O Subjetivismo e o Emotivismo Ético na Atualidade – por Ubirajara T Schier

O Subjetivismo e o Emotivismo Ético na Atualidade

– por Ubirajara T Schier

Neste trabalho, iremos abordar as teorias metaéticas do subjetivismo e do emotivismo, considerando os principais aspectos que as distinguem bem como, uma avaliação sobre sua relevância moral na atualidade.

O principal ponto sustenta que as duas abordagens tem relação à investigação quanto à natureza das questões morais, basicamente, se são fundamentadas na razão ou na emoção. O subjetivismo ético, segundo RACHELS e DFMP, se desenvolveu a partir do século XVIII nas ideias filósofo britânico David Hume, que argumentava que as avaliações morais envolvem nossas emoções e não nossa razão, e que por isso trata-se de uma questão de sentimentos e não de fatos.

“Tome qualquer ação [viciosa] […] Por exemplo, assassinato premeditado. Examine ele na melhor luz e veja se pode encontrar uma questão de fato ou existência real que você possa chamar vício […] Você nunca o encontrará, a menos que você dirija a reflexão para o seu próprio peito e encontre um sentimento de [desaprovação], que ocorre em você, em relação a essa ação. Eis uma questão de fato; mas é um objeto de sentimento, não de razão.”

David Hume, A Treatise of Human Nature (1740)

O subjetivismo ético, entretanto, é considerado falho nos seguintes aspectos:

  • O subjetivismo implica que estamos sempre certos: Uma vez que a avaliação moral de uma pessoa é meramente uma expressão de suas emoções, essa pessoa estará sempre certa;
  • O subjetivismo não admite discordância: Se todos estão certos, logo as pessoas deveriam reconhecer como certas as avaliações de outras pessoas. Entretanto, não é o que acontece, pois efetivamente elas discordam o que implica em dizer que uma delas não está certa.

Em função destas objeções, o subjetivismo ético foi aprimorado, segundo DFMP1:

A primeira versão do Emotivismo aparece na Suécia, na obra de Axel Hägerström (1911), e foi articulada pela primeira vez no panorama anglo-saxónico, em 1923, por C.K. Ogden e I.A. Richards, em The Meaning of Meaning. No entanto, é nas obras de Alfred Jules Ayer (1910-1989) e do filósofo americano Charles Leslie Stevenson (1908-1979) que encontramos as formulações clássicas da teoria emotivista.

Segundo DFMP1, Ayer defende a ideia de que toda afirmação se divide em três tipos: afirmações lógicas (classes das verdades da lógica e da matemática), afirmações factuais (empiricamente verificáveis) e afirmações emotivas, onde se inserem todas as demais que não sejam afirmações lógicas ou factuais – incluindo aqui as afirmações éticas. Nesse sentido Ayer, ainda segundo DFMP1:

“A função dos juízos morais é expressar as atitudes de aprovação ou desaprovação de quem emite os juízos e de provocar sentimentos nos outros de modo a provocar ação (Ayer, 1991, p.93).” (DFMP1, p.3)

Posteriormente Stevenson, segundo DFMP1, identifica dois traços na linguagem moral: um de caráter expressivo – que expressa atitudes emocionais – e outro de caráter dinâmico – que possui expressões “persuasivas” com significado descritivo e com o objetivo de convencer a outra pessoa a adotar a mesma atitude.

O emotivismo ético, tanto na versão de Ayer quanto na de Stevenson, apresentam assim os seguintes aspectos:

