Resumo Artigo: “Filosofia e literatura: linguagem científica, hermenêutica e literária” – Luiz Rohden

RESUMO


1. Colocação do problema e caminhos a percorrer:


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  • Autores que tratam das relações entre filosofia e literatura:
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    • M. Foucault, W. Benjamin, T. Adorno, H-G. Gadamer e P.Ricoeur.

 

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  • Pontos em comum entre filosofia e literatura no que diz respeito à trama do conhecimento humano:
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    • Linguagem, experiência, o tempo, a historicidade e a subjetividade.

 

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  • Motivo da escolha do tema da Linguagem:
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    • “porque a constituição da identidade humana ocorre sempre mediadamente (lingüisticamente) e não se dá imediatamente. Há uma procura de aprofundamento das relações entre linguagem e literatura, não apenas do ponto de vista científico, mas filosófico. Enfim, esse é um tema caro à hermenêutica filosófica atestável na afirmação gadameriana: “ser que pode ser compreendido é linguagem”

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  • Metodologia:
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    • Explicitar a linguagem cientificista/analítica que alimenta os preconceitos que pesam sobre as relações relacionais entre a filosofia e a literatura que suprime a metáfora, a ficção, a experiência, o tempo e assim a própria possibilidade de justificar a relação filosófica entre filosofia e literatura.

2. Tópicos da linguagem científica:


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  • O mito da Torre de Babel (Gênesis 11 : 1-9):
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    • O mito sugere a existência originária de um único povo que falava uma única língua comum (universal, unívoca). Antes da conclusão da construção da torre, o Senhor confundiu a linguagem dos homens, fazendo-os dispersar sobre toda a face da terra, falando as diversas línguas.
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  • Origens da linguagem científica:
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    • Platão: A linguagem como instrumento secundário do conhecimento que visa designar objetos e comunicar pensamentos. Esta teoria levou a linguagem assumiu duas formas: uma para simplesmente designar objetos singulares; outra para designar a essência comum destes objetos singulares. Essa concepção reducionista pressupõe uma isomorfia entre a linguagem e a realidade: “porque há uma essência comum a um determinado tipo de objetos é que a palavra pode designá-los e assim aplicar-se a diferentes objetos que possuem essa essência”.
    • Wittgenstein: No Tractatus Logico-philosophicus (TLP), ele pressupõe a existência de um mundo em si que independe da linguagem. Esta serviria então somente em caráter secundário com o objetivo somente de exprimir a realidade. Por esse motivo ele trabalho na ideia de uma “linguagem perfeita”, matemática, que seria a medida para qualquer linguagem, capaz de reproduzir com exatidão a estrutura ontológica do mundo.
    • Conclusão: Estes argumentos que objetivam a linguagem como simples instrumento para expressão da realidade acabou por excluir do corpo linguístico aspectos como as metáforas, o verossímil, o provável, o possível, a intuição, a arte e a religião.
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  • Limitações da linguagem científica:
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    • o próprio Wittgenstein criticou sua teoria objetivista da linguagem afirmando que “não existe um mundo em si independente da linguagem, que deveria ser copiado por ela. Só temos o mundo na linguagem; nunca temos o mundo em si, imediatamente”

    • Formalizar a linguagem, para Heidegger, é “conceber a linguagem como mero sistema de signos, é não perceber a essência da linguagem como o meio universal no qual e pelo qual nós mortais somos iluminados pelo Ser”

    • Gadamer corroborou a crítica à concepção de linguagem como ‘cálculo’ concebendo linguagem enquanto medium do nosso modo de pensar, de conhecer e de agir.

    • W. Benjamin “pedia uma transformação (Umbildung) e correção do conceito [kantiano] de conhecimento, que segue de maneira unilateral a orientação matemático-mecânica” uma vez que “Kant não refletiu o suficiente sobre o fato da filosofia encontrar sua expressão única em linguagem e não em fórmulas e números”17. Refletir sobre a linguagem, de acordo com Benjamim, significava aprofundar a inseparabilidade existente entre linguagem e pensamento filosófico.

