David Hume: Investigações sobre o entendimento humano – Resumo Seção I à VII

Nota da Edição:

David Hume (1711-1776) conta-se entre os espíritos mais luminosos de seu século e ocupa um lugar proeminente entre os autores de língua inglesa, não apenas por sua obra filosófica, mas também como ensaísta e historiador. Continuador da tradição empirista inaugurada por Bacon e desenvolvida por Locke e Berkeley, levou-a à sua mais extrema conclusão, culminando em um sistema que tem sido injustamente acusado de ser excessivamente cético e de privar a ciência e a moral de qualquer justificação racional. (HUME, p.9)


Uma investigação sobre o entendimento humano


Seção I: Das diferentes espécies de filosofia

A primeira considera o homem principalmente como nascido para a ação e como influenciado em suas atitudes pelo gosto e pelo sentimento, perseguindo um objeto e evitando outro, de acordo com o valor que esses objetos parecem possuir e segundo a perspectiva em que se apresentam. (HUME, p.19)

Filósofos da segunda espécie vêem no homem antes um ser dotado de razão do que um ser ativo, e dirigem seus esforços mais à formação de seu entendimento do que ao cultivo de seus costumes. Tomam a natureza humana como um objeto de especulação e submetem-na a um exame meticuloso a fim de discernir os princípios que regulam nosso entendimento, excitam nossos sentimentos e fazem-nos aprovar ou condenar algum objeto, ação ou conduta particulares. (HUME, p.20)

 

O filósofo puro é um personagem que em geral não é muito bem-aceito pelo mundo, pois supõe-se que ele em nada contribui para o proveito ou deleite da sociedade, ao viver longe do contato com os seres humanos e envolvido com princípios e idéias não menos distantes da compreensão destes. Por outro lado, o mero ignorante é ainda mais desprezado; e, em uma época e nação em que florescem as ciências, não há sinal mais seguro de estreiteza de espírito que o de não se sentir minimamente atraído por esses nobres afazeres. É de supor que o caráter mais perfeito está situado entre esses extremos, exibindo aptidão e gosto tanto pelos livros como pela convivência social e pelos negócios, revelando, na conversação, o discernimento e a delicadeza que brotam da familiaridade com as belas-letras, e, nos negócios, a integridade e exatidão que são o resultado natural de uma correta filosofia. (HUME, p.22)

Sê um filósofo, mas, em meio a toda tua filosofia, não deixes de ser um homem. (HUME, p.23)


Seção II: Da origem das ideias

Todos admitirão prontamente que há uma considerável diferença entre as percepções da mente quando um homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de uma tepidez moderada, e quando traz mais tarde essa sensação à sua memória, ou a antecipa pela sua imaginação. Essas faculdades podem imitar ou copiar as percepções dos sentidos, mas jamais podem atingir toda a força e vivacidade da experiência original. Tudo o que podemos dizer delas, mesmo quando operam com o máximo vigor, é que representam seu objeto de uma maneira tão vívida que quase podemos dizer que o vemos ou sentimos. (HUME, p.33)

Quando refletimos sobre nossas experiências e afecções passadas, nosso pensamento atua como um espelho fiel e copia corretamente os objetos, mas as cores que emprega são pálidas e sem brilho em comparação com as que revestiram nossas percepções originais. Não se requer um refinado discernimento nem grande aptidão metafísica para perceber a diferença entre elas. (HUME, p.34)

 

Em conseqüência, podemos aqui dividir todas as percepções da mente em duas classes ou espécies que se distinguem por seus diferentes graus de força e vivacidade. As que são menos fortes e vivazes são comumente denominadas pensamentos ou idéias. A outra espécie carece de nome em nossa língua, assim como na maioria das outras, e suponho que isto se dá porque nunca foi necessário para qualquer propósito, exceto os de ordem filosófica, agrupá-las sob algum termo ou denominação geral. Vamos então tomar uma pequena liberdade e chamá-las impressões, empregando a palavra num sentido um pouco diferente do usual. Entendo pelo termo impressão, portanto, todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou exercemos nossa vontade. (HUME, p.34)

 

Em suma, todos os materiais do pensamento são derivados da sensação externa ou interna, e à mente e à vontade compete apenas misturar e compor esses materiais. Ou, para expressar-me em linguagem filosófica, todas as nossas idéias, ou percepções mais tênues, são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vívidas.  (HUME, p.35)

 

Todas as idéias, especialmente as abstratas, são naturalmente fracas e obscuras: o intelecto as apreende apenas precariamente, elas tendem a se confundir com outras idéias assemelhadas, e mesmo quando algum termo está desprovido de um significado preciso, somos levados a imaginar, quando o empregamos com freqüência, que a ele corresponde uma ideia determinada. Ao contrário, todas as impressões, isto é, todas as sensações, tanto as provenientes do exterior como as do interior, são fortes e vívidas; os limites entre elas estão mais precisamente definidos, e não é fácil, além disso, incorrer em qualquer erro ou engano relativamente a elas.  (HUME, p.38-39)

