CAPÍTULO IV – DA LINGUAGEM
Quanto à definição e importância da Linguagem:
“Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelações e em suas conexões, pelas quais os homens registram seus pensamentos, os recordam depois de passarem, e também os usam entre si para a utilidade e conversa recíprocas, sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os leões, os ursos e os lobos.” (HOBBES. pg. 16)
Quanto ao uso geral da linguagem:
“O uso geral da linguagem consiste em passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou a cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de palavras. E isto com duas utilidades, uma das quais consiste em registrar as conseqüências de nossos pensamentos, os quais, podendo escapar de nossa memória e levar-nos deste modo a um novo trabalho, podem ser novamente recordados por aquelas palavras com que foram marcados. De maneira que a primeira utilização dos nomes consiste em servirem de marcas, ou notas de lembrança. Uma outra utilização consiste em significar, quando muitos usam as mesmas palavras (pela sua conexão e ordem), uns aos outros aquilo que concebem, ou pensam de cada assunto, e também aquilo que desejam, temem, ou aquilo por que experimentam alguma paixão. E devido a esta utilização são chamados sinais.” (HOBBES. pg.16)
Quanto aos usos especiais da linguagem:
“Os usos especiais da linguagem são os seguintes: em primeiro lugar, registrar aquilo que por cogitação descobrimos ser a causa de qualquer coisa, presente ou passada, e aquilo que achamos que as coisas presentes ou passadas podem produzir, ou causar, o que em suma é adquirir artes. Em segundo lugar, para mostrar aos outros aquele conhecimento que atingimos, ou seja, aconselhar e ensinar uns aos outros. Em terceiro lugar, para darmos a conhecer aos outros nossas vontades e objetivos, a fim de podermos obter sua ajuda. Em quarto lugar, para agradar e para nos deliciarmos, e aos outros, jogando com as palavras, por prazer e ornamento, de maneira inocente.” (HOBBES. pg. 16)
Quanto à finalidade:
“A linguagem serve para a recordação das conseqüências de causas e efeitos, através da imposição de nomes, e da conexão destes.” (HOBBES. pg.17)
“Por esta imposição de nomes, uns mais amplos, outros de significação mais restrita, transformamos o cálculo das conseqüências de coisas imaginadas no espírito num cálculo das conseqüências de apelações. Por exemplo, um homem que não possui qualquer uso da linguagem (como aquele que nasceu e permaneceu completamente surdo e mudo), se tiver diante dos olhos um triângulo e também dois ângulos retos (como os dos cantos de um quadrado), pode, através de medição, comparar e descobrir que os três ângulos daquele triângulo são iguais àqueles dois ângulos retos que estão ao lado. Mas, se lhe for mostrado um outro triângulo diferente do primeiro na forma, ele não pode saber sem um novo trabalho se os três ângulos desse triângulo são também iguais ao mesmo. Mas aquele que tem o uso das palavras, quando observa que tal igualdade era conseqüente, não do comprimento dos lados, nem de qualquer outro aspecto particular do triângulo, mas apenas do fato de os lados serem retos e os ângulos três, e de isso ser aquilo que o levava a denominar tal figura um triângulo, não hesitará em concluir universalmente que tal igualdade dos ângulos existe em todos os triângulos, sejam eles quais forem, e em registrar sua invenção nestes termos gerais: “Todo triângulo tem seus três ângulos iguais a dois ângulos retos”. E assim a conseqüência descoberta num caso particular passa a ser registrada e recordada, como uma regra universal, e alivia nosso cálculo mental do espaço e do tempo, e liberta-nos de todo o trabalho do espírito, economizando o primeiro, e faz que aquilo que se descobriu ser verdade aqui e agora seja verdade em todos os tempos e lugares.” (HOBBES. pg.17)
Quanto a linguagem enquanto causa para distinguir o verdadeiro do falso:
“Quando dois nomes estão ligados numa conseqüência, ou afirmação, como por exemplo ‘O homem é um ser vivo’, ou esta outra, ‘Se ele for um homem, é um ser vivo’, se o último nome ser vivo significar tudo o que o primeiro nome homem significa, então a afirmação, ou conseqüência, é verdadeira; de outro modo é falsa. Pois o verdadeiro e o falso são atributos da linguagem, e não das coisas. E onde não houver linguagem, não há nem verdade nem falsidade. Pode haver erro, como quando esperamos algo que não acontece, ou quando suspeitamos algo que não aconteceu, mas em nenhum destes casos se pode acusar um homem de inveracidade.” (HOBBES. pg.18)
Quanto à busca do conhecimento verdadeiro:
“Por aqui se vê como é necessário a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdadeiro examinar as definições dos primeiros autores, ou para corrigi-las, quando tiverem sido estabelecidas de maneira negligente, ou para apresentar as suas próprias. Pois os erros de definições se multiplicam à medida que o cálculo avança e conduzem os homens a absurdos, que finalmente descobrem, mas que não conseguem evitar sem calcular de novo, desde o princípio, no que reside a base de seus erros. De onde se segue que aqueles que acreditam nos livros procedem como aqueles que somam muitas pequenas somas numa maior, sem atentarem se essas pequenas somas foram ou não corretamente somadas; e finalmente encontrando o erro visível, e não duvidando das suas primeiras bases, não sabem que caminho seguir para se esclarecerem, mas gastam tempo azafamando-se em torno de seus livros, como aves que, entrando numa chaminé e vendo-se fechadas num quarto, adejam em torno da enganadora luz de uma janela, por não possuírem a sabedoria suficiente para atentarem por que caminho entraram. De tal modo que na correta definição de nomes reside o primeiro uso da linguagem, o qual consiste na aquisição de ciência; e na incorreta definição, ou na ausência de definições, reside o primeiro abuso, do qual resultam todas as doutrinas falsas e destituídas de sentido; o que torna aqueles homens que tiram sua instrução da autoridade dos livros, e não de sua própria meditação, tão inferiores à condição dos ignorantes, quanto são superiores a estes os homens revestidos de uma verdadeira ciência.” (HOBBES. pg.18)
“Pois entre a verdadeira ciência e as doutrinas errôneas situa-se a ignorância. A sensação e a imaginação naturais não estão sujeitas a absurdos. A natureza em si não pode errar; e à medida que os homens vão adquirindo uma abundância de linguagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente. Nem é possível sem letras que algum homem se torne ou extraordinariamente sábio, ou (amenos que sua memória seja atacada por doença, ou deficiente constituição dos órgãos) extraordinariamente louco. Pois as palavras são os calculadores dos sábios, que só com elas calculam; mas constituem a moeda dos loucos que a avaliam pela autoridade de um Aristóteles, de um Cícero, ou de um Tomás, ou de qualquer outro doutor que nada mais é do que um homem.” (HOBBES. pg.18)
CAPÍTULO V – DA RAZÃO E DA CIÊNCIA
Quanto à definição:
“Pois do mesmo modo que os aritméticos ensinam a adicionar e a subtrair com números, também os geômetras ensinam o mesmo com linhas, figuras (sólidas e superficiais), ângulos, proporções, tempos, graus de velocidade, força, poder, e outras coisas semelhantes. Os lógicos ensinam o mesmo com conseqüências de palavras, somando juntos dois nomes para fazer uma afirmação, e duas afirmações para fazer um silogismo, e muitos silogismos para fazer uma demonstração; e da soma, ou conclusão de um silogismo, subtraem uma proposição para encontrar a outra. Os escritores de política adicionam em conjunto pactos para descobrir os deveres dos homens, e os juristas leis e fatos para descobrir o que é certo e errado nas ações dos homens privados. Em suma, seja em que matéria for que houver lugar para a adição e para a subtração, há também lugar para a razão, e onde aquelas não tiverem o seu lugar, também a razão nada tem a fazer.