  • Escapa das objeções do subjetivismo de que estamos sempre certos: Uma vez que as afirmações éticas não são passíveis de verificação, elas não estão certas nem erradas. Logo Se uma pessoa diz que algo é imoral e outra diz que algo é moral, não cabe dizer qual das afirmações é verdadeira ou falsa, pois apenas expressam atitudes de aprovação ou desaprovação;
  • Admite discordâncias, mas de atitudes: Uma vez que as afirmações éticas expressam atitudes e estas não são falsas nem verdadeiras, a discordância é admitida entre afirmações éticas divergentes;
  • Desconsidera a razão da ética e não resolve as discordâncias: Uma vez que as discordâncias de afirmações éticas referem-se à atitudes daquelas que as expressam –  e que quanto à estas nada se pode afirmar quanto ao fato de serem falsas ou verdadeiras – as discordâncias não são resolvidas e o uso da razão na ética é posto de lado na medida em que não é utilizada para se determinar quais afirmações éticas são verdadeiras e quais não são (discorda-se das atitudes sem que se determine qual é a certa e qual é a errada).
  • Não admite “erros” de julgamentos de juízos morais: Uma vez que não ocorre o julgamento de atitudes emocionais, quando ao que é certo e errado, não admite também a ocorrência de “erros de atitude”, ou seja, o agente toma uma ação expressando sua atitude emocional mas, posteriormente, se arrepende (julgando assim a ação tomada em função da atitude errada).

Para fazer uma avaliação atual dos aspectos do subjetivismo e do emotivismo ético relacionados acima, vê-se como necessário um olhar pragmático em relação às afirmações éticas. Pode-se dizer que uma afirmação ética é “afirmada”, por assim dizer, à nível individual, à nível coletivo e à nível público (legal).

Se tomarmos como exemplo a escravidão, conforme exemplifica Ubíracles:

“Exemplo similar, como bem colocastes, seria o que ocorreu com a escravidão, onde desde seu início a mesma era considerada legal e moralmente aceita pela maioria, até seu declínio, onde a mesma passou a ser considerada ilegal e moralmente rejeitada pela maioria. E que, da mesma forma, tal mudança de comportamento é resultante de uma mudança de entendimento individual, também iniciado por uma minoria.” (UBÍRACLES, “O Vanquete parte 2”)

Analogamente à escravidão – quando a mesma ainda não era considerada imoral ou ilegal – encontramos hoje afirmações éticas como por exemplo o aborto. Atualmente, afirmações éticas como o aborto são adequadas sob o ponto de vista do emotivismo ético, uma vez que não se tem um consenso moral coletivo formado à respeito do tema. É razoável esperar que, da mesma forma, o apoio moral às afirmações favoráveis à pratica possa vir à crescer gradativamente, até que um dia, possivelmente, o aborto se torne uma questão tanto moralmente quanto legalmente em sua integralidade ou em determinadas circunstâncias.

O que o emotivismo não considera entretanto, é que hoje não admite-se afirmações éticas favoráveis à escravidão (ou ao racismo por exemplo, por mais que ele ainda exista de fato). Tais afirmações são ditas imorais e, portanto, consideradas “errada” sob um ponto de vista moral.

Observa-se dessa forma, que por mais que uma pessoa faça uma afirmação ética expressando suas atitudes – independente de refletir ou não em ações – se essa pessoa vive em uma sociedade (e não em uma cabana isolada nas montanhas), essa afirmação ética está sujeita, inevitavelmente à uma aprovação ou desaprovação moral coletiva como também, à uma aprovação ou desaprovação legal.

Percebe-se assim, que o emotivismo contribui para os debates éticos de questões relacionadas à ética aplicada, como temas como o aborto, clonagem, inteligência artificial, etc. Entretanto, uma vez que tais questões são “resolvidas” moralmente e legalmente em uma sociedade (em termos de aceitação moral e legal  coletiva em favor de uma determinada afirmação ética), tal contribuição perde seu sentido – da mesma forma como hoje não seria aceito alguém defender a escravidão.

Considerando questões da ética aplicada, como o aborto por exemplo, podemos supor duas pessoas, uma pessoa a favor e outra contra, ambas expondo seus argumentos para uma terceira pessoa, que segundo o emotivismo, nenhuma das afirmações éticas (tanto a favorável quanto à contrária) estariam certas ou erradas. Neste caso, ambas farão uma exposição dos seus argumentos, sejam eles dotados de razão ou emoção, irracionais ou racionais, a favor ou contra à prática. De qualquer forma, é subjetivo à terceira pessoa à decisão de declinar a favor ou contra o aborto em função dos argumentos apresentados. Por um lado pode-se dizer, nestas circunstâncias, que os argumentos emocionais excluíram a razão, mas que ainda assim são válidos em termos de persuasão. Também pode-se adotar uma nova vertente de pensamento – que defende o uso racional das emoções – e afirmar assim que mesmo os argumentos emocionais são dotados de razão. O que parece importar mais – no que diz respeito convencer a terceira pessoa a ser a favor ou contra o aborto – é a qualidade e consistência dos argumentos apresentados. Espera-se que argumentos “irracionais”, sejam eles baseados na emoção ou na razão, são candidatos à falhar na persuasão. O que parece contar, assim, é a racionalidade da argumentação que pode ser baseada na emoção, na razão ou até mesmo em uma combinação de ambas.

