A Teoria Anarquista do Conhecimento de Feyerabend

Feyerabend, filósofo austríaco que nasceu em Viena, janeiro de 1924 e morreu em Genolier, em fevereiro de 1994, ficou famoso por sua visão científica anarquista da ciência e por sua suposta rejeição da existência de regras metodológicas universais. É uma figura influente na filosofia da ciência, e também na sociologia do conhecimento científico. Seus maiores trabalhos são Against Method (publicado em 1975), Science in a Free Society (publicado em 1978) e Farewell to Reason (uma coleção de artigos publicados em 1987). 

(Wikipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Feyerabend)

Dentre as ideias anarquistas do autor em sua obra “Contra o Método”, destacam-se:

1. Tudo vale:

Feyerabend neste ponto faz uma crítica quanto à rigidez normativa da ciência como elemento que impede o progresso. Ele afirma que o progresso se dá somente quando as regras são violadas involuntariamente ou simplesmente deixadas de lado. Para reforçar essa tese, o autor cita exemplos em que progressos científicos foram alcançados quando isso ocorreu: o desenvolvimento da teoria copernicana,  o surgimento do moderno atomismo (teoria cinética; teoria da dispersão; estereoquímica; teoria quântica) e o aparecimento gradual da teoria ondulatória da luz.

É claro, portanto, que a idéia de um método estático ou de uma teoria estática de racionalidade funda-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de sua circunstância social. Os que tomam do rico material da história, sem a preocupação de empobrecê-lo para agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual (que se manifesta como desejo de clareza, precisão, ‘objetividade’, ‘verdade’), esses vêem claro que só há um princípio que pode ser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio: tudo vale.

(Feyerabend, Paul. Contra-Método, p. 34)

Feyerabend defende assim, seguindo os exemplos citados, que a ciência deve seguir o princípio do “tudo vale”, ou seja, valer-se de um princípio onde não existem regras. O que pode-se perceber, entretanto, nos exemplos citados, é que a ciência já se vale da regra de “quebrar as regras” quando necessário. Caso isso não fosse verdade, então não teríamos tido nenhum progresso científico… e sabemos que isso não é verdade. O “tudo vale” de Feyerabend é uma teoria não testada, ou seja, que caminho um cientista iniciaria seus trabalhos se não valesse de alguma regra ou método que balizasse seus trabalhos? E tratando-se de um trabalho em equipe… será que a total ausência de regras produziria melhores resultados? Ao mesmo tempo poder-se-ia perguntar: o progresso não consiste em trocar ou melhorar algo velho por algo novo? e nisso não estaria implícito que o próprio progresso não deixa de ser uma “quebra de regra”? Não estaria assim a “quebra de regra” na ciência alinhada com a essência de “quebra de regra do progresso”?

O contra-anarquismo:

Supondo um grupo de cientistas que trabalhe sem regras. Durante o desenvolvimento dos seus trabalhos, entretanto, não conseguem obter os resultados esperados. Então os cientistas resolvem se reunir (nem todos participaram, pois, como não haviam regras, não era obrigatória a participação) para buscar alternativas para se obter resultados em suas pesquisas, onde inicia-se o seguinte diálogo:

cientista 1: “verifiquei que antigamente os cientistas seguiam algumas regras e métodos… por que não experimentamos?”

cientista 2: “Negativo! Nosso trabalho consiste em não seguir regras! Esqueceu?”

cientista 1: “Ok… mas isso é uma regra? somos obrigados a não seguir regras???”

cientista 2: “Sim, é claro! Só assim alcançaremos o progresso”

cientista 1: “Mas veja bem… não estamos conseguindo atingir nenhum progresso no momento… é por isso que estamos aqui reunidos…”

cientista 2: “Não importa… não podemos seguir regras!!!”