A partir do que podemos definir (isto é, determinar) que coisa é significada pela palavra razão, quando a contamos entre as faculdades do espírito. Pois razão, neste sentido, nada mais é do que cálculo (isto é, adição e subtração) das conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar nossos pensamentos. Digo marcar quando calculamos para nós próprios, e significar quando demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para os outros homens.” (HOBBES. pg.20)
Quanto ao uso e finalidade:
“O uso e finalidade da razão não é descobrir a soma, e a verdade de uma, ou várias conseqüências, afastadas das primeiras definições, e das estabelecidas significações de nomes, mas começar por estas e seguir de uma conseqüência para outra. Pois não pode haver certeza da última conclusão sem a certeza de todas aquelas afirmações e negações nas quais se baseou e das quais foi inferida. Como quando um chefe de família, ao fazer uma conta, adiciona as somas de todas as notas de despesa numa só soma, e não considerando de que modo cada nota foi feita por aqueles que lhe apresentaram a conta, nem aquilo que está pagando, procede como se aceitasse a conta total, confiando na habilidade e na honestidade dos contadores; do mesmo modo no raciocínio de todas as outras coisas, aquele que tira conclusões confiado em autores, e não as examina desde os primeiros itens em cada cálculo (os quais são as significações de nomes estabelecidas por definições) perde o seu esforço e nada fica sabendo; apenas julga que sabe.” (HOBBES. pg.20)
Quanto às causas de conclusões absurdas:
Atribuo a primeira causa das conclusões absurdas à falta de método, pelo fato de não começarem seu raciocínio com definições, isto é, com estabelecidas significações de suas palavras, como se pudessem contar sem conhecer o valor das palavras numerais, um, dois, e três.
E atendendo a que todos os corpos entram em conta sob diversas considerações (que mencionei no capítulo precedente); sendo estas considerações designadas de maneira diferente, vários absurdos decorrem da confusão e da inadequada conexão de seus nomes em asserções. E portanto:
A segunda causa das asserções absurdas é por mim atribuída ao fato de se darem aos acidentes nomes de corpos, ou aos corpos nomes de acidentes, como fazem aqueles que dizem “a fé é infundida, ou inspirada”, quando nada pode ser infundido ou insuflado, a não ser no corpo, ou os que dizem que a extensão é corpo, e que os fantasmas são espíritos, etc.
Atribuo a terceira ao fato de se darem nomes de acidentes de corpos exteriores a nós a acidentes de nossos próprios corpos, como fazem aqueles que dizem “a cor está no corpo”, “o som está no ar”, etc.
A quarta ao fato de se darem nomes de corpos a nomes ou discursos, como fazem aqueles que dizem que “há coisas universais”, que “uma criatura viva é gênero ou uma coisa geral”, etc.
A quinta ao fato de se darem nomes de acidentes a nomes e discursos, como fazem aqueles que dizem “a natureza de uma coisa é sua definição”, “a autoridade de um homem é sua vontade”, e outras coisas semelhantes.
A sexta ao uso de metáforas, tropos e outras figuras de retórica, em vez das palavras próprias. Pois, embora seja licito dizer, por exemplo, na linguagem comum, “o caminho vai ou conduz aqui e ali”, “o provérbio diz isto ou aquilo”, quando os caminhos não vão nem os provérbios falam, contudo no cálculo e na procura da verdade tais discursos não podem ser admitidos.
A sétima aos nomes que nada significam, mas que se tomam e aprendem por hábito nas escolas, como hipostático, transubstanciar, consubstanciar, eternoagora e outras semelhantes cantilenas dos escolásticos.