Portanto, sempre que alimentarmos alguma suspeita de que um termo filosófico esteja sendo empregado sem nenhum significado ou ideia associada (como freqüentemente ocorre), precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta idéia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão, isso servirá para confirmar nossa suspeita. Ao expor as idéias a uma luz tão clara, podemos alimentar uma razoável esperança de eliminar todas as controvérsias que podem surgir acerca de sua natureza e realidade. (HUME, p.39)

Mas admitindo-se esses termos, impressões e idéias, no sentido já explicado, e entendendo por inato aquilo que é original, ou que não é copiado de nenhuma impressão precedente, então podemos asseverar que todas as nossas impressões são inatas e nossas idéias não o são. (HUME, p.40)


Seção III: Da associação de ideias

É evidente que há um princípio de conexão entre os diversos pensamentos ou idéias da mente, e que, ao surgirem à memória ou à imaginação, eles se introduzem uns aos outros com, um certo grau de método e regularidade. Isso é tão marcante em nossos raciocínios e conversações mais sérios que qualquer pensamento particular que interrompa o fluxo ou encadeamento regular de idéias é imediatamente notado e rejeitado. (HUME, p.41)

Embora o fato de que diferentes idéias estejam conectadas seja demasiado óbvio para escapar à observação, não é de meu conhecimento que algum filósofo tenha tentado enumerar ou classificar todos os princípios de associação; um assunto que, entretanto, digno de investigação. De minha parte, parece haver apenas três princípios de conexão entre idéias, a saber, semelhança, contiguidade no tempo ou no espaço, e causa ou efeito. (HUME, p.42)

 

Como o homem é um ser dotado de razão e está continuamente em busca de uma felicidade que espera alcançar pela satisfação de alguma paixão ou sentimento, ele raramente age, fala ou pensa sem um propósito e uma intenção. Sempre tem em mira um objetivo, e por menos apropriados que sejam às vezes os meios que ele escolhe para atingir seus fins, nunca perde de vista um fim, e não irá desperdiçar seus pensamentos ou reflexões quando não espera colher deles alguma satisfação. (HUME, p.43)

Mas a espécie mais usual de conexão entre os diferentes acontecimentos que figuram em qualquer composição narrativa é a de causa e efeito, pela qual o historiador traça a seqüência de ações de acordo com sua ordem natural, remonta a suas molas e princípios secretos, e delineia suas mais remotas conseqüências. (HUME, p.44)

 

É suficiente, por ora, ter estabelecido a conclusão de que os três princípios que conectam todas as idéias são as relações de semelhança, contiguidade e causação. (HUME, p.52)


Seção IV: Dúvidas céticas sobre as operações de entendimento

PARTE I

Todos os objetos da razão ou investigação humanas podem ser naturalmente divididos em dois tipos, a saber, relações de idéias e questões de fato. Do primeiro tipo são as ciências da geometria, álgebra e aritmética, c, em suma, toda afirmação que é intuitiva ou demonstrativamente certa. (HUME, p. 53-1)

Questões de fato, que são o segundo tipo de objetos da razão humana, não são apuradas da mesma maneira, e tampouco nossa evidência de sua verdade, por grande que seja, é da mesma natureza que a precedente. (HUME, p.53-2).

 

Todos os raciocínios referentes a questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito. É somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência de nossa memória e nossos sentidos. (HUME, p.54-4)

Arrisco-me a afirmar, a título de uma proposta geral que não admite exceções, que o conhecimento dessa relação não é, em nenhum caso, alcançado por meio de raciocínios a priori,
mas provém inteiramente da experiência, ao descobrirmos que certos objetos particulares acham-se constantemente conjugados uns aos outros. Apresente-se um objeto a um homem dotado das mais poderosas capacidades naturais de raciocínio e percepção – se esse objeto for algo de inteiramente novo para ele, mesmo o exame mais minucioso de suas qualidades sensíveis não lhe permitirá descobrir quaisquer de suas causas ou efeitos. | … | Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele provirão; e tampouco nossa razão é capaz de extrair, sem auxílio da experiência, qualquer conclusão referente à existência efetiva de coisas ou questões de fato. (HUME, p.55-6)

 

Para convencer-nos, entretanto, de todas rodas as leis da natureza e todas as operações dos corpos, sem exceção, são conhecidas apenas por meio da experiência, bastarão talvez as seguintes reflexões. Se um objeto nos fosse :apresentado e fôssemos solicitados a nos pronunciar, sem consulta à observação passada, sobre o efeito que dele resultará, de que maneira, eu pergunto, deveria a mente proceder nessa operação? Ela deve inventar ou imaginar algum resultado para atribuir ao objeto como seu efeito, e é óbvio que essa invenção terá de ser inteiramente arbitrária. O mais atento exame e escrutínio não permite à mente encontrar o efeito na suposta causa, pois o efeito é totalmente diferente da causa e não pode, conseqüentemente, revelar-se nela. (HUME, p.57-58-9)