O que se segue é o que já existe: o cientista 1, involuntariamente ou simplesmente deixando de lado a instrução que o obrigava a não seguir regras, experimenta testar as antigas regras e métodos da equipe anterior, quebrando assim a regra de não seguir regras. Se o cientista 1 obteve resultados? É irrelevante… o que importa é que ele testou algo diferente para buscar novos resultados. Como dizia Einstein: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”. Moral da história: Acredita-se que, portanto, não se trata pois de quebrar regras, mas se trata de buscar diferentes alternativas para obter resultados.

2. Incomensurabilidade:

Neste ponto parte do princípio da contextualidade empregado muitas vezes na ciência. Significa que é admissível que duas teorias sejam tão diferentes à ponto que não podem ser comparadas, sequer, por observação dos fenômenos. O autor cita o exemplo da relação entre a mecânica clássica e a teoria da relatividade, estas, consideradas incomensuráveis e que não podem assim ser comparadas.

Conforme Chalmers explicando Feyerabend:

Os sentidos e interpretações dos conceitos e as proposições de observação que os empregam dependerão do contexto teórico em que ocorram. Em alguns casos, os princípios fundamentais de duas teorias rivais podem ser tão radicalmente diferentes que não é nem mesmo possível formular os conceitos básicos de uma teoria nos termos da outra, com a conseqüência que as duas rivais não compartilham das proposições de observação.

(Chalmers, A.F. O que é ciência afinal, p. 163)

Partindo desse princípio, o que Feyerabend quer destacar é o que vem depois, ou seja, entre duas teorias incomensuráveis, qual escolher? Para o autor, trata-se de um processo subjetivo.

Conforme Chalmers citando Feyerabend:

O que permanece (depois que removemos a possibilidade de comparar logicamente as teorias pela comparação de conjuntos de consequências dedutivas) são julgamentos estéticos, julgamentos de gosto, preconceitos metafísicos, desejos religiosos, em resumo, o que permanece seio nossos desejos subjetivos.

(Chalmers, A.F. O que é ciência afinal, p. 163)

Entende-se que Feyerabend, assim, procura enfatizar que, no final das contas, o que decide não é pautado por nenhuma regra ou método. Chalmers critica essa posição, ressaltando que o fato de não se poder comparar duas teorias não impede que a escolha, ainda que subjetiva, siga alguns critérios racionais.

Neste ponto, percebe-se o que parece ser óbvio: se não se pode comparar duas coisas os nenhum aspecto, então a escolha delas vai depender da subjetividade do decisor (ou da maioria dos decisores). É como se alguém perguntasse: “você prefere comer ou beber”?

3. A ciência não é necessariamente superior a outras áreas do conhecimento

Outro ponto ressaltado por Feyerabend é em relação a apropriação que a ciência fez da racionalidade, dando-lhe, assim, o falso status de superioridade em relação à outras áreas de conhecimento. O autor sustenta que, por exemplo, as áreas de conhecimento são incomensuráveis entre si e, portanto, não é possível uma comparação (desta forma não haveria como a ciência ser superior á qualquer outra área de conhecimento).

4. Liberdade do indivíduo

Feyerabend faz uma crítica ao favorecimento da ciência pelo estado em detrimento das outras áreas de conhecimento. Comena Chalmers:

Na imagem que Feyerabend faz de uma sociedade livre a ciência não terá preferência sobre outros tipos de conhecimento ou outras tradições. Um cidadão maduro em uma sociedade livre é “uma pessoa que aprendeu a se decidir e decidiu a favor daquilo que considera mais adequado para si”.

(Chalmers, A.F. O que é ciência afinal, p. 163)

Entende-se que Feyerabend, ao mesmo tempo que defende uma ciência livre de restrições, está também defendendo com isso o não-favorecimento da ciência sobre as demais áreas. Com isso o autor promove e defende uma libertação humanitária do indivíduo do “condicionamento científico” ao qual o mesmo é submetido devido pelo estado e seus interesses. Em outras palavras, o estado necessita da ciência para gerar riqueza e, para isso, é necessário “incentivar” a ciência para manter as pessoas necessárias neste processo.

 


REFERENCIAS

CHALMERS, A.F. O que é ciência afinal?. Editora Brasiliense, 1993.

FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro, F. Alves, 1977.

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