Para aquele que sabe evitar estas coisas não é fácil cair em qualquer absurdo, a menos que seja pela extensão do cálculo, no qual pode talvez esquecer o que ficou para trás. Pois todos os homens por natureza raciocinam de forma semelhante, e bem, quando têm bons princípios. Quem é tão estúpido a ponto não só de cometer erros em geometria como também de persistir neles, quando outra pessoa lhos aponta?” (HOBBES. pg.21)
Quanto ao como a razão é obtida:
“Por aqui se vê que a razão não nasce conosco como a sensação e a memória, nem é adquirida apeias pela experiência, como a prudência, mas obtida com esforço, primeiro através de uma adequada imposição de nomes, e em segundo lugar através de um método bom e ordenado de passar dos elementos, que são nomes, a asserções feitas por conexão de um deles com o outro, e daí para os silogismos, que são as conexões de uma asserção com outra, até chegarmos a um conhecimento de todas as conseqüências de nomes referentes ao assunto em questão, e é a isto que os homens chamam ciência. E enquanto a sensação e a memória apenas são conhecimento de fato, o que é uma coisa passada e irrevogável, a ciência é o conhecimento das conseqüências, e a dependência de um fato em relação a outro, pelo que, a partir daquilo que presentemente sabemos fazer, sabemos como fazer qualquer outra coisa quando quisermos, ou também, em outra ocasião.
Porque quando vemos como qualquer coisa acontece, devido a que causas, e por que maneira, quando causas semelhantes vierem ao nosso poder, sabemos como fazê-las produzir os mesmos efeitos.” (HOBBES. pg.22)
Quanto ao à prudência da ignorância x a imprudência da confiança:
“Contudo, aqueles que não possuem qualquer ciência encontram-se numa condição melhor e mais nobre, com sua natural prudência do que os homens que, por raciocinarem mal ou por confiarem na incorreta razão, caem em regras gerais falsas e absurdas. Porque a ignorância das causas e das regras não afasta tanto os homens de seu caminho como a confiança em falsas regras e o fato de tomarem, como causas daquilo a que aspiram, causas que o não são, mas sim causas do contrário.” (HOBBES. pg.22)
CAPÍTULO VI – Da origem interna dos movimentos voluntários vulgarmente chamados paixões: e da linguagem que os exprime
Quanto aos tipos de movimentos:
“Há nos animais dois tipos de movimento que lhes são peculiares. Um deles chama-se vital; começa com a geração, e continua sem interrupção durante toda a vida. Deste tipo são a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção, etc. Para estes movimentos não é necessária a ajuda da imaginação. O outro tipo é o dos movimentos animais, também chamados movimentos voluntários, como andar, falar, mover qualquer dos membros, da maneira como anteriormente foi imaginada pela mente. A sensação é o movimento provocado nos órgãos e partes inferiores do corpo do homem pela ação das coisas que vemos, ouvimos, etc., e a imaginação é apenas o resíduo do mesmo movimento, que permanece depois da sensação, conforme já se disse no primeiro e segundo capítulos. E dado que andar, falar e os outros movimentos voluntários dependem sempre de um pensamento anterior de como, onde e o que, é evidente que a imaginação é a primeira origem interna de todos os movimentos voluntários.” (HOBBES. pg.23)
Quanto à definição e tipos de esforços: o que aproxima e o que afasta
“Estes pequenos inícios do movimento, no interior do corpo do homem, antes de se manifestarem no andar, na fala, na luta e outras ações visíveis, chamam-se geralmente esforço.
