias de Karl Marx sem correr o risco de ser superficial ou mal interpretado. Difícil acreditar que as motivações políticas, ideológicas e sociológicas não comprometam a isenção na abordagem e interpretação das contribuições de Marx, ocasionando assim, generalizações, distorções ou reduções das ideias que de fato Karl Marx defendeu. Filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário alemão, Marx se dedicou profundamente aos estudos das dinâmicas dos movimentos sociais para entender seu comportamento e identificar os padrões existentes entre os eventos cíclicos da história, até então desconexos para o entendimento de sua época.

Este trabalho por isso têm o objetivo específico de identificar os pressupostos filosóficos utilizados por Marx sobre os quais ele desenvolveu suas teorias econômicas e sociais. Devido à sua notoriedade e, principalmente de sua relevância política, as ideias de Marx foram amplamente interpretadas e disponibilizadas por meio de livros e, mais atualmente, muito mais por meio da internet. Em razão disso não nos ocupamos em realizar mais uma “nova” interpretação e síntese de suas ideias (pois para isso seria necessário uma profunda pesquisa bibliográficas a ser feita diretamente nas obras de Marx, tarefa essa impossível para a proposta deste trabalho). Apresentaremos assim as principais ideias do autor por meio de referências que foram pesquisadas e selecionadas e que, acreditamos, ajudam a elucidar com maior clareza e objetividade os conteúdos do autor. Em relação à estes, pode-se dizer, que as contribuições de Marx dividem-se nos seguintes grupos:

  1. Crítica ao Capitalismo: O Materialismo Histórico
  2. Pressupostos filosóficos da crítica: A Crítica à Hegel
  3. Propostas de solução ao Capitalismo: O Comunismo
  4. Pressupostos filosóficos da solução: A Práxis Revolucionária

Por meio da pesquisa de suas principais ideias, tratadas na primeira parte deste trabalho (referente o item 1), temos como objetivo consequente explicar as relações entre os conceitos (segunda parte deste trabalho). Posteriormente, nos ocuparemos de identificaremos e ressaltar os principais pressupostos filosóficos envolvidos referente os itens 3 e 4, que será apresentado na terceira parte do trabalho.

Ficará de fora deste trabalho o item 3, pois se trata dos conteúdos mais politicamente, socialmente e ideologicamente controversos de Marx, cuja explanação requer nesse sentido, uma pesquisa bibliográfica mais aprofundada a ser feita diretamente nas obras do autor.

O objetivos deste trabalho são:

  • introduzir as principais características e fundamentos do materialismo histórico
  • destacar os pontos passíveis de serem objetos de pesquisa futuros (pressupostos filosóficos)
  • esboçar conclusões acerca dos pontos destacados

 


I – PRINCIPAIS CONCEITOS


Materialismo Histórico: Uma concepção materialista da história

1. Definição:

O materialismo histórico é uma abordagem metodológica ao estudo da sociedade, da economia e da história que foi pela primeira vez elaborada por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). O materialismo histórico procura as causas de desenvolvimentos e mudanças na sociedade humana nos meios pelos quais os seres humanos produzem coletivamente as necessidades da vida. As classes sociais e a relação entre elas, além das estruturas políticas e formas de pensar de uma dada sociedade, seriam fundamentadas em sua atividade econômica.

De acordo com a tese do materialismo histórico defende-se que a evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até a atual, se dá pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da “exploração do homem pelo homem”. A teoria serve também como forma essencial para explicar as relações entre sujeitos. Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o feudalismo os servos que teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no capitalismo seria a classe operária pela burguesia.

(MATERIALISMO HISTÓRICO, 2020)

 

O materialismo histórico é uma tese do marxismo, segundo a qual o modo de produção da vida material, em última instância, cria as condições dentro das quais se desenvolve o conjunto da vida social, política e espiritual. É um método de compreensão e análise da história, das lutas e das evoluções econômicas e políticas. Essa tese foi definida e utilizada por Karl Marx (em O 18 do Brumário de Luis Bonaparte, O capital), Friedrich Engels (Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico).

