Extraído de:
Fonte: GUIA PARA ELABORAÇÃO DE TRABALHOS ACADÊMICOS EM FILOSOFIA
Autor: Mauro César de Castro
FACULDADE DOM LUCIANO MENDES, 2017
2.6 Artigo científico
Lakatos e Marconi (1992, p. 84) definem:
Os artigos científicos são pequenos estudos, porém completos, que tratam de uma questão verdadeiramente científica, mas que não se constituem em matéria de um livro.
Apresentam o resultado de estudos ou pesquisas e distinguem-se dos diferentes tipos de trabalhos científicos pela sua reduzida dimensão e conteúdo.
São publicados em revistas ou periódicos especializados […].
A ABNT (NBR 6022: 2003) oferece as normas gerais para publicação de artigos científicos, contudo, o autor, ao submeter um artigo à aprovação de um periódico, deve procurar observar as exigências específicas deste.
Diferentes modelos de artigo científico são possíveis segundo o conteúdo, o método e a área de pesquisa. Em Filosofia, os principais são:
a) historiográfico: expõe a leitura de um tema ao longo da história do pensamento ou no percurso da obra de determinado autor; contribui para a identificação das diferenciações e/ou identificações entre várias abordagens de um mesmo tema; o desafio deste modelo reside na conciliação entre abrangência (ampla consideração histórica) e brevidade (limite de um artigo) sem recair na superficialidade;21
b) temático analítico: analisa um tema em um determinado autor ou obra, baseado no modo de compreensão intrínseco ao próprio texto; contribui para a clarificação conceitual e da estrutura interna do texto; exige a observância da objetividade e da fidelidade ao texto;
c) temático interpretativo: discute um tema em um determinado autor ou obra a partir de uma chave hermenêutica específica e adequada à melhor compreensão do mesmo; contribui para uma leitura original do objeto de estudo e para o avanço da discussão; seu desafio consiste na pertinência e coerência do modo interpretativo proposto;
d) estado da arte: situa o estado de conhecimento de uma questão em determinada área através de uma revisão crítica do que já foi produzido e do que há ainda a ser investigado, por isso é um estado da arte ou status quaestionis; tem o mérito de evitar debates repetitivos e de identificar lacunas e perspectivas, permitindo o avanço da pesquisa; exige uma compreensão vasta da situação atual da pesquisa;
e) sistemático: organiza diversos aspectos relacionados a um tema ou questão em busca de uma compreensão geral do objeto estudado, descobrindo e ordenando as relações entre as partes; contribui para uma visão de conjunto, conjugando o geral e o específico dentro de um todo discursivo; tem como desafio evitar as conexões precipitadas e as generalizações reducionistas
2.2 Regras gerais
Os itens descritos a seguir são os principais que compõem no todo ou em parte a maioria dos tipos de trabalhos, por isso serão apresentados em âmbito geral e depois, nos subtópicos correspondentes a cada tipo de trabalho, serão indicados quais itens os estruturam e suas especificidades.
2.2.1 Título
O título do trabalho deve explicitar seu conteúdo com o máximo de precisão, de tal forma que o leitor possa identificar imediatamente do que se trata o trabalho. Pode ser elaborado também um subtítulo para delimitar o subtema ou a abordagem do assunto. O título deve ser elaborado pelo pesquisador depois que o tema tiver sido definido ou, melhor ainda, depois que o trabalho tiver sido concluído, a fim de que seja totalmente coerente com o mesmo. Não confundir título (o enunciado do trabalho) com tema (o objeto de pesquisa). Estes critérios também são válidos para a titulação dos tópicos e subtópicos.
2.2.2 Resumo
O resumo cumpre o papel de permitir ao leitor uma visão concisa dos pontos mais relevantes do conteúdo de um texto. A ABNT (NBR 6028: 2003) distingue três tipos de resumo:
a) indicativo: indica apenas os pontos principais do documento, sem dados qualitativos e quantitativos, não dispensando a consulta ao original;
b) informativo: informa o objetivo, a metodologia, os resultados e as conclusões do documento, podendo dispensar a consulta ao original;
c) crítico: análise crítica de um documento, também chamado de resenha ou recensão.
