Teoria do Conhecimento
Questões do Grau B
Ubirajara T Schier
1. Qual a relação entre evidências e conhecimento? Isto é, de que forma as evidências, que justificam, aumentam ou diminuem a probabilidade de um conteúdo de crença ser verdadeiro —independentemente deste ser de fato determinado verdadeiro? Apresente um exemplo que ilustre sua resposta.
Evidências são constatações empíricas que justificam uma crença, aumentando ou diminuindo a probabilidade do conteúdo desta crença ser verdadeiro. Uma crença, quando por meio das evidências que a justificam, apresentam uma alta probabilidade do conteúdo desta crença ser verdadeiro, então esta crença se aproximaria da condição de conhecimento. Aceitamos uma crença enquanto conhecimento, quando a probabilidade da ocorrência das evidências que a justificam nos é satisfatória.
“Descartes parece afirmar que, para que se saiba alguma proposição P, nossa situação epistêmica E deve ser tão boa que elimine qualquer possibilidade de erro. Os filósofos frequentemente usam a abreviação P(H/E) = n para exprimir o fato de que a probabilidade de dada hipótese H relativa a uma evidência E é igual a certo número entre 0 e 1″. (FUMERTON, p.32)”
Na visão cartesiana as evidências que justificam uma crença só a tornarão verdadeira se a probabilidade do conteúdo desta crença ser verdadeiro seja de 100%, podendo esta somente então ser considerada conhecimento. Entretanto, essa exigência acabaria por determinar como falsas praticamente todas as nossas crenças candidatas à afirmações de conhecimento.
Desta forma, em termos práticos, podemos (e precisamos) tomar como afirmação de conhecimento uma crença quando as evidências que a justificam apresentam uma probabilidade que acreditamos nos satisfazer, dependendo do fenômeno. Podemos considerar o exemplo de sair de casa levando ou não o guada-chuva. Observamos a previsão do tempo e constatamos que a probabilidade de chuva é de 50%. Levamos ou não o guarda-chuva? Alguns levariam, mas outros, por exemplo, preferem assumir a hipótese de que irá chover somente quando a probabilidade for maior que 80%, pois, por experiência, na maioria das vezes em que a probabilidade foi de 50%, acabou não chovendo.
2. Descreva o princípio epistêmico de “fechamento por inferência conhecida” e mostre, por meio de um exemplo, porque os argumentos de Gettier, entre outros, levam a questionar que este princípio possa ser mantido para crenças cotidianas de conhecimento proposicional.
O princípio do fechamento por inferência conhecida ocorre quando temos uma proposição que sabemos que é verdadeira e que esta implica em outra proposição de que não sabemos à respeito. Se P é verdadeiro e implica em Q, então Q é verdadeiro. Segundo Fumerton:
“O seguinte princípio parece ser a muitos de nós quase tão óbvio quanto qualquer princípio pode ser: se você sabe uma verdade P e sabe que P implica (garante a verdade de) Q, então você tem, no mínimo, condições de saber que Q.” (Fumerton, p.35)
Um exemplo poderia ser a seguinte proposição “notícia ruim chega rápido”. Sabemos quando um parente próximo viaja ou sai à noite, que se acontecer alguma coisa ruim alguém irá ligar para dar as más notícias. Entretanto, ficamos preocupados até o retorno do mesmo, ainda que ninguém nos tenha ligado. Ou seja, se sabemos que se acontecer alguma coisa ruim, podemos concluir por inferência que enquanto ninguém ligar é por que está tudo bem e, assim, não há com o que se preocupar (embora a maioria dos pais não ajam dessa forma).
Assim, apesar de considerarmos a proposição “notícia ruim chega rápido” como verdadeira, sabemos que na verdade, o que ocorre é que preferimos assumir que ela é verdadeira pois, com isso, por inferência, não precisaríamos nos preocupar enquanto a “notícia ruim” não chegar. Caso contrário, se não tomarmos essa crença como verdadeira, ficaríamos sempre preocupados quando na falta de notícias sobre alguém por exemplo.