    • “Partindo de uma concepção de linguagem mais ampla, mais viva, mais dinâmica, irredutível a fórmulas e a números é que poderemos pensar as proximidades transacionais entre filosofia e literatura.”

    • “A linguagem é irredutível à dissecação científica porque o ser humano não pode ser submetido à medida quantitativa que elimina do seu horizonte o tempo, a experiência. Ele não se compreende clara e distintamente – embora talvez tenha tal pretensão – porque é um ser histórico, livre, criativo.”

    • Concebendo a linguagem como ‘uma forma de vida’ (Wittgenstein: Investigações filosófica, 23), enquanto ‘medium’ no qual nos constituímos, pensamos e somos, poderemos encontrar e explicitar um conjunto de dimensões próprias da filosofia e da literatura através do fio da linguagem.

    • “A ‘medição’ desse fio não deve ser submetida à regra quantitativa [clara e distinta], mas compreendida por uma medida qualitativa.”

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  • A inesgotabilidade da linguagem:
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    • “Encontramos esse traço de inesgotabilidade da linguagem em afirmações de Gadamer como: “hermenêutica é isto: que fica sempre, algo de não dito, quando se diz algo” ou então “o princípio supremo de toda hermenêutica filosófica é, assim como eu enso (e por isso é uma filosofia hermenêutica), que nunca podemos dizer totalmente aquilo que nós queríamos dizer”

    • W. Benjamin formulou este caráter inesgotável, inefável, ao qual a linguagem está vinculada afirmando “todas as coisas estão presas a algo alingüístico (Allen Dingen haftet etwas Sprachloses)”

    • a inesgotabilidade da linguagem enraíza-se, em última instância, no sentido da afirmação heracliteana: “nunca poderás encontrar os limites da alma, por mais que percorras os seus caminhos, tão profundo é o seu logos”


3. Tecendo relações entre linguagem hermenêutica e literatura:


3.1. Enquanto dizer, exprimir, traduzir:


  • a hermenêutica metodológica, porque exclui do seu horizonte aquilo que não pode ser manipulado conceitualmente.

  • a hermenêutica, enquanto filosofia, não é qualquer disputa de métodos com outras ciências, teoria das ciências ou coisas que tais, senão um modo de mostrar que – … – em cada momento em que pomos nossa razão a trabalhar, não fazemos apenas ciência. Sem levar a falar os conceitos, sem uma língua comum, não podemos encontrar palavras que alcancem o outro”

  • É a partir desta perspectiva de hermenêutica que aprofundaremos as relações com a literatura. De modo que, com a influência da fenomenologia e da filosofia existencial, “compreender uma obra literária não é uma espécie de conhecimento científico que foge da existência para um mundo de conceitos; é um encontro histórico que apela para a experiência pessoal de quem está no mundo”

  • Vejamos três orientações básicas presentes no verbo grego hermeneuein e no substantivo
    hermeneia que deram origem ao termo hermenêutica e que pertencem igualmente ao campo
    da literatura:
    dizer, ou seja, exprimir em voz alta, explicar e traduzir.

DIZER

  • “Relacionado com a missão anunciadora de Hermes, o deus criador da linguagem, a hermenêutica aparece como dizer no sentido de exprimir, afirmar.”

  • “O dizer invoca e nos reenvia à dimensão oral da linguagem.”

  • “Tanto a linguagem literária quanto a hermenêutica supõem e exigem uma relação viva e dinâmica com o real, implicando numa articulação sempre atual entre ver e ouvir, entre a palavra falada e a palavra escrita. Sabemos, por outro lado, da superioridade, num certo sentido, da ‘força’ da palavra oral-proclamada sobre a leitura muda, silenciosa, de um texto.”

EXPLICAR

  • “Neste caso, pressupõe-se e se enfatiza o aspecto discursivo da compreensão mais que sua dimensão expressiva. Explicar pode ser considerado a outra face do dizer (exprimir).”

  • “Tanto a hermenêutica quanto a literatura se propõem explicar, lingüisticamente, os anseios e angústias que movem a humanidade.”