No artigo científico e na monografia, o resumo formulado é o indicativo e é um dos elementos pré-textuais. É seguido das palavras-chave (cerca de 5), isto é, palavras representativas do conteúdo do texto.
Quanto ao estilo, o resumo deve ser formulado observando-se os seguintes critérios:
a) redigido em parágrafo único;
b) a primeira frase deve explicar o tema principal do documento;
c) a seguir, deve-se informar o tipo de tratamento (dissertação, narrativa, estudo de caso etc.);
d) usar frases concisas e afirmativas;
e) usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular;
Quanto à extensão, os resumos devem ter:
150 a 500 palavras | em trabalhos acadêmicos |
100 a 250 palavras | em artigos de periódicos |
50 a 100 palavras | destinados a indicações breves |
2.2.3 Introdução
A introdução deve dar uma visão geral do trabalho. Basicamente, consiste em responder:
a) O que? – delimitação do tema e problematização;
b) Por que? – justificativa;
c) Para que? – objetivos;
d) Como? – metodologia.
Respondendo essas perguntas e concatenando as ideias de modo lógico, um caminho argumentativo pode ser traçado na introdução: o que a pesquisa aborda é um tema relacionado a determinado problema; porque se justifica por certos fatores e pela pertinência do problema; então, a pesquisa é realizada para alcançar alguns objetivos; como caminho de realização, adota-se uma metodologia adequada.
O tamanho da introdução deve ser proporcional ao tamanho do trabalho. O texto pode ser dividido em parágrafos correspondentes a cada um dos itens apontados acima; geralmente não se usa subtópicos (embora opcionais), exceto para os objetivos, que podem vir elencados através de alíneas. Não é recomendável o uso de citações na introdução, pois se pressupõe que ela expresse ideias de autoria do próprio autor do trabalho e a fundamentação das mesmas será apresentada no desenvolvimento, a não ser que seja imprescindível (por exemplo, se está problematizando a interpretação de uma citação de determinado filósofo).
A introdução e a conclusão são a “moldura” de um trabalho e merecem uma atenção especial por parte do autor tanto em relação à metodologia quanto ao estilo. Quanto ao estilo, respeitadas as idiossincrasias do pesquisador, deve-se levar em consideração que a introdução precisa instigar o interesse do leitor em conhecer a pesquisa realizada.
2.2.4 Tema
O tema define qual é o objeto de estudo pesquisado. Conforme as circunstâncias, a pesquisa poderá focar o objeto como um todo ou alguns aspectos específicos do mesmo, ou seja, alguns subtemas – e isto se refletirá na estrutura do trabalho pela divisão de tópicos e subtópicos a serem desenvolvidos. O tema deve ser apresentado e delimitado com precisão, pois a partir dele toda a pesquisa se desenvolverá.
A delimitação do tema se dá através de:
a) definições conceituais (em que sentido e extensão os conceitos serão abordados);
b) caracterização do objeto (uma compreensão preliminar do mesmo);
c) elaboração do problema (o que está em questão).
2.2.5 Problematização
O que leva alguém a pesquisar um assunto? E o que leva alguém a consultar os resultados de uma pesquisa? Ora, a curiosidade e a intenção de resolver um problema. Então, a problematização consiste em apresentar o que gera a curiosidade sobre o tema e com quais problemas o autor se deparou e que o levaram a empreender a pesquisa.
A problematização confere o caráter investigativo à pesquisa. São questões a serem discutidas e podem ser apresentadas em forma de perguntas – e uma vez levantadas as perguntas, elas deverão ser respondidas. A problematização também gera os objetivos da pesquisa. Sem se apontar um problema, não há razão de se empreender uma pesquisa, já que não há o que ser alcançado. Nesta parte podem também ser apresentadas hipóteses.