E como em todas as operações naturais a primeira imaginação ou invenção de um efeito particular é arbitrária quando não se consulta a experiência, devemos avaliar do mesmo modo o suposto elo ou conexão entre causa e efeito que os liga entre si e torna impossível que algum outro efeito possa resultar da operação daquela causa. (HUME, p.58-10)

 

Em uma palavra, portanto: todo efeito é um acontecimento distinto de sua causa. Ele não poderia, por isso mesmo, ser descoberto na causa, e sua primeira invenção ou concepção a priori deve ser inteiramente arbitrária. E mesmo após ter sido sugerido, sua conjunção com a causa deve parecer igualmente arbitrária, pois há sempre muitos outros efeitos que, para a razão, surgem como tão perfeitamente consistentes e naturais quanto o primeiro.

PARTE II

Mas ainda não chegamos a nenhuma conclusão satisfatória com relação à questão inicialmente proposta. Cada solução dá continuamente lugar a uma nova questão tão difícil quanto a anterior, e leva-nos cada vez mais longe em nossas investigações. Quando se pergunta: Qual é a natureza de todos os nossos raciocínios acerca de questões de fato?,  a resposta apropriada parece ser que eles se fundam na relação de causa e efeito. Quando em seguida se pergunta: Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões acerca dessa relação?, pode-se dar a resposta em uma palavra: a experiência. Mas, se ainda perseverarmos em nosso espírito esmiuçador e perguntarmos: Qual é o fundamento de todas as nossas conclusões a partir da experiência?, isso introduz uma questão nova que pode ser ainda mais difícil de solucionar e esclarecer. (HUME, p.61-14)

 

Afirmo, portanto, que, mesmo após termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões que retiramos dessa experiência não estão baseadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento. (HUME, p.62-15)

 

Mas, não obstante essa ignorância dos poderes 1 e princípios naturais, sempre supomos, quando vemos qualidades sensíveis semelhantes, que elas têm poderes secretos semelhantes, e esperamos que delas se sigam efeitos semelhantes aos de que tivemos experiência. | … | Ora, eis aqui um processo mental ou intelectual do qual muito me agradaria saber o fundamento. Admite-se unanimemente que não há conexão conhecida entre qualidades sensíveis e poderes secretos, e, conseqüentemente, que a mente, ao chegar a urna tal conclusão sobre sua conjunção constante e regular, não é conduzida por nada que ela saiba acerca de suas naturezas. Quanto à experiência passada, pode-se admitir que ela provê informação imediata e segura apenas acerca dos precisos objetos que lhe foram dados, e apenas durante aquele preciso período de tempo; mas por que se deveria estender essa experiência ao tempo futuro ou a outros objetos que, por tudo que sabemos, podem ser semelhantes apenas em aparência? | … | É preciso no mínimo reconhecer que a mente extraiu aqui uma conseqüência, que um certo passo foi dado: um percurso do pensamento e urna inferência para o que se exige uma explicação. As duas proposições seguintes estão longe de serem a mesma: Constatei que tal objeto sempre esteve acompanhado de tal efeito e Prevejo que outros objetos, de aparência semelhante, estarão acompanhados de efeitos semelhantes. (HUME, p.63-16)

Todos os raciocínios podem ser divididos em dois tipos, a saber, o raciocínio demonstrativo, que diz respeito a relações de idéias, e o raciocínio moral, referente a questões de fato e existência. (HUME, p.64-65-18)

 

Assim, se formos levados, por meio de argumentos, a depositar confiança na experiência passada e torná-la o modelo de nossos julgamentos futuros, esses argumentos terão de ser apenas prováveis, ou seja, relacionados a questões de fato e de existência efetiva, conforme a divisão já mencionada. Mas, se
for aceita nossa explicação dessa espécie raciocínio, o fato de que não há nenhum argumento desse tipo aparecerá como uma constatação sólida e satisfatória. Dissemos que todos os argumentos relativos à fundam-se na relação de causa e efeito, que nosso conhecimento dessa relação deriva-se inteiramente da experiência, e que todas as nossas conclusões experimentais procedem da suposição de que o futuro estará em conformidade com o passado. (HUME, p.65-19)

 

De causas que aparecem como semelhantes, esperamos efeitos semelhantes; essa é a súmula de todas as nossas conclusões experimentais. (HUME, p.66-20)