(MATERIALISMO, 2013)

2. Origem:

A teoria do materialismo histórico foi elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels durante o período de 1818 a 1883. No século XIX, a Europa passou por uma fase de grande expansão industrial, o que evidenciou ainda mais as diferenças entre as classes sociais existentes e causou grande impacto de âmbito social e político. Antes da elaboração da teoria do materialismo histórico, a história era vista como uma sucessão de fatos e eventos desconexos que aconteciam quase que acidentalmente. Através do método marxista dessa teoria, pela primeira vez a história foi analisada com fundamentos científicos que afirmavam que as razões das alterações sociais não estavam no cérebro humano (ideias e pensamentos), mas sim no modo de produção. A concepção materialista da história concluiu que os modos de produção de materiais são fundamentais para a relação entre as pessoas e consequentemente para o desenvolvimento da sociedade e da história.

(SIGNIFICADOS, 2021)

3. Objeto de estudo: O Capitalismo

Sistema socioeconômico que se desenvolveu na Europa com a crise do feudalismo e se expandiu econômica e territorialmente pelo mundo a partir do século XVI. Desde então vem se transformando no que tange às relações de produção e de trabalho, às tecnologias empregadas e à doutrinas que orientam seu funcionamento. É também chamado de economia de mercado.

A Evolução do Capitalismo:

 

4. Fundamentos:

O materialismo histórico, pensamento desenvolvido por Karl Marx, fundamenta-se, inicialmente, na análise da realidade a partir da teoria da infraestrutura e superestrutura que circundam um determinado modo de produção. Isto significa dizer que a história sempre está ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condições concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas raízes do mundo material, organizado por todos aqueles que compõem a sociedade. Os modos de produção são históricos e devem ser interpretados como uma maneira que os homens encontraram, em suas relações, para se desenvolver e dar continuidade à espécie.

(MATERIALISMO HISTÓRICO, 2020)

 

Infraestrutura e Superestrutura:

A partir do materialismo histórico, Marx desenvolveu dois conceitos importantes para compreensão da organização da sociedade capitalista e sua estrutura social, apontando a sociedade como composta por dois elementos fundamentais: a) a infraestrutura, e b) a superestrutura.

  • Infraestrutura – de acordo com BODART (2016), para Marx, a infraestrutura constitui o conjunto onde está a base econômica da sociedade; portanto a economia, as formas de produção, as relações de produção e as relações de trabalho, estas marcadas pela exploração da força de trabalho no interior do processo de acumulação capitalista. A infraestrutura, assim, constitui o conjunto formado pela matéria-prima, pelos meios de produção e pelos próprios trabalhadores (onde se dão as relações de produção: empregados-empregados, patrões-empregados).
  • Superestrutura – é a projeção, a expressão cultural, das formas e relações de produção; ou seja, é a expressão cultural da infraestrutura. Assim, a superestrutura é fruto de estratégias dos grupos dominantes para a consolidação e perpetuação de seu domínio econômico, político e social. É composta pela estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica (Estado, Religião, Artes, meios de comunicação, etc.)

BODART (2016)

 

Luta de Classes:

Luta de classes, ou lutas de classes, no plural, refere-se a um fenômeno social de tensão ou antagonismo que existe entre pessoas ou grupos de diferentes classes sociais devido aos competitivos interesses socioeconômicos e desejos dessas pessoas diante da lógica do modo de produção capitalista, dando forma a um conflito que se expressa nos campos econômico, ideológico e político que é a norma na história humana.[1] A visão de que a luta de classes fornece a alavanca para mudanças sociais radicais para a maioria, é fundamental nos trabalhos de Karl Marx e do anarquista Mikhail Bakunin.

(LUTA DE CLASSES, 2021)

 

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação.