Na problematização, pode se apontar o estado da arte (retomada das principais discussões já empreendidas em torno ao problema elaborado e as respostas já propostas, as quais poderão ser apontadas como hipóteses a serem confirmadas) e o referencial teórico (a área e a corrente de pensamento adotados pelo autor do trabalho para interpretação do tema, podendo optar por determinadas interpretações). Isso auxilia a demonstrar a pertinência do problema a ser discutido.
2.2.6 Justificativa
A justificativa demonstra a importância da pesquisa. Esta é relativa a cada área de conhecimento e às suas circunstâncias. Em geral, uma pesquisa se justifica por um ou mais destes elementos: relevância, utilidade, aplicação, contribuição, viabilidade, divulgação, novidade, interesse etc.
Não confundir justificativa (razão pela qual se faz necessário obter resultados) com objetivos (os resultados que se pretendem alcançar).
Deve-se evitar conferir à justificativa um tom demasiadamente subjetivo, pois o trabalho acadêmico tem por natureza o propósito de partilhar conhecimento e de ser importante para um grupo de pessoas. Justificativas subjetivas são secundárias. Também não se deve justificar utilizando a primeira pessoa do singular.
2.2.7 Objetivos
Os objetivos consistem nos resultados a serem alcançados com a pesquisa. Em relação à problematização, os objetivos pretendem responder as perguntas levantadas; sendo assim, pode se elaborar um objetivo correspondente a cada pergunta. Deve se ter em vista que os objetivos possam ser cumpridos através dos instrumentos e procedimentos a serem utilizados na pesquisa no tempo previsto para sua conclusão. Assim, eles serão retomados na conclusão do trabalho.
Os objetivos podem ser divididos em objetivo geral (apenas um) e objetivos específicos (cuja quantidade deve ser prudente, preferencialmente até três). O objetivo geral abarca o tema como um todo e os específicos, os subtemas; o resultado do objetivo geral é o conjunto dos resultados dos objetivos específicos.
Eles devem ser apresentados de modo claro e breve, utilizando-se verbos no infinitivo obrigatoriamente. Cada objetivo deve conter apenas um verbo e não deve ser justificado (isto será feito à parte). Devem ser mensuráveis e não se devem confundir os resultados a serem alcançados (o conhecimento a ser adquirido) com a aplicação dos resultados (a conscientização, a transformação etc.), já que esta extrapola a capacidade do trabalho.
Michel (2009, p. 120) sugere o uso dos seguintes verbos:
para obter, aumentar conhecimento: apontar, arrolar, enunciar, inscrever, registrar, relatar, identificar, investigar;
para gerar compreensão, discussão: descrever, discutir, esclarecer, examinar, explicar, expressar, identificar, localizar, traduzir, transcrever, investigar;
para fazer análises: analisar, classificar, comparar, constatar, criticar, debater, diferenciar, provar, distinguir, examinar, investigar, discutir, traçar perfil, identificar, avaliar;
para fazer sínteses: articular, compor, constituir, coordenar, reunir, organizar, esquematizar;
para fazer avaliações: apreciar, avaliar, eliminar, escolher, estimar, julgar, preferir, selecionar, validar;
para propor aplicação, implantação: aplicar, demonstrar, empregar, ilustrar, interpretar, inventariar, traçar, praticar, usar, propor a implantação, criar um modelo.
Um procedimento metodológico que pode ser adotado na elaboração do trabalho é seguir a seguinte correspondência: para cada subtema, uma pergunta; para cada pergunta, um objetivo específico; para cada objetivo específico, um capítulo; para cada capítulo, um parágrafo na conclusão; para cada parágrafo da conclusão, uma crítica.
2.2.8 Metodologia
A metodologia demonstra o caminho a ser percorrido no desenvolvimento do trabalho para que se possam alcançar os objetivos traçados. Constituem a metodologia:
a) métodos de abordagem: indutivo, dedutivo, hipotético, dialético, hermenêutico, fenomenológico etc.;
b) procedimentos: comparativo, histórico, estatístico, analítico, experimental, observacional etc.;
c) instrumentos: documentos, bibliografia, entrevistas, estudo de caso etc.;
d) etapas: fases, seções etc.
