A Moralidade da Não-Escolha – Ensaio Primeiro

A Moralidade da Não-Escolha

Introdução: O que é o Dilema do Bonde

O Dilema do Bonde, trata de uma situação hipotética em que um bonde desgovernado avança pelos trilhos de uma ferrovia. Em seu caminho encontram-se amarradas aos trilhos 5 pessoas. Você se encontra parado próximo a uma alavanca, que, ao ser acionada, desviaria o bonde para um caminho paralelo, salvando as 5 pessoas. Entretanto, você percebe que existe uma pessoa amarrada nos trilhos deste caminho paralelo. O dilema refere-se à decisão “mais ética” a ser tomada: 1) Não acionar a alavanca e deixar o bonde avançar matando assim as 5 pessoas ou 2) puxar a alavanca, salvando as 5 pessoas, porém provocando a morte da pessoa que está amarrada no caminho paralelo.

 


 

Para tratarmos da moralidade da não-escolha em relação ao dilema de trolley, considera-se as seguintes variáveis envolvidas:

  • o fator humano
  • a imparcialidade (ou sua ausência)
  • se os fins justificam os meios (ou não)

O fator humano é uma variável, dada a natureza humana, imprevisível. Creio que podemos determinar que se o agente for humano, esse fator existe; e sendo o agente uma máquina, esse fator é inexistente.

No caso do Dilema do Bonde, o agente irá analisar as informações disponíveis. Sendo este agente humano, o fator humano irá determinar se o mesmo conseguirá ser imparcial ou não; e sendo o agente uma máquina, este será imparcial ou não de acordo com a programação algorítmica que está sendo utilizada pelo agente (uma máquina pode ou não utilizar, por exemplo, recursos de inteligência artificial).

 


Parte 1: Agente do tipo humano


[ 1.1 ]

Quando o agente humano, após analisar as informações disponíveis, consegue se manter na condição de ser imparcial quanto à decisão de acionar ou não a alavanca, pode-se dizer que em sua decisão os fins não justificam os meios.

Quando o agente humano, após analisar as informações disponíveis, não consegue se manter na condição de ser imparcial quanto à decisão de acionar ou não a alavanca, pode-se dizer que em sua decisão os fins justificam os meios.


No caso do Dilema do Bonde, em que um trem desgovernado está seguindo por um trilho que segue em direção onde se encontram amarradas cinco pessoas, a imparcialidade implica necessariamente a condição em que o agente humano não deve acionar a alavanca. Isto pois, se o fizesse, estaria satisfazendo uma parte – salvando as cinco pessoas – em detrimento de outra, sendo por esse motivo parcial em relação à uma das partes.

A parcialidade requer, desta forma, que exista uma justificativa que a explique. É necessário que se entenda quais os motivos que levaram o agente a acionar a alavanca, causando assim, de forma intencional, a morte de uma pessoa para que no lugar desta fossem salvas outras cinco. Nesta decisão, pode-se dizer que os fins justificam os meios, uma vez que o agente optou por usar a vida de uma pessoa como meio para salvar outras cinco.

A imparcialidade, por outro lado, não requer nenhuma justificativa que a explique. Ao não acionar a alavanca, o agente não está causando de maneira intencional a morte de ninguém. Não é ele o responsável pelo trem desgovernado seguir na direção das cinco pessoas amarradas aos trilhos. Nesta condição não se pode dizer que o agente escolheu sacrificar cinco pessoas para salvar uma pois, se o fizesse, não estaria sendo imparcial (e é justo essa condição de que estamos tratando aqui: a de que o agente agiu de maneira imparcial). Nesta decisão, pode-se dizer assim que os fins não justificam os meios, pois o agente, para assegurar a imparcialidade, seria incorreto dizer que este, ao não acionar a alavanca, estivesse causando a morte das cinco pessoas como meio para salvar a outra (pois caracterizaria novamente uma condição de parcialidade do agente).

 


[ 1.2 ]

Que uma ação realizada a partir de uma decisão moral em que os fins não justificam os meios (imparcial) é moralmente mais correta do que outra em que os fins justificam os meios (parcial).