Acredita-se assim, que as confusões em questões morais geralmente acontecem quando não ocorre uma explicitação dos casos em que se deseja aplicar determinada teoria – como no caso, o emotivismo falharia ao tentar resolver questões da ética normativa (alguém não pode ser a favor de matar o vizinho simplesmente por que tem esse sentimento/atitude de matar aquele que não lhe convém, pois é tanto imoral quanto ilegal matar uma pessoa nesta circunstância). Ao mesmo tempo, o emotivismo ajuda a compreender e elaborar questões da ética aplicada junto à uma sociedade, como por exemplo, questões como o aborto e clonagem de órgãos. Expressões de atitudes emocionais para elaboração destes tipos de questões não podem ser ignorados e sim utilizados de forma racional para auxiliar a lidar durante a fase de elaboração de novos conteúdos por parte de uma sociedade.

 

REFERÊNCIAS

RACHELS, James and Stuart Rachels. Os Elementos da Filosofia Moral. McGraw Hill 7ª Edição (2013).

DFMP1 – MENDONÇA, DINA, Emotivismo. In: Dicionário de Filosofia Moral e Política. Disponível em: http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/wp-content/uploads/2019/07/Emotivismo.pdf . Acessado em: 16 de setembro de 2021.

UBÍRACLES – O Vanquete, parte 2. In: Filosofia, viagens e afins por Ubíracles de Tessália. Postado em 10 de novembro de 2020. Disponível em: <https://biraway.com.br/?p=3725>. Acessado em: 16 de setembro de 2021.

IEP – Metaética. In: Internet Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: https://iep.utm.edu/metaethi/. Acessado em 16 de setembro de 2021.

 


RESUMO DE RACHELS

SUBJETIVISMO NA ÉTICA

“Tome qualquer ação [viciosa] […] Por exemplo, assassinato premeditado. Examine ele na melhor luz e veja se pode encontrar uma questão de fato ou existência real que você possa chamar vício […] Você nunca o encontrará, a menos que você dirija a reflexão para o seu próprio peito e encontre um sentimento de [desaprovação], que ocorre em você, em relação a essa ação. Eis uma questão de fato; mas é um objeto de sentimento, não de razão.”

David Hume, A Treatise of Human Nature (1740)


 

Qual atitude nós devemos tomar? Podemos dizer que a homossexualidade é imoral ou que ela é absolutamente correta. Porém, há uma terceira alternativa.

Nós podemos dizer:

As pessoas têm opiniões diferentes, mas, no que diz respeito à moral, não há “fatos” e ninguém está “correto”. As pessoas apenas sentem de maneira diferente e isso é tudo o que há para dizer.

O subjetivismo ético é a ideia segundo a qual as nossas opiniões morais são baseadas em nossos sentimentos e nada mais. Sob esse ponto de vista, não há uma tal coisa como o “objetivamente” certo ou errado. (RACHELS, p. 47)

 

O subjetivismo simples não pode dar conta das discordâncias:

O argumento pode ser resumido assim: quando uma pessoa diz “X é moralmente aceitável” e uma outra pessoa diz “X é moralmente inaceitável”, elas discordam. Contudo, se o subjetivismo simples for correto, não pode haver discordância. Portanto, o subjetivismo simples não pode ser correto. (RACHELS, p. 45)

 

O subjetivismo simples implica que nós estamos sempre certos:

Algumas vezes, estamos errados em nossas avaliações morais. Mas, se o subjetivismo simples fosse correto, isso seria impossível.