TRADUZIR

  • “Traduzir constitui a terceira orientação da hermenêutica, sendo a mais difundida. Pela hermenêutica, tornamos compreensível o que é estrangeiro, estranho ou ininteligível, utilizando como medium a nossa própria língua.”
  • “Tradução (Übersetzung) não é adequação, não é representação, não é aplicação de uma medida quantitativa, mas uma transposição mediada entre nosso horizonte e o horizonte do outro.”
  • Fernando Pessoa expressou essa solução-problema em seu poema: “temos, todos que vivemos/ Uma vida que é vivida/ E outra que é pensada,/ E a única vida que temos/ É essa que é dividida/ Entre a verdadeira e a errada. Qual porém é verdadeira/ E qual errada, ninguém/ Nos saberá explicar;/ E vivemos de maneira/ Que a vida que a gente tem/ É a que tem que pensar”

3.2. Enquanto compreender:


“A hermenêutica filosófica contém e estrutura-se sobre as três orientações [dizer, explicar e traduzir] que confluem para a elaboração de uma concepção de linguagem enquanto medium, uma vez que “o ser que pode ser compreendido é linguagem” e “o que se pressupõe e se encontra na hermenêutica é apenas linguagem”.

O mesmo podemos dizer da literatura que, enquanto linguagem, procura explicitar e articular a compreensão que o ser humano possui e elabora de si. Tanto uma quanto a outra comungam do projeto de indagar e responder à pergunta ‘quem é o homem?

Ora, as respostas que elas oferecem a esta questão não são definitivas nem esgotáveis, pois partem do pressuposto segundo o qual o homem não é apenas sapiens, lupus, faber, mas um ser condenado a compreender-se compreendendo.

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  • Ficção como ‘forma’ de redescrever o real:
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    • “De acordo com P. Ricoeur, do ponto de vista literário, “pela ficção, pela poesia, abrem-se novas possibilidades de ser-nomundo, na realidade quotidiana; ficção e poesia visam o ser, já não sob a modalidade do ser-dado, mas sob a modalidade do poder-ser”; nesse sentido, como exemplo da linguagem metafórica, “a ficção é o caminho privilegiado da redescrição da realidade”43. Ao criarmos uma linguagem movida pela imaginação, ensaiamos – a partir da nossa realidade – novas possibilidade de ser e de pensar”

    • “é essencial a uma obra literária, a uma obra de arte em geral, que ela transcenda as suas próprias condições psicossociológicas de produção e se abra, assim, a uma seqüência ilimitada de leituras, também elas situadas em diferentes contextos socioculturais. O texto deve poder, tanto do ponto de vista sociológico como psicológico, descontextualizar-se de maneira a deixar-se recontextualizar numa situação nova: é o que faz, precisamente, o ato de ler” . P. Ricoeur

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  • Compreender = interpretar, escrever, ler:
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    • “[…] compreender significa que eu posso pensar e ponderar o que o outro pensa. Ele poderia ter razão com o que diz e com o que propriamente quer dizer”… Os termos compreender e literatura, convertem-se, nesse sentido, e um pode tomar o lugar do outro sem detrimento de um ou outro”

    • “O ato de escrever* constitui um dos caminhos possíveis para nos compreendermos. … Escrevemos para (nos) compreender e nos compreendemos escrevendo, o que caracteriza o nível ontológico-filosófico. “

    • Ao compreendermos (lermos) uma obra, não nos fixamos no que o autor quis dizer, nem procuramos corroborar nossas hipóteses, mas nos interessa o processo mesmo da leitura enquanto experiência, exame que instaura uma ‘terceira margem’ [do texto, do mundo, da vida]. Ler, isto é, “compreender significa, primariamente, saber se ater sobre ‘a coisa’, e só secundariamente isolar e compreender a opinião do outro como tal”

    • “Enquanto princípio básico da hermenêutica, o compreender pressupõe e implica tomar consciência de que, quem pretende compreender, “está ligado à coisa transmitida, e mantém ou adquire um nexo com a tradição da qual fala o texto transmitido.”