(MARX, 1993, p. 72)

 

Valor-trabalho:

A teoria do valor-trabalho parte da ideia de que a atividade econômica é essencialmente coletiva. Portanto, o valor econômico de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho que, em média, é necessário para a produzir, incluindo aí todo o trabalho anterior (para produzir suas as matérias primas, máquinas, etc). Em consequência, o preço de uma mercadoria deve reproduzir a quantidade de trabalho nela colocado, sendo o trabalho o único elemento que realmente gera valor. Num exemplo clássico entre os teóricos do valor-trabalho, a razão pela qual um diamante é mais valioso que um copo de água é porque é requerido, certamente, mais trabalho em encontrar e extrair um diamante do que um copo de água. Não pode-se confundir essa teoria com a lei da oferta e demanda. O valor-trabalho, por Karl Marx, é colocado tanto em seu aspecto quantitativo quanto qualitativo, sendo esse no capitalismo abandonado, devido à transformação de coisas em mercadoria.

(TEORIA DO VALOR-TRABALHO, 2019)

 

Alienação do trabalho:

O conceito de alienação é histórico. A história afirma que o homem evoluiu de acordo com seu trabalho. Portanto, a principal característica do homem é a sua criatividade de procurar soluções para seus problemas. Com a prática do trabalho, desenvolve seu raciocínio, aprende “novas lições” e coloca-as em prática. A alienação no trabalho é gerada devido à mercadoria, que são os produtos confeccionados pelos trabalhadores explorados, e ao lucro, que vem a ser a usurpação do trabalhador para que mais mercadorias sejam produzidas e vendidas acima do preço investido no trabalhador, assim rompendo o homem de si mesmo. “A atividade produtiva é, portanto, a fonte da consciência, e a ‘consciência alienada’ é o reflexo da atividade alienada ou da alienação da atividade, isto é, da auto alienação do trabalho”.

No entanto, a produção depende do consumo e vice-versa. Sendo que o consumo produz a produção, e sem o consumo o trabalhador não produz. A produção consome a força de trabalho, também sustentando o consumo, pois cada mercadoria consumida vira uma mercadoria a ser produzida. Por conseguinte, ao se consumir de um produto que não é por si produzido, se fecha o ciclo de alienação. Pois, quando um produto é comprado, estará alimentando pessoas por um lado, e por outro colaborando com sua alienação e suas respectivas explorações. Onde quer que o capital imponha relações entre mercadorias, a alienação se manifesta; é a relação social engendrada pelo capital, seu jeito de ser humano.

(ALIENAÇÃO, 2015)

 

5. O Materialismo Histórico x Materialismo Dialético: A crítica à o Idealismo Hegeliano:

O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica é política e á qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não ê a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época-de revolução social.

(MARX, 2006)

 

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

(BRUMÁRIO, p. 6)

 

A mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impede de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessária pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico.
(MARX, 1946)

6. Causas da crise do capitalismo segundo Marx:

Segundo Marx, a crise do capitalismo não deriva da causas contingentes, mas da sua própria natureza.

A crise se dá porque o desenvolvimento técnico-científico promovido pelo capitalismo para aumentar a extração de mais-valia entra em contradição com a propriedade privada dos meios de produção. O capitalista só pode encerrar o ciclo econômico de sua atividade em busca de lucro quando as mercadorias chegam ao mercado e são consumidas por proprietários de dinheiro. Contudo, em uma sociedade capitalista, a maioria dos consumidores são necessariamente operários, pois a posição social da burguesia é restrita à uma minoria que detém a propriedade monopólica dos meios de produção. Como a tendência do capitalismo é produzir cada vez mais mercadorias em cada vez menos tempo graças à ciência e a tecnologia, o aumento da produtividade resulta na substituição de trabalhadores por máquinas e, portanto, em desemprego crescente e mercado consumidor decrescente. As crises econômicas são manifestações cíclicas e periódicas deste conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas (ciência e tecnologia gerando mais-valia e, portanto, expandindo o lucro) e as relações de produção (mais-valia gerando mais desemprego e, portanto, impedindo o lucro), evidenciando que o capitalismo não é natural nem eterno, mas uma sociedade historicamente limitada e transitória.