Seção V: Solução cética dessas dúvidas

PARTE I

Há, no entanto, uma espécie de filosofia que parece pouco sujeita a esse inconveniente, pois não se harmoniza com nenhuma paixão desordenada da mente humana, nem se mistura, ela própria, a nenhuma afecção ou inclinação naturais; e essa é a filosofia acadêmica ou cética. Os acadêmicos estão constantemente falando sobre dúvida e suspensão do juízo, sobre o perigo das decisões apressadas, sobre confinar as indagações do entendimento a limites bem estreitos e renunciar a todas as especulações que caem fora dos limites da vida e da prática cotidianas. Conseqüentemente, uma filosofia como essa é o que há de mais contrário à indolência acomodada da mente, sua arrogância irrefletida, suas grandiosas pretensões e sua credulidade supersticiosa. (HUME, p.72-1)

A natureza sempre afirmará seus direitos e prevalecerá, ao final, sobre qualquer espécie de raciocínio abstrato. Embora, por exemplo, seja preciso concluir, como na seção precedente, que em todos os raciocínios baseados na experiência a mente dá um passo que não encontra apoio em nenhum argumento ou processo do entendimento, não há perigo de que estes raciocínios, dos quais quase todo conhecimento depende, cheguem a ser afetados por tal descoberta. Se não é um argumento que obriga a mente a dar este passo, ela deve estar sendo conduzida por algum outro princípio de igual peso e autoridade, e esse princípio preservará sua influência por todo o tempo em que a natureza humana permanecer a mesma. (HUME, p.73-2)

 

Suponhamos agora que ela tenha adquirido mais experiência e vivido no mundo o bastante para observar que objetos ou acontecimentos semelhantes estão constantemente unidos uns aos outros. Qual é o resultado dessa experiência? O resultado é que essa pessoa passa a inferir imediatamente a existência de um objeto a partir do aparecimento do outro. E, no entanto, com toda sua experiência, ela não terá adquirido nenhuma ideia ou conhecimento do poder secreto pelo qual o primeiro objeto produz o segundo, e não é nenhum processo de raciocínio que a leva a realizar essa inferência. Ainda assim, ela se vê determinada a realizá-la; e, mesmo que viesse a se convencer de que o entendimento não toma parte na operação, seu pensamento continuaria a fazer o mesmo percurso. Há aqui algum outro princípio que a faz chegar a essa conclusão. (HUME, p.74-4)

Esse princípio é o hábito ou costume. Pois sempre que a repetição de algum ato ou operação particulares produz uma propensão a realizar novamente esse mesmo ato ou operação, sem que se esteja sendo impelido por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos invariavelmente que essa propensão é o efeito do hábito. |…| E é certo que estamos aventando aqui uma proposição que, se não é verdadeira, é pelo menos muito inteligível, ao afirmarmos que, após a conjunção constante de dois objetos – calor e chama, por exemplo, ou peso e solidez -, é exclusivamente o hábito que nos faz esperar um deles a partir do aparecimento do outro. Essa hipótese parece mesmo ser a única que explica a seguinte dificuldade: por que extraímos de mil casos uma inferência que não somos capazes de extrair de um único caso, que deles não difere em nenhum aspecto? (HUME, p.74-75-5)

Todas as inferências da experiência são, pois, efeitos do hábito, não do raciocínio. (HUME, p.75-5)

O hábito é, assim, o grande guia da vida humana. É só esse princípio que torna nossa experiência útil para nós, e faz-nos esperar, no futuro, uma cadeia de acontecimentos semelhante às que ocorreram no passado. Sem a influência do hábito, seríamos inteiramente ignorantes de toda questão de fato que extrapole o que está imediatamente presente à memória e aos sentidos. Jamais saberíamos como adequar meios a fins, nem como empregar nossos poderes naturais para produzir um efeito qualquer.(HUME, p.77-6)

 

Em resumo: se não partirmos de algum fato, presente à memória ou aos sentidos, nossos raciocínios serão puramente hipotéticos, e, por melhor que os elos individuais pudessem estar conectados uns aos outros, a cadeia de inferências, como um todo, nada teria que lhe desse sustentação, e jamais poderíamos, por meio dela, chegar ao conhecimento da existência efetiva de qualquer coisa. Se lhe pergunto por que acredita em algum fato particular que está relatando, você terá de fornecer-me alguma razão, e essa razão será algum outro fato conectado com o primeiro. Mas, como não se pode proceder dessa maneira in infinitum, você deve chegar por fim a algum fato que esteja presente à sua memória ou aos seus sentidos, ou então admitir que sua crença é inteiramente infundada. (HUME, p.79-7)

Qual é, então, a conclusão que se pode extrair disso tudo? É uma conclusão simples, consideravelmente afastada, reconheça-se, das teorias filosóficas usuais: toda crença relativa a fatos ou à existência efetiva de coisas deriva exclusivamente de algum objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro. (HUME, p.79-8)