    • De acordo com P. Ricoeur “interpretar é explicitar o modo de ser-no-mundo exposto diante do texto”

    • “No ato de apropriar-se de um texto, de acordo com Gadamer, estamos às voltas com ‘a coisa do texto’ e conforme Ricoeur, deparamo-nos diante do ‘mundo da obra’. Para este, compreender significa apropriar-se de um proposta de mundo que “não está atrás do texto, como estaria uma intenção encoberta, mas diante dele como aquilo que a obra desenvolve, descobre, revela. A partir daí, compreender é compreender-se diante do texto”

    • Leitor eu só me encontro quando me perco”. Somente quem ‘perde sua vida pode reencontrá-la’, somente quem se entrega ao jogo do texto assumindo o paradoxo da pertença e do distanciamento [da linguagem do mundo], apropriando-se e se desapropriando dele, pode reavaliar-se e se constituir de modo mais autêntico e coerente.” P. Ricoeur, Do texto à ação: ensaios de hermenêutica II

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  • Caminhos para compreender:
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    • Graças à distanciação do autor com relação à obra, do leitor com relação à obra é possível emergir algo autônomo, novo e criativo.

    • Se o modo de proceder (ler e escrever e vice-versa), tanto da literatura quanto da hermenêutica, enquanto compreender, não se pauta pelo método analítico-dedutivo, como se explicita seu caminhar? Este acontece enquanto um jogo circular que vai “do todo para a parte e novamente ao todo. A tarefa é ampliar, em círculos concêntricos, a unidade do sentido compreendido. A confluência de todos os detalhes no todo é o critério para a correta compreensão”  Gadamer

    • A autêntica postura literária e hermenêutica instaura-se na circularidade entre subjetividade e objetividade, parte e todo; entre intenção prévia e a ‘coisa mesma’ – ‘mundo do texto; entre o sentido e uma direção de sentido; entre projeção e ‘reformulação/retificação/ampliação’ do projetado; entre as palavras e os conceitos; entre a liberdade e a necessidade; entre o dito e o não-dito; enfim, entre eternidade e temporalidade que somos.

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  • Parâmetros próprios do compreender filosófico-literário:
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    • “Somente desse modo o ‘mundo do texto’ pode ser um espelho no qual o leitor pode se espelhar e ser espelhado por ele. A circularidade não é viciosa nesse caso, não só porque o ‘espelho não mente’, mas também porque o leitor não procura simplesmente confirmar seus pré-conceitos ao ler. Trata-se de um jogo circular produtivo porque, pressupondo uma abertura àquilo que o texto pode lhe dizer, pode tomar consciência dos mesmos e ratificá- los ou retificá-los. Nossos pré-conceitos e pré-compreensões são condições de possibilidade – não empecilhos simplesmente – para escrever e ler um texto.”

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  • Conclusão que pergunta:
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    • “Se o dizer, o explicar, o traduzir, o compreender compõem o fio da linguagem, que tece tanto a literatura quanto a filosofia; se a linguagem, enquanto medium no qual nos movemos e somos, nos projetamos e somos projetados, possibilita justificar uma profícua reflexão relacional entre filosofia e literatura é, contudo, o levar a perguntar o que constitui a idiossincrasia de ambos.”

    • Um texto, filosófico ou literário, que não nos leva a duvidar, a perguntar, que não nos perturbe não é um ‘bom texto’. O saber que costura a autêntica relação entre ambas pode ser ancorado, pois, na afirmação de J.G. Rosa, “vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”

    • Perguntar é uma forma de ampliar nossos horizontes e discernir sobre nosso modo de pensar e de agir, o que se realiza enquanto linguagem. A possível circularidade viciosa da linguagem é rompida com o perguntar. Nesta perspectiva, situa-se a afirmação gadameriana: “o ser humano não ‘tem’ unicamente língua, logos, razão, mas se encontra situado em zona aberta, exposto permanentemente ao poder perguntar e ao ter que perguntar para além de qualquer resposta que se possa obter”


<FIM DO RESUMO>

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