Na medida em que alguém está honestamente representando os seus sentimentos, seu julgamento moral é sempre correto. Mas isso contradiz o fato certo de que nós algumas vezes cometemos enganos em ética. Portanto, o subjetivismo simples não pode ser correto. Esses argumentos, e outros como esses, sugerem que o subjetivismo simples é uma teoria falha. Em face de tais argumentos, alguns filósofos escolheram rejeitar toda a ideia do subjetivismo ético. Outros, contudo, têm trabalhado para melhorar a teoria. (RACHELS, p. 47-48)

 

A EVOLUÇÃO DA TEORIA: O EMOTIVISMO

De acordo com o emotivismo, contudo, a linguagem moral não é uma linguagem para declarar fatos; não é feita para transmitir ou informar. Ela é usada, primeiro, como um meio de influenciar o comportamento das pessoas. Se alguém diz: “Você não deve fazer isso”, ele está tentando persuadir você a não fazer isso. Portanto, essa afirmação é mais como um comando do que como uma declaração de fato. “Você não deve fazer isso” é como dizer: “Não faça isso!”. Ademais, a linguagem moral é usada para expressar as atitudes de alguém. (RACHELS, p. 49)

 

Ainda que o emotivismo seja uma melhoria em relação ao subjetivismo simples, ambas as teorias implicam que nossos julgamentos morais, em algum sentido, estão além de qualquer objeção. Para o subjetivismo simples emotivismo, nossos julgamentos não podem ser criticados porque eles simplesmente não são julgamentos; eles são meramente expressões de nossas atitudes que não podem ser falsas. Esse é um problema para o emotivismo. Um outro problema é que o emotivismo não pode explicar o papel que a razão desempenha na ética. (RACHELS, p. 52)

 

O PAPEL DA RAZÃO NA ÉTICA

Se alguém diz; “Eu gosto de pêssegos”, ele não precisa ter uma razão para isso; ele pode estar fazendo uma declaração sobre o seu gosto pessoal e nada mais. Mas julgamentos morais são diferentes. Se alguém diz para você que um ato particular seria errado, então você pode perguntar por que, e, se não houver uma resposta satisfatória, você pode rejeitar o conselho como infundado. Um julgamento moral – ou, em relação a isso, qualquer espécie de juízo de valor – tem que ser apoiado por boas razões. Qualquer teoria adequada da ética deve poder explicar como razões morais podem apoiar julgamentos morais. (RACHELS, p. 52)

 

De fato, Stevenson toma exatamente essa posição. Em sua obra clássica Ethics and Language (1944), ele afirma: “Qualquer afirmação sobre qualquer questão de fato mediante a qual qualquer falante intente mudar atitudes pode ser abduzida como uma razão contra ou a favor de um juízo ético”. (RACHELS, p. 53)

 

Há que se admitir: valor não é uma coisa tangível, como um planeta ou uma colher. Mas isso não significa que a ética não tenha base objetiva. Um engano fundamental que muitas pessoas cometem é assumir exatamente duas possibilidades:

1. Há fatos morais do mesmo modo em que há planetas e colheres.
2. Nossos valores não são nada mais do que a expressão de nossos sentimentos subjetivos.

Isso é um engano porque oblitera uma terceira possibilidade. As pessoas não têm só sentimentos, mas também razão, e isso faz uma grande diferença.

Pode ser que:

3. Verdades morais são verdades da razão, isto é, que um juízo moral é verdadeiro se ele é construído com melhores razões do que as alternativas.

Segundo esse ponto de vista, as verdades morais são objetivas no sentido de que elas são verdadeiras independentemente do que possamos querer ou pensar.

Nós não podemos fazer alguma coisa boa ou má somente querendo que seja assim, porque a nossa vontade não pode determinar o que são as razões. Isso também explica a nossa falibilidade. Podemos estar errados sobre o que é bom ou mau porque podemos estar errados sobre o que a razão recomenda. A razão diz o que ela diz, a despeito de nossas opiniões ou desejos.

 

 


REFERÊNCIAS

RACHELS, James and Stuart Rachels. Os Elementos da Filosofia Moral. 7ª Edição.

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