Quando os fins justificam os meios, sempre haverá uma das partes que foi prejudicada em benefício de outra ou, então, uma das partes que tenha sido mais beneficiada que outra. Atribui-se portanto, de maneira intencional e parcial, o prejuízo para uma das partes em benefício de outra (seja visando o bem maior ou o menor prejuízo). Sempre existirá, nesse caso, duas ações morais envolvidas: uma moral moralmente menos correta, causadora do prejuízo à uma das partes; e outra moralmente mais correta, resultante no benefício da outra parte. Pode-se dizer desta forma, que a ação moral resultante é composta por duas ações morais, uma positiva e outra negativa, onde espera-se que, segundo o agente, a ação positiva é maior que a negativa, como ocorre por exemplo na equação: ação positiva = 5, ação negativa = -1; ação positiva + ação negativa = 4.

Quando os fins não justificam os meios, a imparcialidade assegura que nenhum prejuízo foi causado de forma intencional à uma das partes para benefício de outra (nada foi usado como meio para um determinado fim). Nesse caso, não existe uma ação moral “negativa” ou “menos correta”, pois não se causou nenhum prejuízo intencional, uma vez que a pessoa amarrada na via alternativa permanece viva; mas também não se causou nenhum benefício, uma vez que é muito provável que as cinco pessoas amarradas na via por onde avança o trem desgovernado morram. É incorreto dizer neste caso que a pessoa que se encontra na via alternativa “foi salva” ou que tenha sido intencionalmente beneficiada a partir do momento em que o agente decidiu por não acionar a alavanca pois em sua condição original, apesar de amarrada, essa pessoa não corria o risco de morte para ter que ser “salva”. Da mesma forma que é incorreto dizer que as cinco pessoas que morreram foram intencionalmente prejudicadas e assim mortas pela decisão do agente em não acionar a alavanca pois, em sua condição original, as cinco pessoas já corriam risco de morte acerca até mesmo da própria existência do agente. Pode-se dizer desta forma, que a ação moral resultante é nula, pois nenhuma ação moral negativa e nenhuma ação moral positiva foi causada pelo agente, como ocorre por exemplo na equação: ação positiva = 0, ação negativa = 0; ação positiva + ação negativa = 0.

O ponto em questão é determinar o que é moralmente “mais correto”. Ao decidir por acionar a alavanca, o agente causou intencionalmente a morte de uma pessoa pra salvar outras 5; porém ao decidir por não acionar a alavanca, o agente não causou, de maneira intencional, a morte de ninguém. No primeiro caso, existe um prejuízo incalculável que está escapando à equação: o prejuízo causado pelo próprio agente contra si mesmo, a partir do momento em que este provoca a morte intencional de uma pessoa: o fato de ter salvo outras cinco pessoas pode até justificar, porém não minimiza o fato do agente ser diretamente responsável pela morte de uma pessoa. Já no segundo caso, o agente não é diretamente responsável pela morte de ninguém.

O cerne da questão parece girar em torno se os fins justificam os meios ou não. Se uma decisão parcial precisa ser justificada (os fins justificam os meios) é por que a certeza de sua moralidade é condicionada; já uma decisão imparcial não precisa ser justificada (os fins não justificam os meios), sendo ela assim, incondicional.

Algo que precisa de justificação quanto seu aspecto moral, parece potencialmente moralmente “menos correto” do que algo que não precisa ser justificado. Existe uma ação moralmente incorreta dentro da ação moral resultante de uma decisão parcial; mas não existe nada de imoral dentro de uma ação moral resultante de uma decisão imparcial. Se quisermos determinar que ação é moralmente a mais correta, me parece fazer sentido dizer que é aquela que não possui qualquer imoralidade em sua constituição, podendo-se considerar assim, a decisão imparcial como mais  “puramente” correta em sua essência do que uma decisão parcial.

 


[ 1.3 ]

Que uma ação realizada a partir de uma decisão moral em que os fins justificam os meios (parcial) é limitada aos fins primários.


Ao decidir por não acionar a alavanca, não se alteram as causas e tão pouco também os efeitos da decisão; porém ao decidir por fazê-lo, somente os efeitos primários diretos são alterados. Neste tipo de decisão, o agente responde em função somente “do que irá acontecer primeiro”, ou seja, os efeitos da ação limitam-se à duas opções: se serão cinco o número de pessoas atropeladas pelo trem ou se será apenas uma.

Nestas circunstâncias, não há como “simular” o que irá ocorrer depois, ou seja, os efeitos seguintes ao efeito primário percebido pelo agente. O que acontecerá depois em um cenário em que as cinco pessoas continuam vivas enquanto uma outra é sacrificada intencionalmente? Se é inútil ficar-se perguntando “e se tivesse acontecido isso? e se tivesse acontecido aquilo?” a partir de um efeito primário, então por que esse efeito primário serve como justificativa para se valer do uso de um determinado meio?