PARTE II

Nada é mais livre que a imaginação humana, e, embora não possa ir além daquele inventário original de idéias fornecidas pelos sentidos internos e externos, ela dispõe de poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir essas idéias em todas as _variedades de ficção e miragens. É-lhe possível inventar uma série de acontecimentos que têm toda a aparência de realidade, atribuir-lhes uma ocorrência em um local e momento precisos, concebê-los como existentes e pintá-los para si mesma com todas as circunstâncias apropriadas a um fato histórico qualquer, no qual acredite com a máxima certeza. Em que consiste, então, a diferença entre uma ficção desse tipo e uma crença? (HUME, p.80-10)

Sempre que um objeto qualquer é apresentado à memória ou aos sentidos, ele imediatamente, pela
força do hábito, leva a imaginação a conceber o objeto que lhe
está usualmente associado, e essa concepção é acompanhada
de uma sensação ou sentimento que difere dos devaneios soltos da fantasia. (HUME, p.81-11)

Se fôssemos tentar definir esse sentimento, depararíamos talvez com uma tarefa muito difícil, se não impossível; seria o mesmo que esforçarmo-nos para definir a sensação de frio ou a paixão da cólera para uma criatura que nunca teve nenhuma experiência desses sentimentos. A denominação verdadeira e apropriada desse sentimento é crença, e jamais alguém se sentiria perplexo diante do significado desse termo, porque cada pessoa está, a cada momento, consciente do sentimento que ele representa. Pode não ser inadequado, contudo, ensaiar uma descrição desse sentimento, com a esperança de que, por esse meio, possamos chegar a algumas analogias que permitam explicá-lo mais perfeitamente. Afirmo, então, que a crença nada mais é que uma concepção de um objeto mais vívida, vigorosa, enérgica, firme e constante do que jamais seria possível obter apenas pela imaginação. | … | E, em filosofia, não podemos ir mais além da asserção de que a crença é algo sentido pela mente, que distingue entre as idéias provindas do julgamento e as ficções da imaginação. (HUME, p.82-12)

 

Tornemos, então, essa doutrina em toda sua extensão, admitindo que o sentimento de crença nada mais é que uma concepção mais intensa e constante do que a que acompanha as meras ficções da imaginação, e que essa maneira de conceber provém de uma habitual conjunção do objeto com algo presente à memória ou aos sentidos. (HUME, p.83-13)

 

Essa transição de pensamento da causa para o efeito não procede da razão, mas deriva sua origem inteiramente do hábito e da experiência. E dado que se inicia com um objeto presente aos sentidos, ela torna a ideia ou concepção da chama mais forte e vívida do que o faria um devaneio solto e vacilante da
imaginação. (HUME, p.88-20)


Seção VI: Da probabilidade

Embora não haja no mundo isso que se denomina acaso, nossa ignorância da causa real de um acontecimento qualquer tem a mesma influência que ele sobre o entendimento, e produz urna espécie semelhante de crença ou opinião. | … | Nota: Locke divide todos os argumentos em demonstrativos e prováveis. Segundo essa concepção, deveríamos dizer que é apenas provável que todos os homens devam morrer, ou que o sol se levantará amanhã. Mas, para melhor adequar nossa linguagem ao uso ordinário, deveríamos dividir os argumentos em demonstrações, provas e probabilidades, entendendo por provas aqueles argumentos a partir da experiência que não deixam margem a dúvida ou oposição. (HUME, p.91-1)

 

Quanto à probabilidade associada às causas, ocorre o mesmo que com a probabilidade que se associa ao acaso. Há algumas causas que produzem um certo efeito de maneira inteiramente uniforme e constante, sem que jamais se tenha encontrado nenhum exemplo de falha ou irregularidade em sua operação. O fogo sempre queimou e a água sempre afogou qualquer criatura humana; a produção de movimento pelo impulso e pela gravidade é uma lei universal que até agora não apresentou exceções. Mas há outras causas que se têm mostrado mais irregulares e incertas: o ruibarbo nem sempre funcionou como um purgante ou o ópio como um soporífero para todos os que ingeriram esses medicamentos. | … | Como o hábito nos leva, em todas as nossas inferências, a transferir o passado para o futuro, todas as vezes em que o passado mostrou-se inteiramente regular e uniforme esperamos o acontecimento com a máxima segurança, e não deixamos lugar para qualquer suposição em contrário. Mas, quando se constata que efeitos diferentes seguem-se de causas que são aparentemente em tudo semelhantes, todos esses diversos efeitos devem apresentar-se à mente quando se transfere o passado para o futuro, e devem ser levados em conta ao determinarmos a probabilidade do acontecimento. (HUME, p.93-4)

 

 


Seção VII: Da ideia de conexão necessária

A grande vantagem das ciências matemáticas sobre as ciências morais consiste em que as idéias das primeiras, sendo facilmente apreensíveis, são sempre claras e determinadas, a menor distinção entre elas é imediatamente perceptível e os mesmos termos sempre expressam as mesmas idéias, sem ambiguidade ou variação. | … | Mas as sensações mais delicadas da mente, as operações do entendimento, as diversas turbulências das paixões, embora sejam em si mesmas realmente distintas, facilmente nos escapam quando inspecionadas pela reflexão, e não está em nosso alcance evocar o objeto original por mais vezes que tenhamos ocasião de contemplá-lo. Desse modo, introduz-se gradualmente a ambiguidade em nossos raciocínios; objetos assemelhados são facilmente tomados como idênticos e, por fim, a conclusão se distancia demasiadamente das premissas. (HUME, p.95-1)

