T. Hobbes – Resumo Leviatã
Ubirajara T Schier
CAPÍTULO I – DA SENSAÇÃO
“E é a esta aparência, ou ilusão, que os homens chamam sensação; e consiste, no que se refere à visão, numa luz, ou cor figurada; em relação ao ouvido, num som, em relação ao olfato, num cheiro, em relação à língua e paladar, num sabor, e, em relação ao resto do corpo, em frio, calor, dureza, macieza, e outras qualidades, tantas quantas discernimos pelo sentir. Todas estas qualidades denominadas sensíveis estão no objeto que as causa, mas são muitos os movimentos da matéria que pressionam nossos órgãos de maneira diversa.” (HOBBES. pg.11)
“E muito embora, a uma certa distância, o próprio objeto real pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto é uma coisa, e a imagem ou ilusão uma outra. De tal modo que em todos os casos a sensação nada mais é do que a ilusão originária, causada (como disse) pela pressão, isto é, pelo movimento das coisas exteriores nos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos a isso determinados.” (HOBBES. pg.11)
COMENTÁRIOS: Em relação à sensação, Hobbes, a caracteriza como sendo uma percepção do movimento da matéria que não proporcionará um conhecimento do objeto real mas somente sua aparência percebida.
CAPÍTULO II – DA IMAGINAÇÃO
Imaginação:
“O mesmo acontece naquele movimento que se observa nas partes internas do homem, quando ele vê, sonha, etc., pois após a desaparição do objeto, ou quando os olhos estão fechados, conservamos ainda a imagem da coisa vista, embora mais obscura do que quando a vemos. E é a isto que os latinos chamam imaginação, por causa da imagem criada pela visão, e aplicam o mesmo termo, ainda que indevidamente, a todos os outros sentidos. Mas os gregos chamam-lhe fantasia, que significa aparência, e é tão adequado a um sentido como a outro. A imaginação nada mais é portanto senão uma sensação diminuída, e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros seres vivos, quer estejam adormecidos, quer estejam despertos.” (HOBBES. pg.11)
“Daqui se segue que quanto mais tempo decorrer desde a visão ou sensação de qualquer objeto, tanto mais fraca é a imaginação. Pois a contínua mudança do corpo do homem destrói com o tempo as partes que foram agitadas na sensação, de tal modo que a distância no tempo e no espaço têm ambas o mesmo efeito em nós. Pois tal como à distância no espaço os objetos para que olhamos nos aparecem minúsculos e indistintos em seus pormenores e as vozes se tornam fracas e inarticuladas, assim também, depois de uma grande distância de tempo, a nossa imaginação do passado é fraca e perdemos, por exemplo, muitos pormenores das cidades que vimos, das ruas, e muitas circunstâncias das ações. Esta sensação diminuída, quando queremos exprimir a própria coisa (isto é, a própria ilusão), denomina-se imaginação, como já disse anteriormente; mas, quando queremos exprimir a diminuição e significar que a sensação é evanescente, antiga e passada, denomina-se memória. Assim a imaginação e a memória são uma e a mesma coisa, que, por razões várias, tem nomes diferentes.” (HOBBES. pg.12)
Sonhos:
“As imaginações daqueles que se encontram adormecidos denominam-se sonhos. E também estas (tal como as outras imaginações) estiveram anteriormente, ou em sua totalidade ou parcialmente, na sensação. E porque, na sensação, o cérebro e os nervos, que constituem os órgãos necessários da sensação, estão de tal modo entorpecidos que não são facilmente agitados pela ação dos objetos externos, não pode haver no sono qualquer imaginação ou sonho que não provenha da agitação das partes internas do corpo do homem.” (HOBBES. pg.12)
Distinção entre Sensação e Sonho:
“E daqui se segue que é uma questão difícil, e talvez mesmo impossível, estabelecer uma distinção clara entre sensação e sonho. No que me diz respeito, quando observo que nos sonhos não penso muitas vezes nem constantemente nas mesmas pessoas, lugares, objetos, ações que ocupam o meu pensamento quando estou acordado, e que não recordo uma tão longa cadeia de pensamentos coerentes, sonhando como em outros momentos, e porque acordado observo muitas vezes o absurdo dos sonhos, mas nunca sonho com os absurdos de meus pensamentos despertos, contento-me com saber que, estando desperto, não sonho, muito embora, quando sonho, me julgue acordado.” (HOBBES. pg.12)
Da ignorância quanto à distinção entre sonhos e sensações:
“Desta ignorância quanto à distinção entre os sonhos, e outras ilusões fortes, e a visão e a sensação, surgiu, no passado, a maior parte da religião dos gentios, os quais adoravam sátiros, faunos, ninfas, e outros seres semelhantes, e nos nossos dias a opinião que a gente grosseira tem das fadas, fantasmas, e gnomos, e do poder das feiticeiras. Pois, no que se refere às feiticeiras, não penso que sua feitiçaria seja algum poder verdadeiro; mas contudo elas são justamente punidas, pela falsa crença que possuem, acrescentada ao seu objetivo de a praticarem se puderem, estando sua atividade mais próxima de uma nova religião do que de uma arte ou uma ciência.” (HOBBES. pg.13)
Quanto ao que cabe ao homem sensato:
“Cabe ao homem sensato só acreditar naquilo que a justa razão lhe apontar como crível. Se desaparecesse este temor supersticioso dos espíritos, e com ele os prognósticos tirados dos sonhos, as falsas profecias, e muitas outras coisas dele decorrentes, graças às quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade da gente simples, os homens estariam muito mais bem preparados do que agora para a obediência civil. E esta devia ser a tarefa das Escolas, mas elas pelo contrário alimentam tal doutrina. Pois (ignorando o que seja a imaginação, ou a sensação) aquilo que recebem, ensinam: uns dizendo que as imaginações surgem deles mesmos e não têm causa; outros afirmando que elas surgem mais comumente da vontade, e que os bons pensamentos são insuflados (inspirados) no homem por Deus, e os maus pensamentos pelo Diabo. Ou então que os bons pensamentos são despejados (infundidos) no homem por Deus, e os maus pensamentos pelo Diabo.” (HOBBES. pg.13)
“A imaginação que surge no homem (ou qualquer outra criatura dotada da faculdade de imaginar) pelas palavras, ou quaisquer outros sinais voluntários, é o que vulgarmente chamamos entendimento, e é comum ao homem e aos outros animais. Pois um cão treinado entenderá o chamamento ou a reprimenda do dono, e o mesmo acontece com outros animais.” (HOBBES. pg.13)
CAPÍTULO III – DA CONSEQUÊNCIA OU CADEIA DE IMAGINAÇÕES
Quanto à definição e tipos de cadeias de pensamentos:
“Quando o homem pensa seja no que for, o pensamento que se segue não é tão fortuito como poderia parecer. Não é qualquer pensamento que se segue indiferentemente a um pensamento.” (HOBBES. pg.14)
“Esta cadeia de pensamentos, ou discurso mental, é de dois tipos: O primeiro é livre, sem desígnio, e inconstante. Como quando não há um pensamento apaixonado para governar e dirigir aqueles que se lhe seguem, como fim ou meta de algum desejo, ou outra paixão. Neste caso diz-se que os pensamentos vagueiam, e parecem impertinentes uns aos outros, como acontece no sonho.” (HOBBES. pg.14)
“A segunda é mais constante por ser regulada por algum desejo ou desígnio. Pois a impressão feita por aquelas coisas que desejamos, ou receamos, é forte e permanente, ou (quando cessa por alguns momentos) de rápido retorno. É por vezes tão forte que impede e interrompe nosso sono. Do desejo surge o pensa mento de algum meio que vimos produzir algo de semelhante àquilo que almejamos e do pensamento disso, o pensamento de meios para aquele meio; e assim sucessivamente, até chegarmos a algum início dentre de nosso próprio poder. E porque o fim, pela grandeza da impressão, vem muitas vezes ao espírito, no caso de nossos pensamentos começarem a divagar, eles são rapidamente trazidos de novo ao caminho certo.” (HOBBES. pg.14)
Quanto às espécies das cadeias dos pensamentos regulados:
“A cadeia dos pensamentos regulados é de duas espécies: uma, quando, a partir de um efeito imaginado, procuramos as causas, ou meios que o produziram, e esta espécie é comum ao homem e aos outros animais; a outra é quando, imaginando seja o que for, procuramos todos os possíveis efeitos que podem por essa coisa ser produzidos ou, por outras palavras, imaginamos o que podemos fazer com ela, quando a tivermos. Desta espécie só tenho visto indícios no homem, pois se trata de uma curiosidade pouco provável na natureza de qualquer ser vivo que não tenha outras paixões além das sensuais, como por exemplo a fome, a sede, a lascívia e a cólera.” (HOBBES. pg.14)
“Sagacitas e Solertia“:
“Em suma, o discurso do espírito, quando é governado pelo desígnio, nada mais é do que procura, ou a capacidade de invenção, que os latinos denominaram sagacitas e solertia, uma busca das causas de algum efeito presente ou passado, ou dos efeitos de alguma causa passada ou presente.” (HOBBES. pg.14)
“reminiscentia”:
“Umas vezes o homem procura aquilo que perdeu, e daquele lugar e tempo em que sentiu a sua falta, o seu espírito volta atrás, de lugar em lugar, de momento em momento, a fim de encontrar onde e quando o tinha; ou, por outras palavras, para encontrar algum momento e lugar certo e limitado no qual possa começar um método de procura. Mais uma vez, daí os seus pensamentos percorrem os mesmos lugares e momentos, a fim de descobrir que ação, ou outra ocasião o podem ter feito perder. A isto chamamos recordarão, ou o ato de trazer ao espírito; os latinos chamavam-lhe reminiscentia, por se tratar de um reconhecimento das nossas ações passadas.” (HOBBES. pg.15)
Quanto às previsões decorrentes de experiências passadas motivadas pela prudência:
“Às vezes o homem deseja conhecer o acontecimento de uma ação, e então pensa em alguma ação semelhante no passado, e os acontecimentos dela, uns após os outros, supondo que acontecimentos semelhantes se devem seguir a ações semelhantes. Como aquele que prevê o que acontecerá a um criminoso reconhece aquilo que ele viu seguir-se de crimes semelhantes no passado, tendo esta ordem de pensamentos: o crime, o oficial de justiça, a prisão, o juiz e as galés. A este tipo de pensamentos se chama previsão, e prudência, ou providência, e algumas vezes sabedoria, embora tal conjetura, devido à dificuldade de observar todas as circunstâncias, seja muito falaciosa. Mas isto é certo: quanto mais experiência das coisas passadas tiver um homem, tanto mais prudente é, e suas previsões raramente falham.” (HOBBES. pg.15)
Quanto às diferenças entre presente, passado e futuro:
“Só o presente tem existência na natureza; as coisas passadas têm existência apenas na memória, mas as coisas que estão para vir não têm existência alguma, sendo o futuro apenas uma ficção do espírito, aplicando as conseqüências das ações passadas às ações que são presentes, o que é feito com muita certeza por aquele que tem mais experiência, mas não com a certeza suficiente.” (HOBBES. pg.15)
Da prudência à suposições, profecias e sabedoria:
“E muito embora se denomine prudência quando o acontecimento corresponde a nossa expectativa, contudo, em sua própria natureza, nada mais é do que suposição. Poisa previsão das coisas que estão para vir, que é providência, só compete àquele por cuja vontade as coisas devem acontecer. Dele apenas, e sobrenaturalmente, deriva a profecia. O melhor profeta naturalmente é o melhor adivinho, e o melhor adivinho aquele que é mais versado e erudito nas questões que adivinha, pois ele tem maior número de sinais pelos quais se guiar.” (HOBBES. pg.15)
“E portanto aquele que possuir mais experiência em qualquer tipo de assunto tem maior número de sinais por que se guiar para adivinhar os tempos futuros, e consequentemente é o mais prudente. E muito mais prudente do que aquele que é novato nesse assunto, desde que não seja igualado por qualquer vantagem de uma sabedoria natural e extemporária, muito embora os jovens possam pensar o contrário.” (HOBBES. pg.15)
Das habilidades inatas ao homem:
“Não há qualquer outro ato do espírito humano que eu possa lembrar, naturalmente implantado nele, que exija alguma coisa mais além do fato de ter nascido homem e de ter vivido com o uso de seus cinco sentidos. Aquelas outras faculdades das quais falarei a pouco e pouco, e que parecem características apenas do homem, são adquiridas e aumentadas com o estudo e a indústria, e são aprendidas pelo homem através da instrução e da disciplina, e procedem todas da invenção das palavras e do discurso.” (HOBBES. pg.15)
Quanto aos limites da percepção de todas as coisas:
“Seja o que for que imaginemos é finito. Portanto não existe qualquer ideia ou concepção, de algo que denominamos infinito. Nenhum homem pode ter em seu espírito uma imagem de magnitude infinita, nem conceber uma velocidade infinita, um tempo infinito, ou uma força infinita, ou um poder infinito. Quando dizemos que alguma coisa é infinita, queremos apenas dizer que não somos capazes de conceber os limites e fronteiras da coisa designada, não tendo concepção da coisa, mas de nossa própria incapacidade. Portanto o nome de Deus é usado, não para nos fazer concebê-lo (pois ele é incompreensível e sua grandeza e poder são inconcebíveis), mas para que o possamos venerar. Também porque (como disse antes) seja o que for que concebamos foi primeiro percebido pela sensação, quer tudo de uma vez, quer por partes.” (HOBBES. pg.16)
REFERÊNCIAS
HOBBES, Thomas de M. Leviatã. [tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva].
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