A REINTERPRETAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA ÉTICA ARISTOTÉLICA DAS VIRTUDES
REFERÊNCIA
COUTINHO, Denis. A reinterpretação contemporânea da ética Aristotélica das virtudes (In: HOBUSS, João. Ética das Virtudes. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010, 215-237).
RESUMO
INTRODUÇÃO
O pensamento ético de Aristóteles, depois de quase três séculos em descrédito, tornou-se uma referência contemporânea importante a partir da segunda metade do século XX, tanto para a filosofia alemã como para a filosofia anglo-americana.
Essa revalorização da filosofia prática aristotélica a partir da Segunda Guerra Mundial procurou realizar uma releitura de conceitos-chave de sua ética como, por exemplo, práxis (ciências práticas), eudaimonia (felicidade), phronêsis (prudência), aretê (virtude), mesotês (mediania), prohairesis (escolha deliberada), bouleusis (deliberação), hexis (disposição de caráter), dikaiosunê (justiça), akrasia (acrasia), philia (amizade), entre outros, estabelecendo uma contraposição tanto em relação à metaética, que não via possibilidade dos juízos morais serem objetivos em razão de serem apenas expressões das emoções dos agentes particulares quanto em relação às éticas principialísticas, como o utilitarismo e a ética kantiana, que propunham princípios universais (princípio da utilidade e princípios da universalizabilidade e não instrumentalização, respectivamente) como critérios normativos absolutos para o julgamento das ações particulares.
Esse neoaristotelismo(*1) desenvolveu-se, sobretudo, na Alemanha e no mundo anglo-americano de forma paralela e com temáticas um tanto diferenciadas, porém, com uma unidade em relação à importância do novo paradigma que a filosofia prática de Aristóteles poderia oferecer para a filosofia moral contemporânea. A força da ética aristotélica das virtudes parece estar baseada em dois pressupostos complementares: ressalta a dimensão inexata da ética, que, por ser uma ciência prática e não teórica, só pode dizer algo de forma aproximada, com um conhecimento esquemático, o que vale na maior parte das vezes, respondendo ao universalismo formal das éticas principialísticas; entretanto, isto não implica em arbitrariedade, pois responsabiliza o agente por sua ação com base em sua escolha deliberada que deve alcançar a mediania entre os extremos (excesso e deficiência) com base na razão, o que responde à compreensão emotivista dos juízos morais defendida pela metaética.
(*1)
O termo neoaristotelismo foi utilizado a primeira vez, no contexto alemão, por Habermas e Apel, para classificar como conservadora a interpretação aristotélica feita por Gadamer e seus discípulos. Esta questão entra em pauta de discussão por volta de 1969, no IX Congresso Alemão de Filosofia, que identificou a necessidade de uma retomada da filosofia prática, reivindicando a especificidade do papel da filosofia diante das ciências sociais. Esse debate gerou posições antagônicas na maneira de interpretação da filosofia prática aristotélica e foi travado, principalmente, por Joachim Ritter, Manfred Riedel, Karl-Otto Apel, Jürgen Habermas, Paul Lorenzen, Oswald Schwemmer, Friedrich kambartel, e foi documentado por Riedel, que o denominou de “Reabilitação da Filosofia Prática”. Ver RIEDEL, 1972-1974.
NEOARISTOTELISMO ALEMÃO
O neoaristotelismo alemão teve início com Heidegger, a partir de seus cursos sobre Aristóteles realizados em Freiburg, no período de 1919-1923, e em Marburg, no período de 1923-1928, e influenciou decisivamente alguns de seus alunos como Hans-Georg Gadamer e Hannah Arendt.
NEOARISTOTELISMO ANGLO-SAXÃO
O neoaristotelismo anglo-saxão teve início na metade do século XX, de maneira independente aos estudos realizados na Alemanha, em que foram retomados alguns temas da ética aristotélica com o objetivo de oferecer uma alternativa em relação à filosofia moral de tradição analítica, bem como estabelecer uma contraposição à hegemonia das éticas principialísticas, como o kantismo e o utilitarismo, com destaque para a questão do juízo moral como deliberação, realizada por Hampshire, e os temas do bem objetivo e a ética das virtudes, realizados por Anscombe, Geach e Foot.
NEOARISTOTELISMO DOS COMUNITARISTAS
Outra vertente do neoaristotelismo anglo-americano é encontrada no comunitarismo (communitarianism), que é herdeiro da filosofia política de Hannah Arendt e que surgiu nos Estados Unidos e Canadá nos anos setenta e oitenta do século XX, tendo como fonte central a retomada do republicanismo clássico. Entre os diversos autores comunitaristas, destacaremos Charles Taylor e Alasdair MacIntyre que elaboraram uma reinterpretação da ética aristotélica (ética das virtudes) para o mundo contemporâneo em contraposição às éticas deontológicas normativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa retomada da filosofia prática aristotélica, a partir da segunda metade do século XX, estabeleceu-se como uma forma de responder ao tecnicismo científico, ao positivismo lógico e à supremacia principialística através da reabilitação de alguns conceitos-chave como práxis em contraposição à technê e theôria, a eudaimonia como finalidade humana que inclui diversos bens, a phronêsis como racionalidade prática que realiza a adequação dos princípios generalizantes aos casos particulares, a bouleusis e prohairesis como uma escolha deliberada que possibilita a responsabilização individual, bem como procurou destacar a importância das virtudes (aretai) para a fundamentação da ação moral como uma forma contraposta ou até mesmo complementar aos princípios, que tanto valoriza a tradição da comunidade, como ressalta a importância da razão no processo de deliberação moral.
O que fica evidente na recepção contemporânea da ética aristotélica, seja no neo-aristotelismo alemão ao anglo-americano, é que a filosofia moral e política de Aristóteles não possui apenas valor em termos de uma história da filosofia, pois se apresenta como uma forte candidata para a indicação de saídas para as aporias morais hodiernas. Como pensar, hoje, o problema da fundamentação não absoluta dos critérios morais, ignorando o texto aristotélico, por exemplo?
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