 

Não há, entre as idéias que ocorrem na metafísica, outras mais incertas e obscuras que as de poder, força, energia ou conexão necessária, das quais nos é forçoso tratar a cada instante em todas as nossas investigações. Vamos, portanto, esforçar-nos nesta seção para fixar, se possível, o significado preciso desses termos e com isso remover uma parcela da obscuridade que tanto se censura nesse gênero de filosofia. (HUME, p.97-3)

 

Parece pouco controversa a afirmação de que nossas idéias são apenas cópias de nossas impressões, ou, em outras palavras, que nos é impossível pensar em alguma coisa que não tenhamos anteriormente experimentado pelos nossos sentidos, externos  ou internos. Esforcei-me para explicar e provar essa
exprimi minhas esperanças de que, por meio de uma aplicação adequada desse princípio, as pessoas poderão alcançar, nos raciocínios filosóficos, clareza e precisão maiores do que foram até agora capazes de atingir. As idéias complexas podem, talvez, ser bem conhecidas por sua definição, que nada mais é que uma enumeração das partes ou idéias simples que as compõem. Mas, quando tivermos levado as definições até as idéias mais simples de todas e continuarmos
a encontrar ambiguidades e obscuridades, que recurso então nos restará? Que estratagema nos permitirá lançar luz sobre essas idéias e torná-las completamente precisas e determinadas em nossa apreensão intelectual? A resposta consiste em exibir as impressões ou sentimentos originais dos quais as idéias foram copiadas. Essas impressões são, todas elas, fortes e palpáveis e não comportam nenhuma ambiguidade. (HUME, p.97-98-4)

 

Para familiarizarmo-nos plenamente com a ideia de poder ou conexão necessária, comecemos então por examinar sua impressão; e, a fim de localizar a impressão com mais segurança, procuremos por ela em todas as fontes das quais poderia derivar. (HUME, p.98-5)

 

Quando olhamos para os objetos ao nosso redor e consideramos a operação das causas, não somos jamais capazes de identificar, em um caso singular, nenhum poder ou conexão necessária, nenhuma qualidade que ligue o efeito à causa etorne o primeiro uma conseqüência infalível da segunda. De fato, tudo o que descobrimos é que o efeito realmente se segue à causa. | … | Não há, conseqüentemente, em nenhum caso particular, isolado, de causa e efeito, nada que possa sugerir a ideia de poder ou de conexão necessária. (HUME, p.99-6)

 

Não somos jamais capazes de conjeturar qual efeito resultará de um objeto na primeira vez em que ele nos aparece. Mas, se a mente pudesse discernir o poder ou energia de uma causa qualquer, poderíamos prever seu efeito mesmo sem nenhuma experiência e estaríamos aptos, desde o primeiro momento, a nos pronunciarmos com segurança sobre esse efeito, pelo simples recurso ao pensamento e raciocínio. (HUME, p.99-7)

 

Não há, na realidade, nenhuma porção de matéria que revele, por suas qualidades sensíveis, qualquer poder ou energia, ou que nos dê razões para imaginar que poderia produzir alguma coisa ou ser seguida por qualquer outro objeto que pudéssemos denominar seu efeito. (HUME, p.99-8)

 

Dado, portanto, que os objetos externos, tal como aparecem aos sentidos, não nos dão ideia alguma de poder ou conexão necessária por sua operação em casos particulares, vejamos se essa ideia pode ser derivada da reflexão sobre as operações de nossas próprias mentes e copiada de alguma impressão interna. (HUME, p.100-9)

 

Passaremos a examinar essa suposição, primeiramente com relação à influência da volição sobre os órgãos do corpo. Essa influência, observa-se, é um fato que, como todos os outros acontecimentos naturais, pode ser conhecido apenas pela experiência, e não pode ser jamais previsto a partir de qualquer energia ou poder na causa que a conecte ao efeito e torne este uma conseqüência infalível daquela. O movimento de nosso corpo segue-se ao comando de nossa vontade; disso estamos conscientes a cada instante. Mas os meios pelos quais isso se realiza, a energia pela qual a vontade executa uma tão extraordinária operação, tudo isso está tão longe de nossa consciência imediata que deve para sempre escapar às nossas mais diligentes investigações. (HUME, p.101-10)

 

