Relações entre a Filosofia e a Literatura – Ubirajara T Schier

Nesse trabalho temos como objetivo fundamentar alguns aspectos essenciais quanto à natureza e características das diferentes áreas de conhecimento que possam constituir pontes, clarificando as relações entre a filosofia e a literatura.

Para se estabelecer as relações entre a filosofia e a literatura, partiremos das seguintes premissas:

1. Entre os diferentes tipos de conhecimentos – o empírico, científico, religioso e filosófico – pode-se dizer que a linguagem consiste no meio através do qual cada tipo de saber expressa seus conteúdos;

2. A literatura, embora não constitua formalmente em um determinado tipo de conhecimento, ela também faz uso da linguagem para expressar seus conteúdos;

3. Pode-se presumir também que cada tipo de conhecimento se divide em subtipos mais específicos – dos quatro tipos de conhecimentos mais gerais para tipos mais específicos, como por exemplo a literatura – e que estes constroem por sua vez, uma ou mais “formas de uso” da linguagem para expressar seus conteúdos (a ciência, a filosofia e também a literatura, cada qual possuem suas “formas de uso” da linguagem para expressar seus conteúdos);

4. Que os objetos de estudo dos diferentes tipos de conhecimento são os objetos existentes em nossa realidade, bem como, os objetos produzidos por estes objetos – sejam eles abstratos ou não;

5. Que os conteúdos produzidos pelos diferentes tipos de conhecimento podem, eventualmente, tratar dos mesmos objetos;

6. Que nada impede que uma determinada forma de uso da linguagem desenvolvida por um determinado tipo de conhecimento possa ser aproveitada e utilizada por outro tipo de conhecimento, a fim de expressar seus conteúdos específicos acerca do mesmo objeto e/ou de objetos diferentes.

Das premissas acima pode-se concluir que:

  1. a Filosofia e a Literatura podem cada qual produzir seus conteúdos acerca dos mesmos objetos (bem como também dos objetos produzidos por estes);

  2. Que as “formas de uso” da linguagem construídas por um tipo de conhecimento são como “ferramentas”, que podem ser utilizadas pelos demais tipos de conhecimento. Logo, a filosofia não precisa se limitar, por exemplo, a usar somente as “ferramentas” da ciência. Pode sim, também, usar as “ferramentas” da Literatura (quando estas se mostrarem mais eficazes para expressar os conteúdos desejados acerca dos objetos desejados);

  3. Que as “formas de uso” da linguagem e os “conteúdos” produzidos por um tipo de conhecimento acerca de um objeto são compartilháveis, e não só podem, como devem, ser utilizados pelos demais tipos de conhecimento.

Um exemplo pode ser a utilização das metáforas para expressar conceitos filosóficos, como utilizado por Wittgenstein em sua obra Investigações Filosóficas:

Imagine ferramentas dentro de uma caixa: ali tem um martelo, um alicate, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um pote de cola, cola, pregos e parafusos. – Tão diferentes como são as funções desses objetos, são também diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e ali.) Certamente o que nos confunde é a uniformidade da sua manifestação, quando as palavras nos são ditas, ou nos defrontamos com elas na escrita ou impressas. Pois o seu emprego não está ali tão claro para nós. E especialmente não o está quando filosofamos!

Imagine que alguém dissesse: “todas as ferramentas servem para modificar alguma coisa. Assim, o martelo, a posição do prego, a serra, a forma da tábua etc.” – E o que modifica o metro, o pote de cola, os pregos? – “Nosso conhecimento da extensão de uma coisa, a temperatura da cola, e a firmeza da caixa.” — Ter-se-ia ganho alguma coisa com essa assimilação da expressão? –

(IF, p.14-15)

Importante ressaltar que na terceira conclusão cada tipo de conhecimento – como no caso a Filosofia, a Literatura e a Ciência – cada qual produz seus conteúdos de acordo com suas premissas. Cada qual possui uma natureza e objetivos específicos de forma que quando se fala em compartilhar os conteúdos entre os diversos tipos de conhecimento deve-se ter um cuidado especial. Um conteúdo produzido por um tipo de conhecimento pode ser usado como referência e inspiração por outro tipo de conhecimento, mas não pode, entretanto, ser considerado sob as mesmas premissas e objetivos dos conteúdos produzidos por esse outro tipo de conhecimento. Ou seja, um conteúdo literário não pode ser considerado, a princípio, um conteúdo filosófico, sem que antes sejam examinado se esse conteúdo, por ventura, atende as mesmas premissas dos conteúdos da filosofia. Em outras palavras, a filosofia pode “se servir” de conteúdos literários (e vice-versa), mas isso é diferente do que considerar automaticamente um conteúdo literário como filosófico sem que ocorra uma reflexão filosófica acerca do mesmo.

Ao mesmo tempo, cabe à quem essa reflexão? As obras são classificadas em gêneros. Nas bibliotecas, as obras filosóficas são categorizadas como tal, bem como as literárias. Um leitor ingênuo, interessado em filosofia, ao buscar conhecimento na biblioteca, estaria deixando de lado a rica contribuição dos conteúdos literários para a filosofia, e vice-versa. Parece que cabe ao leitor, ao ter contato com obras de ambos os gêneros, refletir criticamente acerca do entrelaçamentos dos conteúdos a fim de aproveitar a riqueza que o universo de um gênero pode contribuir ao outro. Sem uma reflexão crítica do leitor, o efeito contrário pode ocorrer: os conteúdos de um gênero provocarem confusão e interpretações equivocadas quando utilizados em outro.

Como por exemplo, as tragédias gregas servem para reflexões filosóficas tal como os diálogos platônicos para o desfrute literário. A fronteira parece ser formal em sua constituição: um filósofo pode produzir obras filosóficas e literárias, assim como um escritor de romances pode fazer o mesmo. Parece-nos que cabe ao leitor o aspecto subjetivo da reflexão destas obras e a quebra dessa fronteira formal que pode integralizar uma riqueza que vai além da simples soma da contribuição de cada gênero. Um conteúdo filosófico aproveitado literariamente – e vice-versa, soma-se à reflexão crítica do leitor e o resultado disso só podemos dizer, são infinitas possibilidades.

 


REFERÊNCIAS

IF – WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Tradução e Notas Comentadas de João José R. L. Disponível em: <http://www.mediafire.com/file/23yabja6jhd6qn3/WITTGENSTEIN%252C_Ludwig._Investigacoes_Filosoficas.pdf/file>. Acesso em: 15/06/2021.

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