(MEDEIROS, pág. 188)

7. A Práxis Revolucionária:

Nas Teses sobre Feuerbach, em A Ideologia Alemã e em A Sagrada Família (livro), Karl Marx desenvolve o conceito de práxis ao criticar o materialismo e o idealismo.

O materialismo, diz ele, vê os homens como determinados pelas circunstâncias (econômicas, sociais, naturais) enquanto o idealismo vê os homens como determinados pelas ideias (pensamentos, vontades, desejos, em suma, o ímpeto ativo do ser humano). Os materialistas afirmam que os homens mudam porque novas circunstâncias fazem-nos mudar, enquanto os idealistas afirmam que os homens mudam porque a educação de novas ideias e novos desejos fazem-nos mudar.

A crítica de Marx é que o materialismo “esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos”, enquanto o idealismo “esquece que o educador tem ele próprio de ser educado”. Então, necessariamente, para mudar os homens, o idealista educador quer introduzir suas ideias de cima (de fora), assim como o materialista quer alterar as circunstâncias de fora. Desse modo, tanto o materialismo quanto o idealismo reproduzem a estrutura da sociedade de classes (a exploração do homem pelo homem). Neste ponto, Marx introduz o seu conceito de práxis revolucionária: “a coincidência da transformação das circunstâncias com a atividade humana”.

A práxis revolucionária é então uma atividade teórico-prática em que a teoria se modifica constantemente com a experiência prática, que por sua vez se modifica constantemente com a teoria. A práxis é entendida como a atividade de transformação das circunstâncias, as quais nos determinam a formar ideias, desejos, vontades, teorias, que, por sua vez, simultaneamente, nos determinam a criar na prática novas circunstâncias e assim por diante, de modo que nem a teoria se cristaliza como um dogma e nem a prática se cristaliza numa alienação. Pode-se dizer que o conceito de práxis revolucionária é uma relação entre teoria e prática coerente com a ideia de Marx de uma sociedade sem exploração, uma livre associação de produtores.

(PRÁXIS, 2012)

 


II – OBSERVAÇÕES CRÍTICAS


De uma forma geral para Marx o ser humano é um ser social definido por meio das condições de vida que lhe são impostas, sendo estas por sua vez, definidas essencialmente por uma classe dominante – a classe burguesa – que estrutura e explora uma classe explorada – a proletária. A estrutura do capitalismo consiste essencialmente da exploração de uma classe por outra, tendo em vista como objetivo desta última, o lucro. Trata-se portanto de uma relação de classes em que uma das partes está sempre a se beneficiar da outra que produz e que  também consome direta ou indiretamente aquilo que produz. Essa relação entre as classes de tempos em tempos entra em crise, principalmente, quando a parte explorada vê seus recursos reduzidos à tal ponto que compromete o consumo que sustenta toda a estrutura. Pode-se dizer que por esse motivo, o capitalismo é uma economia insustentável cuja história – amplamente estudada por Marx – prova que os períodos de crise provocaram ajustes dos meios e das relações de produção sem, entretanto, mudar a relação entre as classes.

É importante destacar que o capitalismo em si têm e vêm sofrido mutações ao longo da história, mutações essas que não poderiam ter sido previstas por Marx, falecido em 1883 aos 64 anos. Entretanto, a dinâmica do movimento capitalista ainda persiste nas estruturas de poder e nas relações entre as classes sociais. Sua crítica ao capitalismo, e principalmente, a previsão inevitável de sua queda, parte do princípio de que o problema do capitalismo está em sua própria natureza, como já falamos, em função de sua insustentabilidade. Não há como negar de que a crise do capitalismo prevista por Marx só vêm se agravando, uma vez que uma parcela cada vez menor da população mundial detém cada vez mais uma parte maior dos recursos de produção, financeiros e naturais mundiais. O achatamento da pirâmide da desigualdade social percebida mundialmente é prova disso. É claro que algumas das caracterizações feitas por Marx do sistema capitalista do século XIX são objetos de críticas quando comparadas com as características do sistema capitalista “mutante” do século XXI por exemplo. O que Marx fez assim, foi um retrato e caracterização do sistema capitalista de sua época, por esse motivo, o que mais interessa nesse trabalho não são as caracterizações e descrições do sistema capitalista, mas sim a descrição da dinâmica do movimento desse sistema.

