Quanto à validade de provas que fundamentam crenças segundo Wittgeinstein2

Há, por exemplo, tais maneiras inteiramente diversas de pensar, em primeiro lugar — as quais não precisam ser expressas por uma pessoa dizendo uma coisa, outra pessoa dizendo outra coisa.

O que chamamos de acreditar num Dia do Juízo ou não acreditar num Dia do Juízo — A expressão da crença pode desempenhar papel absolutamente secundário.

Se vocês me perguntassem se eu acredito ou não num Dia do Juízo, no sentido em que nêle acreditam as pessoas religiosas, eu não diria: “Não. Não acredito que vá acontecer tal coisa.” Dizer isso me pareceria coisa totalmente maluca.

Dou, então, uma explicação: “Não creio em (…)”, mas a pessoa religiosa nunca acredita no que descrevo.

Não sei dizer. Não posso contraditar tal pessoa.

Em certo sentido, compreendo tudo quanto ela diz — as palavras portuguesas “Deus”, “separado”, ete. Compreendo. Eu poderia dizer: “Não acredito nisso”, e seria verdade, no sentido de que não entretenho tais pensamentos ou qualquer outro que lhes seja conexo. Mas não que eu possa contraditar a coisa.

Vocês poderiam dizer: “Bem, se você não pode contraditá-la, isso significa que não a compreende. Se a compreendesse, então poderia” Isso também é grego para mim. Minha técnica normal de linguagem me deserta. Não sei se diga que se compreendem uma à outra ou não.

Essas controvérsias parecem ser muito diferentes das controvérsias normais. Às razões parecem ser totalmente diferentes das razões normais.

São, de certo modo, assaz inconclusivas.

A questão é que se houvesse provas, elas destruiriam de fato a coisa toda.

Nada do que eu chamo normalmente de prova me influenciaria o mínimo que fosse.

Suponhamos, por exemplo, que eu conhecesse pessoas que prognosticassem o futuro; que fizessem prognósticos para anos e anos à frente; e que descrevessem alguma espécie de Dia do Juízo. Por estranho que pareça, mesmo que houvesse uma coisa assim, e que fôsse mais convincente do que descrevi, a crença nesse acontecimento não seria absolutamente uma crença religiosa.

Suponhamos que eu tivesse de abdicar de todos os prazeres por causa de um prognóstico assim. Se eu fizesse isto e aquilo, alguém me poria na tortura pelo fogo durante mil anos, etc. Eu não arredaria pé. A melhor prova científica é nada.

Uma crença religiosa poderia, em realidade, fugir em face de um prognóstico que tal, e dizer: “Não. Ali sucumbirá.”

Por assim dizer, a crença formulada com base em provas pode ser apenas o resultado final — no qual uma porção de modos de pensar e de agir se cristalizam e unificam.

Um homem lutaria desesperadamente para não ser arrastado para o fogo. Nenhuma indução. Terror. Isso constitui, por assim dizer, parte da substância da crença.

(PC, p.92-94)

REFERÊNCIAS

PC – WITTGENSTEIN, L. Estética, Psicologia e Religião. Palestras e Conversações. São Paulo: Ed. Cultrix, 1970.

Be the first to comment on "Quanto à validade de provas que fundamentam crenças segundo Wittgeinstein2"

Leave a comment