Este esforço, quando vai em direção de algo que o causa, chama-se apetite ou desejo, sendo o segundo o nome mais geral, e o primeiro freqüentemente limitado a significar o desejo de alimento, nomeadamente a fome e a sede. Quando o esforço vai no sentido de evitar alguma coisa chama-se geralmente aversão. As palavras apetite e aversão vêm do latim, e ambas designam movimentos, um de aproximação e o outro de afastamento. Também os gregos tinham palavras para exprimir o mesmo, hormé e aphormé.” (HOBBES. pg.23)
O “bom”, o “mau” e o “desprezível”:
“Mas seja qual for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem, esse objeto é aquele a que cada um chama bom; ao objeto de seu ódio e aversão chama mau, e ao de seu desprezo chama vil e indigno. Pois as palavras “bom”, “mau” e “desprezível” são sempre usadas em relação à pessoa que as usa. Não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem e do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos. Ela só pode ser tirada da pessoa de cada um (quando não há Estado) ou então (num Estado) da pessoa que representa cada um; ou também de um árbitro ou juiz que pessoas discordantes possam instituir por consentimento, concordando que sua sentença seja aceite como regra.” (HOBBES. pg.23)
Quanto à definição de “deliberação”:
“Quando surgem alternadamente no espírito humano apetites e aversões, esperanças e medos, relativamente a uma mesma coisa; quando passam sucessivamente pelo pensamento as diversas conseqüências boas ou más de uma ação, ou de evitar uma ação; de modo tal que às vezes se sente um apetite em relação a ela, e às vezes uma aversão, às vezes a esperança de ser capaz de praticá-la, e às vezes o desespero ou medo de empreendê-la; todo o conjunto de desejos, aversões, esperanças e medos, que se vão desenrolando até que a ação seja praticada, ou considerada impossível, leva o nome de deliberação.
Portanto é impossível haver deliberação quanto às coisas passadas, pois é manifestamente impossível que estas sejam mudadas; nem de coisas que se sabe serem impossíveis, porque os homens sabem, ou supõem, que tal deliberação seria vã. Mas é possível deliberar sobre coisas impossíveis, quando as supomos possíveis, sem saber que será em vão. E o nome deliberação vem de ela consistir em pôr fim à liberdade que antes tínhamos de praticar ou evitar a ação, conformemente a nosso apetite ou aversão.
Esta sucessão alternada de apetites, aversões, esperanças e medos não é maior no homem do que nas outras criaturas vivas, consequentemente os animais também deliberam.
Diz-se então que toda deliberação chega ao fim quando aquilo sobre que se deliberava foi feito ou considerado impossível, pois até esse momento conserva-se a liberdade de fazê-lo ou evitá-lo, conformemente aos próprios apetites ou aversões.” (HOBBES. pg.26)
Quanto às capacidades de melhor deliberar:
“Dado que na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela previsão das boas ou más conseqüências e seqüelas da ação sobre a qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da previsão de uma extensa cadeia de conseqüências, cujo fim muito poucas vezes qualquer pessoa é capaz de ver. Mas até o ponto em que se consiga ver que o bem dessas conseqüências é superior ao mal, o conjunto da cadeia é aquilo que os autores chamam bem manifesto ou aparente. Pelo contrário, quando o mal é maior do que o bem, o conjunto chama-se mal manifesto ou aparente. De modo que quem possuir, graças à experiência ou à razão, a maior e mais segura capacidade de prever as conseqüências é quem melhor é capaz de deliberar; e é quem mais é capa,, quando quer, de dar aos outros os melhores conselhos.
O sucesso contínuo na obtenção daquelas coisas que de tempos a tempos os homens desejam, quer dizer, o prosperar constante, é aquilo a que os homens chamam felicidade; refiro-me à felicidade nesta vida.
Pois não existe uma perpétua tranqüilidade de espírito, enquanto aqui vivemos, porque a própria vida não passa de movimento, e jamais pode deixar de haver desejo, ou medo, tal como não pode deixar de haver sensação.” (HOBBES. pg.27)
CAPÍTULO VII – Dos fins ou resoluções do discurso
Quanto às finalidades dos discursos:
“Para todo discurso, governado pelo desejo de conhecimento, existe pelo menos um fim, quer seja para conseguir ou para evitar alguma coisa. E onde quer que a cadeia do discurso seja interrompida existe um fim provisório.” (HOBBES. pg.27)
Quanto à definição de opinião:
“Se o discurso for apenas mental, consistirá em pensamentos de que uma coisa será ou não, de que ela foi ou não foi, alternadamente. De modo que onde quer que interrompamos a cadeia do discurso de alguém, deixamo-lo na suposição de que algo será ou não será; de que foi, ou não foi. Tudo isto é opinião.” (HOBBES. pg.27)
Quanto à capacidade dos discursos de se chegar ao conhecimento absoluto dos fatos:
“Nenhuma espécie de discurso pode terminar no conhecimento absoluto dos fatos, passados ou vindouros. Porque para o conhecimento dos fatos é necessária primeiro a sensação, e depois disso a memória; e o conhecimento das conseqüências, que acima já disse chamar-se ciência, não é absoluto, mas condicional.