Para entender assim a dinâmica de movimento do sistema capitalista é preciso verificar os pressupostos filosóficos que Marx utilizou para construir a fundamentação de sua crítica.

 


III – PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS


Um dos pressupostos filosóficos que orientou Marx em direção aos estudo dos movimentos e relações sociais é o idealismo de Hegel. Para Hegel essencialmente, as circunstâncias de vida de uma sociedade é reflexo do somatório da consciência dos indivíduos que a constitui. Marx vêm a contrapor o idealismo de Hegel, afirmando que o ser humano é um ser social cuja consciência é definida pelas circunstâncias de vida que lhe são impostas pela sociedade da qual faz parte. O Materialismo histórico é, portanto, a caracterização de um sistema em que as condições de vida são produzidas e reproduzidas por uma classe dominante sobre uma classe explorada, definindo por meio de uma ideologia a consciência dos indivíduos de uma sociedade e assegurando assim, a perpetuação do sistema.

Uma das principais objeções que se faz é em relação ao aspecto determinístico dessa estrutura. Em outras palavras, se as circunstâncias de vida determinam a consciência dos indivíduos de uma sociedade de forma a garantir a reprodução dessas circunstâncias – de acordo com os interesses das classes dominantes – então entende-se que o indivíduo não possui livre arbítrio, e cuja existência já é previamente condicionada determinada pelo sistema.

O conflito existente parece ser: se a descrição da dinâmica do movimento capitalista de Marx está correta, então efetivamente os indivíduos de uma sociedade capitalista possuem uma existência determinística? Por outro lado, se o idealismo de Hegel está correto, por que não observa-se uma ruptura e mudança do sistema capitalista em favor de um equilíbrio na distribuição dos recursos entre as classes? Em outras palavras, se Marx está certo, se são as circunstâncias de vida que definem o indivíduo, então o capitalismo inevitavelmente irá acabar e não há nada que possamos fazer. Ou então, o contrário, se o idealismo de Hegel está correto, por que os fatos históricos e empíricos não demonstram mudanças na sociedade que apontem uma nova direção para o capitalismo (ou em direção à um outro novo sistema) ?

Para Marx, a dialética não é uma dialética de consciência dos indivíduos – como defende Hegel – cujo conflito levaria à formação de uma “nova consciência”, determinando assim novas circunstâncias de vida. Para Marx, a dialética é materialista e histórica, as contradições se encontram nas próprias condições de vida, cujo conflito e síntese levaria naturalmente à uma nova estrutura de condição de vida, o comunismo, enquanto evolução natural do socialismo. O fato do capitalismo ainda não ter colapsado, torna a proposta de Marx essencialmente teórica, e por esse motivo, sem confrontação com uma realidade ainda não existente, tornando-a assim mais suscetível à objeções.

Entretanto, há de se investigar mais a fundo se a proposta de solução Marx ao capitalismo não está fundamentada no item 7 descrito anteriormente, quando trata da “PRAXIS REVOLUCIONÁRIA”. Ou então, se esse pressuposto não poderia levar a formulação de outras teorias sociais que visando resolver os problemas do capitalismo.

Recapitulando:

  • O idealismo de Hegel defendia que as ideias (consciência) do homem define suas condições de vida;
  • Marx observou que o que ocorre, no sistema capitalista ao longo de toda sua história é o contrário: é as condições de vida que definem as ideias (consciência) do homem;
  • Na “Práxis Revolucionária” (que necessita ser mais amplamente pesquisada), Marx parece defender uma síntese entre o idealismo de Hegel e sua visão do materialismo histórico: o sistema seria retroalimentado, ou seja, a consciência do homem define as condições de vida, que por sua vez alteram a consciência do homem, levando à ações que acabam por reformular suas condições de vida, reiniciando assim o ciclo;