Vamos supor em um segundo momento que o filho da pessoa que foi morta intencionalmente para que fossem salvas as outras cinco, resolva se vingar, promovendo o descarrilamento de um outro trem e matando 200 pessoas. É imprevisível determinar a probabilidade de ocorrência ou não deste evento pois depende, fundamentalmente, de uma resposta de natureza humana ao efeito primário produzido intencionalmente pelo agente. E se filho da pessoa fosse um terrorista? Será que essa resposta seria tão imprevisível? Será que se o agente tivesse conhecimento de que ao salvar 5 pessoas, em um primeiro momento, estaria promovendo a morte de outras 200 pessoas em seguida? Se sentiria esse responsável pela morte intencional de 1 pessoa e não intencional de outras 200? Teoricamente o agente, de posso dessa informação, talvez decidiria por não acionar a alavanca, salvando assim, 201 pessoas.

Humanamente é impossível tomar uma decisão a partir dos efeitos primários. Entretanto, pode-se pensar que um agente não-humano, dotado de inteligência artificial, possa em questão de milissegundos identificar a pessoas que será morta pelo acionamento da alavanca, pesquisar seus familiares diretos e identificar o filho terrorista, podendo dessa forma então calcular a probabilidade real da ocorrência de um efeito secundário, cujos danos são maiores do que os do efeito primário que se deseja evitar. Seria justificável a escolha deste agente não-humano em não acionar a alavanca, causando a morte de cinco pessoas a fim de poupar a vida da pessoa amarrada na via alternativa, em um primeiro momento, para então salvar outras 200 pessoas do atentado ao trem que possivelmente seria causado caso a vida desta pessoa não fosse poupada?

Considera-se portanto, em uma decisão parcial, somente o efeito primário alternativo direto decorrente da decisão do agente.  O único dano que se pretende e que se pode evitar, assim, é o dano primário diretamente causado pelo agente, deixando de fora da tomada de decisão todas as consequências alternativas decorrentes do novo efeito primário. Só é possível assegurar que os meios são justificados quando somente os efeitos primários são considerados, mas não há entretanto, nenhuma garantia de que os fins subconsequentes ao primário continuariam a justificar os mesmo meios que foram sacrificados para evitar os efeitos primários diretos.

Seria o equivalente a ignorar a rota traçada pelo GPS até o seu destino, e resolvêssemos sair da rota traçada por este em função de que o mesmo está indicando que o trecho à seguir está, por exemplo, muito congestionado. Considerando o congestionamento, a duração do trajeto prevista para chegada ao destino é de 1 hora, entretanto, ainda assim, decidimos por sair da rota originalmente traçada e pegar uma via alternativa, esta por sua vez, livre de congestionamento. À princípio livramo-nos do congestionamento, e concluímos ter feito a “melhor escolha”, entretanto, quando o GPS traça uma nova rota a partir da via alternativa, a duração total do novo trajeto até o destino é de 2 horas. Como se não bastasse, verificamos que no novo trajeto seremos obrigado à passar por um trecho ainda mais congestionado do que aquela que evitamos na rota original. Desta forma, se não podemos determinar que uma nova rota a ser traçada pelo GPS será melhor ou pior que a atual, o que justifica decidirmos sair da rota traçada originalmente somente em função do trecho congestionado que se apresenta a seguir? Não seria o mesmo que achar que os trechos seguintes até o destino não existissem?

Dessa forma, em uma escolha parcial, pode-se dizer que o agente decide por provocar um dano intencional – a morte de uma pessoa amarrada na via alternativa do trem – para evitar um dano primário não intencional maior, ao mesmo tempo que ignora a probabilidade dos danos secundários não intencionais de sua decisão serem maiores que aquele que evitou.  

A questão portanto é: se o agente não pode ter certeza dos fins, como decidir por sacrificar os meios? A imparcialidade da escolha, a não-escolha, alinha-se com a condição de que os fins totais são imprevisíveis e, portanto, não existem justificativa para que qualquer meio seja sacrificado. Em outras palavras, se não há como ter certeza de que os fins vão justificar os meios, por quê decidir por sacrificá-los?

 


[ 1.4 ]

A imparcialidade é a “tendência moral correta” que o agente deve buscar em primeiro lugar.