Pois, primeiro, haveria em toda a natureza algum princípio mais misterioso do que a união da alma com o corpo, pela qual uma suposta substância espiritual adquire uma tal influência sobre uma substância material a ponto de o mais tênue pensamento ser capaz de pôr em movimento a matéria mais crassa? Se estivesse em nosso poder remover montanhas por um recôndito desejo, ou controlar os planetas em suas órbitas, essa vasta autoridade não seria mais extraordinária nem estaria mais distante de nossa compreensão. Mas, se percebêssemos pela consciência algum poder ou energia na vontade, deveríamos então conhecer esse poder, deveríamos conhecer sua conexão com o efeito, deveríamos conhecer a união secreta entre a alma e o corpo e a natureza dessas duas substâncias que torna uma delas capaz de operar sobre a outra em um número tão grande de casos. (HUME, p.101-11)

 

Segundo, não somos capazes de mover todos os órgão do corpo com igual autoridade, embora não possamos atribuir nenhuma razão além da simples experiência para uma diferença tão notável entre uns e outros. Por que a vontade tem uma influência sobre a língua e os dedos, mas não sobre o coração e o fígado? (HUME, p.102-11)

 

Terceiro, aprendemos em anatomia que o objeto imediato do poder no movimento voluntário não é o próprio membro que é movido, mas certos músculos, nervos, e espíritos animais, ou talvez algo ainda mais minúsculo e mais desconhecido, através dos quais o movimento sucessivamente se propaga antes de atingir propriamente o membro cujo movimento é o objeto imediato da volição.  | … | O que ocorre aqui é que a mente executa um ato da vontade que tem como objeto um certo acontecimento e imediatamente se produz um outro acontecimento que nos é desconhecido e difere totalmente daquele que se tencionava produzir. E esse acontecimento produz outro, também desconhecido, até que, por fim, após uma longa sucessão, produz-se o acontecimento desejado. Mas, se o poder original fosse sentido, ele teria de ser conhecido, e se fosse conhecido, seu efeito também teria de sê-lo, dado que todo poder é relativo a seu efeito. E vice-versa: se o efeito não for conhecido, o poder não pode ser conhecido, nem sentido. (HUME, p.102-103-14)

 

Disso tudo podemos, portanto, concluir – sem nenhuma precipitação, espero, embora com bastante segurança – que nossa ideia de poder não é copiada de nenhum sentimento ou consciência de poder que porventura experimentemos em nosso interior ao darmos início ao movimento animal ou empregarmos nossos membros nos usos e afazeres que lhes são próprios. Que seu movimento se segue ao comando de nossa vontade é um fato da experiência ordinária, como tantos outros acontecimentos na natureza. Mas o poder ou energia por meio de que isso se realiza é-nos desconhecido e inconcebível. (HUME, p.103-15)

Deveríamos afirmar, então, que estamos conscientes de um poder ou energia em nossas próprias mentes quando, por um ato ou comando de nossa vontade, suscitamos uma nova ideia, fixamos sobre ela nossa atenção, observamo-la de todos os ângulos e, por fim, a abandonamos em favor de alguma outra ideia quando julgamos já a ter examinado suficientemente a fundo? Creio que os mesmos argumentos provarão que mesmo esse comando da vontade não nos dá uma real ideia de força ou energia. (HUME, p.104-16)

Primeiro, deve-se admitir que, quando conhecemos um poder, conhecemos a exata circunstância na causa que a capacita a produzir o efeito, pois esse poder e essa circunstância são supostamente sinônimos. Devemos, portanto, conhecer tanto a causa quanto o efeito, bem como a relação entre eles. (HUME, p.104-17)

Segundo, o controle que a mente exerce sobre si própria, assim como o que exerce sobre o corpo, é limitado, e esses limites não são conhecidos por meio da razão ou de uma familiaridade com a natureza da causa e do efeito, mas apenas pela experiência e observação, como ocorre em todos os outros
acontecimentos naturais e nas operações dos objetos externos. (HUME, p.105-18)

Terceiro, esse controle da mente sobre si mesma difere muito em diferentes ocasiões.  (HUME, p.105-19)

 

É só com a descoberta de fenômenos extraordinários como terremotos, peste e prodígios de qualquer outro tipo que elas se sentem incapazes de indicar uma causa adequada e de explicar o modo pelo qual o efeito é produzido por ela. É comum que pessoas em tais dificuldades recorram a algum princípio inteligente invisível como causa imediata do acontecimento que as surpreende e que elas julgam não poder ser explicado pelos poderes usuais da natureza. Mas filósofos, que levam seu exame um pouco mais longe, percebem imediatamente que, mesmo nos acontecimentos mais familiares, a energia da causa é tão ininteligível quanto nos mais inusitados, e que apenas aprendemos pela experiência a conjunção freqüente de objetos, sem sermos jamais capazes de compreender algo como uma conexão entre eles. Aqui, então, muitos filósofos sentem-se obrigados pela razão a recorrer, em todas as ocasiões, ao mesmo princípio que o vulgo não emprega a não ser em casos que parecem miraculosos ou sobrenaturais. Eles admitem que a mente e a inteligência são não apenas a causa última e original de todas as coisas, mas a causa imediata e única de todo acontecimento que tem lugar na natureza, e alegam que os objetos comumente denominados causas não são na realidade senão ocasiões, e que o princípio verdadeiro e imediato de todo acontecimento não é nenhum poder ou força residente na natureza, mas uma volição do Ser Supremo, que quer que tais e tais objetos particulares estejam para sempre conjugados uns aos outros. (HUME, p.107-21)

