Quanto à proposta de solução a ser adotada em caso de empate nas avaliações por grupos de acordo com critérios técnicos:
Mas o que fazer se houver empate nos escores, no interior de um mesmo grupo? Gostaríamos de propor dois critérios suplementares para desempate. Em primeiro lugar, na eventualidade de escores de mesmo valor, o desempate deve levar em conta a ideia de ciclos-de-vida do paciente. Pensamos aceitável que recebam prioridade, para desempate, pessoas com até 40 anos de idade (ciclo inicial); em seguida, pessoas entre 41 e 75 (ciclo intermediário); e, finalmente, pessoas acima dessa idade (ciclo final). (PDE, pág. 5)
Quanto ao objetivo da proposta:
Este critério permite, a um só tempo, realizar os objetivos de salvar mais vidas, uma vez que a idade mais elevada, em geral, se relaciona com pior prognóstico em UTI, especialmente na Covid-19, e de proteger contra a maior perda de anos de vida agregados, um dos objetivos da assistência em saúde. Além disso, o critério de ciclos-de-vida expressa imparcialidade no trato com pacientes que ainda não passaram pelos ciclos esperados numa vida humana completa, e sofrem perdas maiores em termos de anos por viver. (PDE, pág. 5)
Quanto às recomendações a serem consideradas: a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988
Entre seus princípios fundamentais a Constituição Federal reconhece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado de Direito Democrático (art. 1º, inciso III). Além disso, está entre objetivos fundamentais da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV). …
Assim, como a assistência em saúde não deve discriminar pacientes, protocolos de alocação de recursos não devem e não podem impor desvantagens discriminatórias a nenhum grupo social, violando a dignidade dos pacientes, com base em critérios embasados em origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de preconceito ou discriminação. (RAR, pág. 5)
Quanto às recomendações a serem consideradas: Resolução do Conselho Federal de Medicina nº. 2.156, de 28 de outubro de 2016
A resolução recomenda que as admissões em UTI devem ser baseadas, entre outros critérios, na necessidade do paciente, prognóstico e potencial benefício para o paciente. Os critérios de priorização são: i) Prioridade 1: pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico; ii) Prioridade 2: pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico; iii) Prioridade 3: pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica; iv) Prioridade 4: pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica; e v) Prioridade 5: pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. (RAR, pág. 5)
Comentários:
- Quanto à constitucionalidade:
Observa-se que a proposta é inconstitucional, pelo motivo que a triagem com base na escolha dos grupos de indivíduos com ciclo de vida, dá preferência aos grupos “mais jovens” com desvantagem aos grupos “mais velhos”. A divisão dos indivíduos em grupos por ciclo de vida ainda têm origem, na idade, proporcionando assim caráter discriminatório (citar exemplo da fila do banco);
- Critérios para definição dos ciclos de vida:
Não está claro ou justificado os critérios que determinam os ciclos de vida. Por exemplo, até os 40 anos em geral é aceitável dizer que podemos encontrar até 3 ciclos de vida: infância, adolescência e vida adulta fase 1 (fase mais produtiva). Nessas condições, havendo empate, uma criança com alguns anos de vida concorreria à vaga de UTI por sorteio com, por exemplo, um adulto de 40 anos. Da mesma forma que um “jovem adulto”, aos seus 41 anos, vivenciando possivelmente a fase inicial de uma paternidade concorreria, por sorteio, com um “velho adulto”, que possivelmente já vivenciou a paternidade como também, já vivenciou satisfatoriamente sua fase de vida enquanto avô;
Neste caso, a solução por ciclos de vida será sempre mais “imprecisa” do que se efetivamente fosse utilizado o fator da idade em anos como critério de desempate. De uma forma geral, apenas disfarça-se o caráter discriminatório ao separar os indivíduos por faixas de idade e chamar essas faixas de ciclos de vida.
Resumindo, quando falamos em adotar ciclos de vida ou a idade, estamos falando meramente em salvar o máximo de anos de vida.
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