O conceito apresentado pela Práxis revolucionária parece fazer sentido, uma vez em que observa-se no sistema capitalista contemporâneo algumas mudanças de caráter econômico, político e social que parecem não reproduzir a estrutura e o modelo definido pelas classes dominantes. Exemplo disso são as economias digitais, que em espaços de tempo substancialmente menores que os observados em economias tradicionais, conseguiram obter espaço e poder na ainda maiores dentro da economia mundial. Ainda assim, apesar de parecer que as novas economias digitais somente reproduzem a mesma estrutura – com a diferença de apenas de colocar novas classes dominantes no poder – à ascensão destas novas economias não parecem ter sido consequência da ação das classes dominantes de economias tradicionais (até por que muitas delas quebraram).

O pressupostos de retroalimentação da práxis revolucionária: consciência que define forma de vida, que redefine a consciência e que reformula as formas de vida parece caminhar em direção à formas de pensamento mais sustentáveis, como o pensamento sistêmico por exemplo.

Assim, se as propostas de Marx de solução ao capitalismo têm como base essa práxis e não somente um novo modelo socioeconômico, consequência de uma evolução natural do sistema capitalista, então entende-se que é possível não somente pensar em novas estruturas socioeconômicas bem como talvez seja possível também corrigir o rumo da estrutura capitalista atual. No conceito da práxis revolucionária, fugimos de uma concepção determinística em direção à uma que parece ser mais consistente: a de uma retroalimentação entre teoria e prática. Ou seja, a ideia da práxis é incompatível com a ideia determinista de colapso do capitalismo. Percebe-se, portanto, a importância da compreensão dos pressupostos teóricos considerados por Marx, pois por meio de um deles ele conseguiu retratar um modelo socioeconômico cultural que, de fato, está novamente em declínio como o próprio havia previsto. Por outro lado, o pressuposto sobre o qual Marx parece se apoiar para propor uma solução ao sistema colapsado parece possibilitar ao mesmo tempo uma correção de rumo desse próprio sistema.

 


REFERÊNCIAS

MARX, Karl. A ideologia alemã. 9ª ed. São Paulo: Hucitec, 1993.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política / Karl Marx: tradução e introdução de Florestan Fernandes – 2. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2006. 288 p.

MARX, Karl. El Capital, 3 tomos. México: Fundo de Cultura Econômica, 1946, tomo I, p. 18. Apud IANNI, Octavio. Dialética e capitalismo – ensaio sobre o pensamento de Marx. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 11.

MEDEIROS, Jonas Marcondes Sarubi. Manual de filosofia política / Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros et al. / Flamarion Caldeira Ramos; Rúrion Melo; Yara Frateschi orgs. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação 2021. 376 p.

NETTO, José Paulo. Introdução ao Método de Marx (primeira parte) – PPGPS/SER/UnB, 19/04/2016. Disponível em: <https://youtu.be/2WndNoqRiq8> Acessado em: 05 dez. 2021.

BODART, Cristiano das Neves. Infraestrutura e superestrutura em Marx. Blog Café com Sociologia. com. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/infraestrutura-e-superestrutura-em-marx/. Acesso em: 07 dez. 2021.

MATERIALISMO HISTÓRICO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Materialismo_hist%C3%B3rico&oldid=62444056>. Acesso em: 05 dez. 2021.

MATERIALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Materialismo&oldid=62444186>. Acesso em: 05 dez. 2021.

TEORIA DO VALOR-TRABALHO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Teoria_do_valor-trabalho&oldid=60004811>. Acesso em: 05 dez. 2021.

ALIENAÇÃO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Aliena%C3%A7%C3%A3o_(marxismo)&oldid=61949883>. Acesso em: 05 dez. 2021.

LUTA DE CLASSES. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Luta_de_classes&oldid=62444050>. Acesso em: 05 dez. 2021.

PRÁXIS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pr%C3%A1xis&oldid=59171951>. Acesso em: 05 dez. 2021.

SIGNIFICADOS. In: SIGNIFICADOS.COM.BR. Disponível em: <https://www.significados.com.br/materialismo-historico/> Acessado em: 05 dez. 2021.

 

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