 

PARTE II

Parece que, em casos isolados de operação de corpos, jamais podemos descobrir, mesmo pelo exame mais minucioso, algo além de um simples acontecimento seguindo-se a outro, e não somos capazes de apreender qualquer força ou poder pelo qual a causa operasse, ou qualquer conexão entre ela e seu suposto efeito. A mesma dificuldade aparece quando contemplamos as operações da mente sobre o corpo, caso em que observamos que o movimento deste último se segue à volição da primeira, mas não somos capazes de observar ou de conceber o liame que interliga movimento e volição, ou a energia pela qual a mente produz esse efeito. | … | Eles parecem conjugados, mas nunca conectados. E como não podemos ter nenhuma ideia de uma coisa que nunca se apresentou ao nosso sentido exterior ou sentimento interior, a conclusão inevitável parece ser que não temos absolutamente nenhuma ideia de conexão ou de poder, e que essas palavras acham-se totalmente desprovidas de significado quando empregadas tanto no raciocínio filosófico quanto na vida ordinária. (HUME, p.112-26)

Parece então que essa ideia de uma conexão necessária entre acontecimentos surge de uma multiplicidade de casos assemelhados de ocorrências desses acontecimentos em constante conjunção, e essa ideia nunca poderia ter sido sugerida por nenhum desses casos em particular, ainda que examinado sob todos os possíveis ângulos e perspectivas. | … | Essa conexão, portanto, que nós sentimos na mente, essa transição habitual da imaginação que passa de um objeto para seu acompanhante usual, é o sentimento ou impressão a partir da qual formamos a ideia de poder ou conexão necessária. | … | Na primeira vez que um homem viu a comunicação de movimento por impulso, como no choque de duas bolas de bilhar, ele não poderia declarar que um acontecimento estava conectado ao outro, apenas que estava conjugado. Depois de observar diversos casos dessa natureza, ele então os declara conectados. Que alteração
ocorreu para dar origem a essa nova ideia de conexão? Nada, senão o fato de que ele agora sente que esses acontecimentos estão conectados em sua imaginação, e pode prontamente prever a existência de um a partir do aparecimento do outro. | … | Quando dizemos, portanto, que um objeto está conectado a outro, queremos apenas dizer que eles adquiriram uma conexão em nosso pensamento, e dão origem a essa inferência pela qual se tornam provas da existência um do outro; uma conclusão um tanto extraordinária, mas que parece fundada em evidência suficiente. (HUME, p.113-28)

 

Quando dizemos, portanto, que um objeto está conectado a outro, queremos apenas dizer que eles adquiriram uma conexão em nosso pensamento, e dão origem a essa inferência pela qual se tornam provas da existência um do outro; uma conclusão um tanto extraordinária, mas que parece fundada em evidência suficiente. | … | Mas, embora ambas essas definições tenham sido extraídas de circunstâncias estranhas à causa, não podemos remediar essa inconveniência nem obter qualquer definição mais perfeita que apontar aquela circunstância na causa que lhe proporciona uma conexão com seu efeito. Não temos ideia dessa conexão, nem sequer uma noção distinta do que é que desejamos saber quando tentamos concebê-la. (HUME, p.115-29)

 

Recapitulemos, então, os raciocínios desta seção. Toda ideia é copiada de alguma impressão ou sentimento precedente, e onde não pudermos encontrar nenhuma impressão, podemos estar certos de que não há nenhuma ideia. Em todos os casos isolados de operação de corpos ou mentes, não há nada que produza qualquer impressão, e, conseqüentemente, nada que possa sugerir qualquer ideia de poder ou de conexão necessária. Mas, quando muitos casos uniformes se apresentam, e o mesmo objeto é seguido sempre pelo mesmo resultado, a noção de causa e de conexão começa a surgir à nossa consideração. Experimentamos então um novo sentimento ou impressão, a saber, uma conexão habitual, no pensamento ou imaginação, entre um objeto e seu acompanhante usual, e esse sentimento é o original que estamos buscando para aquela ideia. Pois, como essa ideia surge de uma multiplicidade de casos semelhantes e não de nenhum caso isolado, ela deve provir daquela particularidade pela qual uma multiplicidade de casos se distingue de cada um dos casos individuais. Mas essa conexão ou transição habitual da imaginação é a única circunstância em que se distinguem; em todos os outros aspectos são semelhantes. (HUME, p.117-30)

 


 

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