Ninguém pode chegar a saber, através do discurso, que isto ou aquilo é, foi ou será, o que equivale a conhecer absolutamente. É possível apenas saber que, se isto é, aquilo também é; que, se isto foi, aquilo também foi; e que, se isto será, aquilo também será; o que equivale a conhecer condicionalmente. E não se trata de conhecer as conseqüências de uma coisa para outra, e sim as do nome de uma coisa para outro nome da mesma coisa.” (HOBBES. pg.27)
Quanto à definição de crença:
“Quando o discurso de alguém não começa por definições, ou começa por qualquer outra contemplação de si próprio, e neste caso continua chamando-se opinião; ou começa com qualquer afirmação alheia, de alguém de cuja capacidade para conhecer a verdade e de cuja honestidade e sinceridade não duvida, e neste caso o discurso diz menos respeito à coisa do que à pessoa. E à resolução se chama crença e fé. Tem-se fé na pessoa, e acredita-se tanto a pessoa como a verdade do que ela diz. De modo que na crença há duas opiniões, uma relativa ao que a pessoa diz, e outra relativa a sua virtude. Acreditar, ter fé em, ou confiar em alguém, tudo isto significa a mesma coisa: a opinião da veracidade de uma pessoa. Mas acreditar o que é dito significa apenas uma opinião da verdade da coisa dita.” (HOBBES. pg.28)
Exemplo de crença:
“Consequentemente, quando acreditamos que as Escrituras são a palavra de Deus, sem ter recebido qualquer revelação imediata do próprio Deus, o objeto de nossa crença, fé e confiança é a Igreja, cuja palavra aceitamos e à qual aquiescemos. E aqueles que acreditam naquilo que um profeta lhes diz em nome de Deus aceitam a palavra do profeta, honram-no e nele confiam e crêem, aceitando a verdade do que ele diz, quer se trate de um verdadeiro ou de um falso profeta.” (HOBBES. pg.28)
“De modo que é evidente que, seja o que for que acreditarmos tendo como única razão para tal a que deriva apenas da autoridade dos homens e de seus escritos, quer eles tenham ou não sido enviados por Deus, nossa fé será apenas fé nos homens.” (HOBBES. pg.28)
CAPÍTULO VIII – Das virtudes vulgarmente chamadas intelectuais, e dos defeitos contrários a estas
Quanto à definição:
“Geralmente a virtude, em toda espécie de assuntos, é algo que é estimado por sua eminência, e consiste na comparação. Pois se todas as coisas fossem iguais em todos os homens nada seria apreciado. Por virtudes intelectuais sempre se entendem aquelas capacidades do espírito que os homens elogiam, valorizam e desejariam possuir em si mesmos; e vulgarmente recebem o nome de talento natural, embora a mesma palavra talento também seja usada para distinguir das outras uma certa capacidade.” (HOBBES. pg.28)
Quanto às espécies de virtudes: naturais e adquiridas
“Estas virtudes são de duas espécies: naturais e adquiridas. Por naturais não entendo as que um homem possui de nascença, pois isso á apenas sensação; pela qual os homens diferem tão pouco uns dos outros, assim pomo dos animais, que não merece ser incluída entre as virtudes. Quero referir-me àquele talento que se adquire apenas através da prática e da experiência, sem método, cultura ou instrução. Este talento natural consiste principalmente em duas coisas: celeridade da imaginação (isto é, rapidez na passagem de um pensamento a outro) e firmeza de direção para um fim escolhido. Pelo contrário, uma imaginação desta constitui aquele defeito ou falha do espírito a que vulgarmente se chama imbecilidade, estupidez, e às vezes outros nomes que significam lentidão de movimentos ou dificuldade em mover-se.” (HOBBES. pg.29)
Quanto à imaginação sem um fim determinado:
“Mas sem firmeza e direção para um fim determinado, uma grande imaginação é uma espécie de loucura, como acontece com aqueles que, iniciando um novo discurso, se deixam desviar de seu objetivo, por qualquer coisa que lhes passe pelo pensamento, para longas digressões e parênteses, até que inteiramente se perdem.” (HOBBES. pg.29)
Quanto ao único talento adquirido que existe:
“Quanto ao talento adquirido (ou seja, adquirido por método e instrução) o único que existe é a razão, que assenta no uso correto da linguagem, e da qual derivam as ciências.” (HOBBES. pg.30)
Quanto às causas das diferenças de talentos:
“As causas destas diferenças de talento residem nas paixões, e a diferença das paixões deriva em parte da diferente constituição do corpo’ e em parte das diferenças de educação. Porque se a diferença proviesse da têmpera do cérebro, e dos órgãos dos sentidos, quer externos quer internos, não haveria menor diferença entre os, homens quanto à vista, o ouvido e os outros sentidos, do que quanto a sua imaginação e discrição. Portanto ela deriva das paixões, que são diferentes, não apenas por causa das diferenças de constituição dos homens, mas também por causa das diferenças de costumes e de educação entre estes.” (HOBBES. pg.30)
Quanto às causas das diferenças de talentos: O PODER
“As paixões que provocam de maneira mais decisiva as diferenças de talento são, principalmente, o maior ou menor desejo de poder, de riqueza, de saber e de honra. Todas as quais podem ser reduzidas à primeira, que é o desejo de poder. Porque a riqueza, o saber e a honra não são mais do que diferentes formas de poder.” (HOBBES. pg.30)
Quanto ao se ter ou não ter paixões:
“Portanto um homem que não tenha grande paixão por qualquer destas coisas, sendo, como se costuma dizer, indiferente, embora possa ser uma boa pessoa, incapaz de prejudicar os outros, mesmo assim é impossível que tenha uma grande imaginação, ou grande capacidade de juízo. Porque os pensamentos são para os desejos como batedores ou espias, que vão ao exterior procurar o caminho para as coisas desejadas; e é daí que provém toda firmeza do movimento do espírito, assim como toda rapidez do mesmo. Porque assim como não ter nenhum desejo é o mesmo que estar morto, também ter paixões fracas é debilidade, e ter paixões indiferentemente por todas as coisas é leviandade e distração. E ter por qualquer loisa paixões mais fortes e veementes do que geralmente se verifica nos outros é aquilo a que os homens chamam loucura.” (HOBBES. pg.30)
Quanto à loucura enquanto excesso de manifestação da paixão:
“Por outro lado, que a loucura não é mais do que um excesso de manifestação da paixão é coisa que pode verificar-se nos efeitos do vinho, que são idênticos aos da má disposição dos órgãos. Porque a variedade da conduta dos homens que bebem demais é a mesma que a dos loucos, uns enraivecendo-sé, outros amando, outros rindo, tudo isso de maneira extravagante, mas conformemente às várias paixões dominantes. Porque os efeitos do vinho limitam-se a eliminar a dissimulação, ao mesmo tempo que ocultam do próprio a deformidade de suas paixões. Porque, segundo creio, os homens mais sóbrios não gostariam que a futilidade e extravagância de seus pensamentos, nos momentos em que andam sozinhos dando rédea solta a sua imaginação, fossem tornadas públicas, o que vem confirmar que as paixões sem guia não passam, em sua maioria, de simples loucura.” (HOBBES. pg.31)
REFERÊNCIAS
HOBBES, Thomas de M. Leviatã. [tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva].
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