Os elementos apontados acima não são exaustivos, podendo o autor do trabalho recorrer a outros que julgar apropriados. Cada um deles atende de modo mais ou menos adequado a cada área de conhecimento e podem ser combinados de diversas formas. A metodologia deve ser definida conforme os objetivos e ser suficiente para alcançá-los, tornando a pesquisa viável. Em Filosofia, dados quantitativos são pouco relevantes, então a pesquisa é predominantemente de caráter qualitativo e se apoia sobretudo em fontes bibliográficas.
2.2.9 Desenvolvimento
O desenvolvimento é a parte mais extensa do trabalho. Deve ser dividido em seções (capítulos, tópicos e subtópicos conforme o tipo de trabalho), a critério do autor, observando-se princípios lógicos de argumentação.
O texto do desenvolvimento deve ser dissertativo, em linguagem científica e segundo as normas cultas da língua. Pode ser escrito na forma impessoal ou na primeira pessoa do plural, sendo que a primeira comporta um grau de objetividade maior que a segunda. A forma escolhida pelo autor deve ser única em todo o trabalho, inclusive na introdução e na conclusão. O tempo verbal recomendável é o presente do indicativo, podendo variar, contudo, conforme as especificidades da pesquisa.
Nunca se deve utilizar o título “Desenvolvimento” no trabalho, e sim o título das seções.
2.2.10 Conclusão
A introdução e a conclusão (como já dito acima) são a “moldura” do trabalho e atestam o êxito ou não da pesquisa realizada. Elas estão diretamente relacionadas. Na conclusão, o autor irá verificar se as perguntas foram respondidas, se as hipóteses (se houver) foram confirmadas e se os objetivos foram alcançados, bem como irá avaliar os resultados, podendo indicar novas perguntas que surgiram ao longo da pesquisa, outras abordagens possíveis, sugestões para outras pesquisas e uma apreciação crítica. Portanto, a conclusão consiste, basicamente, em síntese (apresentação dos resultados) e crítica (discussão dos resultados).
Constatar, ao final da pesquisa, que os objetivos não foram cumpridos pode indicar inconsistência do trabalho, salvo se a ausência de respostas for em si mesma um resultado da pesquisa e estiver embasado em dados plausíveis, ou seja, a ausência de respostas não deve ser decorrente da ineficiência, mas pode se embasar na constatação da insuficiência de dados disponíveis, da complexidade do problema, de que os procedimentos adotados não são suficientes, de que há outras perspectivas que devem ser consideradas etc.
A conclusão é a parte do trabalho em que o posicionamento do autor mais se faz presente, porém deve-se conservar a objetividade. Mesmo ao apresentar suas apreciações, elas devem estar embasadas no desenvolvimento do trabalho, senão não passam de meras opiniões.
Assim como na introdução, não é recomendável fazer citações na conclusão, pois se espera que o autor do trabalho seja capaz de verificar por si mesmo os resultados. Além disso, os dados necessários para se concluir o trabalho devem ter sido suficientemente expostos no desenvolvimento, dispensando novas fundamentações.
2.2.11 Referências
Referências são as obras que embasam uma pesquisa – podem ser bibliográficas (livros, artigos etc.) ou de outra espécie (vídeos, arquivos etc.). Sua seleção deve ser coerente com a área de estudo, o objeto pesquisado e a abordagem escolhida. Obrigatoriamente devem ser fontes científicas – textos jornalísticos ou de opinião não têm validade argumentativa no ambiente acadêmico, embora possam ser utilizados em contextos específicos com outras funções. O grau de teor científico e de credibilidade das fontes implica na qualidade do trabalho.
As referências devem indicar somente as obras que foram citadas ao longo do trabalho, assim como toda citação feita deve ter sua respectiva referência incluída no final do mesmo. Isso confere cientificidade ao trabalho, uma vez que permite ao leitor averiguar as fontes utilizadas.
No caso específico do projeto de pesquisa, indicam-se as obras citadas na redação do projeto e aquelas mais relevantes que se pretende analisar no decorrer da pesquisa, ou seja, que compõem o referencial teórico.
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