Para manter o que se entende por justiça em uma sociedade, a imparcialidade, sem dúvida, é a “tendência moral correta” que o agente deve buscar em suas decisões, incluindo, também no dilema do bonde. Se assumirmos que os fins podem justificar os meios, então pode-se saber o dano maior à longo prazo que a adoção de tal princípio pode causar: a ruptura do pilar da justiça em uma sociedade. Isso por que à qualquer momento alguém teria uma explicação plausível para justificar os danos à outrem causados pelos atos de um agente. Poder-se-ia dizer que o roubo é justificado, pois o ladrão está desempregado e precisa sustentar sua família. Ora, se admitirmos que este princípio moral prevaleça, então o mesmo orientará a sociedade a buscar soluções para seus problemas pautadas neste princípio. Ou seja, alguém que está desempregado, no lugar de buscar quaisquer outros meios lícitos para obter algum resultado financeiro e assim sustentar sua família, poderia partir do princípio moral de que os fins justificam os meios e cometer roubos como solução imediatista ilícita para sua necessidade financeira.

Desta forma, é necessário que o agente sempre que possível busque a imparcialidade, pois faz-se necessário colocar sempre na balança, também o dano maior à longo prazo causado por escolhas parciais. O agente não pode prever os efeitos secundários não intencionais de sua decisão, exceto este. Desta forma, se a imparcialidade é o princípio moral ao qual o agente deve se submeter em primeiro lugar, não seria também o mais correto?

Ocorrerá situações em que será humanamente impossível ao agente ser imparcial. A decisão parcial é uma escolha que precisará ser submetida à consciência da moral individual do agente, mas também, ao julgamento de uma moral coletiva, visto que não se trata de uma decisão baseada no princípio moral principal da imparcialidade. Por esse motivo qualquer decisão parcial precisa ser bem justificada, tanto para a moral individual do agente quanto para uma moral coletiva, para assim poder ser entendida como uma “exceção à regra” moral principal. Já em uma decisão imparcial o agente está baseado em um princípio que carrega, sempre, a perpetuação de um bem social maior: a perpetuação da justiça. E esta talvez seja a maior e única justificativa (embora desnecessária) que sirva à consciência da moral individual e coletiva quando para lidar dos efeitos primários não intencionais de decisões imparciais.

 


 

[ 1.5 ]

Objeções à imparcialidade: Quanto ao que se considera ou não omissão de socorro

(falta escrever melhor: a premissa da imparcialidade antecede a solução a ser tomada. Ao partir do princípio em não acionar alavanca, o agente poderá tentar – ainda que em vão – outra solução para salvar as 5 pessoas amarradas ao trilho do trem)

[ 1.6 ]

Objeções à imparcialidade: E se fossem 500, 5 mil ou 50 mil pessoas a serem atropeladas pelo trem

(falta escrever melhor:  o número será relativo à cada pessoa e determinará a capacidade desta em manter-se imparcial ou não. Exemplo: enquanto que para uns 10 pessoas seriam motivos para não serem imparciais, para outras poderiam ser mil)

 

1 Comment on "A Moralidade da Não-Escolha – Ensaio Primeiro"

  1. Bela reflexão caro amigo.
    Sabes que o ponto que tocastes quanto a opção da não escolha nos coloca em posição a refletir sobre um grande entrave da sociedade atual. Pode ser apenas um sentimento empírico, mas vejo eu que contemporaneamente todos sentimos a necessidade de poder ter opinião sobre praticamente tudo (escolher um lado), ou melhor, precisamos ter respostas e tomar decisões rápidas em todos momentos de nossas vidas. Exemplo: Meninos que saem do ensino médio e se veem na necessidade de já saber que curso seguirão em um ensino superior, onde em muitos casos esses mesmos meninos acabam desistindo do curso que escolheram e seguindo outro que mais lhe apetecem. Talvez isso ocorra por influência dos pais ou por acreditarem que o mais importante é um curso que lhes tragam uma boa renda, o que sabemos que caso seja esse o propósito o curso se tornara mais penoso do que prazeroso.
    Desse modo Ubirajara percebo nesse momento que acabamos por sacrificar nossos próprios meios para chegar a um possível fim (como aquele jovem que acredita valer a pena trabalhar por toda vida para no fim gozar de sua tão esperada aposentadoria).
    A não escolha imediatista nos da tempo para ter escolhas melhores e quando não podem ser melhores ao menos evitam ser injustas.
    Pretendo não ter fugido muito ao tema, mas como sabes possuo a necessidade de compartilhar tais pensamentos que me importunam em busca de respostas.
    Grato por compartilhar esse instigante escrito.

Leave a comment