3. Em que consiste o “argumento do regresso epistêmico” e quais as principais respostas ao problema que este argumento apresenta? Usando um exemplo, demonstre como uma das possíveis soluções ao problema do regresso epistêmico seria estabelecida. (Fumerton, cap. 3)
O argumento do regresso epistêmico parte do princípio de que conhecimento é uma crença verdadeira justificada. Assim, toda justificativa de uma crença precisaria ser também justificada por outra e assim sucessivamente, ad infinitum. Segundo Fumerton, existem três contra-argumentos:
Parece haver apenas três alternativas reais para se aceitar o argumento do regresso epistêmico para o fundacionalismo. A primeira é a assim chamada teoria coerencial da justificação. A segunda é uma visão que Peter Klein (1999) denomina infinitismo. A terceira é o ceticismo radical. (Fumerton, p.72)
Basicamente a teoria coerencial da justificação baseia-se no princípio de que as justificações de crenças não necessitam ser necessariamente lineares, ou seja, que A é justificado por B que é justificado por C e assim sucessivamente, quando, nesse caso, não existe qualquer conexão entre nova justificativa com quaisquer das justificativas anteriores. Neste modelo, uma justificativa só tem relação com a crença que ela está justificando e com a crença que a justifica. Na teoria coerencial, nada impede que D que justifica C também justifique B e, G que justifica F também justifica C, e que R possa justificar até mesmo A. Nessa visão, as justificativas se inter-relacionam não de forma linear, mas de forma circular ou em rede. A proposta desta teoria é que uma crença é suportada por um conjunto de crenças em que as crenças podem ser justificadas por uma ou mais crenças deste conjunto. Desta forma, consideramos a proposição inicial como verdadeira, quando o conjunto de crenças no qual ela se apoia é coerente e a justifica como um todo. Na proposição “dormir bem é importante para a saúde” possivelmente teríamos uma rede de crenças onde muitas se auto justificariam onde, no final das contas, essa rede de crenças inter-relacionadas justificaria nossa proposição de tal forma que possamos considerá-la verdadeira.
4. Mostre, por meio de um exemplo, como o fundacionalismo internalista que sustenta a possibilidade de “familiaridade direta” com justificações não inferenciais de crenças epistêmicas parece fracassar pela falta de garantia para a relação de correspondência entre pensamentos e realidade. (Fumerton, cap.4)
O fundacionalismo internalista sustenta que crenças epistêmicas podem ser justificadas não por meio de inferência à outras crenças, mas sim pelo que denominam “familiaridade direta”. São crenças em que, segundo essa visão, podem ser justificadas por meio das ideias que formamos acerca da realidade o que, nas palavras de Hume, seriam nossas impressões. Em outras palavras, as crenças epistêmicas poderiam ser justificadas somente utilizando recursos internos cujo conteúdo serviria como justificativa pessoal da crença.
Exemplo disso é quando afirmamos que está calor ou está frio com base em na impressão interna que construímos a partir de nossas sensações. Embora para nós possamos assumir como verdadeiro que está calor por que estamos sentindo calor, isso pode não condizer com a realidade. É nesse ponto em que as justificações não inferenciais de crenças epistêmicas podem falhar pois não podemos determinar se a nossa justificação interna condiz com a realidade. Poderíamos por exemplo estar sentindo calor por ter ingerido algum alimento muito apimentado e podemos acabar acreditando que estamos com calor por que está calor quando, de fato, pode não estar. Para outra pessoa que por sua vez não tenha ingerido esse alimento, é mais provável que a mesma tenha uma percepção do tempo mais próxima da realidade do que a que ingeriu (de fato, em termos de variáveis climáticas, diz-se que está calor ou frio de acordo com o estabelecido pela sensação térmica).
É nesse ponto então que nossas impressões não são garantia de correspondência com a realidade, muitas vezes, pode ocorrer inclusive de estarmos fazendo referência à uma realidade interna quando acreditamos tratar-se de algo relacionado à realidade que nos é externa.
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