Fichamento: Marco Zingano: Sobre a Ética Nicomaquéia de Aristóteles – Introdução

REFERÊNCIA

ZINGANO, Marco. Sobre a Ética Nicomaquéia de Aristóteles. Odysseia Editora, 2010.


RESUMO

Introdução

O leitor encontrará aqui, traduzidos para o vernáculo, uma série de artigos sobre a Ethica Nicomachea de Aristóteles. Todos marcaram época e geraram uma intensa discussão nos meios acadêmicos; são textos de referência na apropriação contemporânea do pensamento ético de Aristóteles. Até o momento, circulavam em nosso meio acadêmico em suas edições originais;

O leitor certamente observará que os textos são todos datados a partir dos anos 50 do século passado. Isso não é casual. A despeito do interesse que sempre despertou a ética aristotélica no meio erudito, com momentos por vezes mais intensos, por vezes menos, porém sendo continuamente objeto de discussão e avaliação, a sua recuperação contemporânea sob a forma de uma ética das virtudes pode ser praticamente datada desta época. Com efeito, a volta à ética aristotélica está em muito guiada pela busca de uma ética forte o suficiente para preservar-se de uma perspectiva meramente subjetiva ou culturalista do bem, mas amoldável às circunstâncias e, sobretudo, aberta a exceções de modo a evitar o rigor da ética kantiana.

Mais precisamente, o texto que abre esta coletânea, a saber, o artigo de G. E. M. Anscombe sobre a filosofia moral moderna vale por assim dizer como sua certidão de nascimento. Neste texto, Anscombe propõe uma alternativa: ou voltamos à noção moderna de ética, que é uma ética fundamentalmente expressa em leis – mas isso, no seu entender, só pode coerentemente ser feito se admitirmos também que há um Legislador exterior que dê a chancela e garanta esta legislação (pois, para ela, a noção tão cara à Modernidade de uma razão que obrigue a si mesma não é admissível) -, ou então, se não pudermos mais aceitar a noção deste Legislador que nos obriga de fora, é preferível voltar decididamente ao mundo ético antigo, do qual justamente esta legislação estava ausente — e, consequentemente, no qual não era preciso supor a figura de um Legislador. Anscombe oferecia esta alternativa com a mão esquerda; pensadora católica, a ela obviamente a escolha pelo Legislador já estava feita!, No entanto, a alternativa estava oferecida e a muitos pareceu razoável e promissor seguir a via dos Antigos, não como um ersatz de uma legislação cujo Legislador se eclipsava, mas como uma proposta ética sensata e em muito superior às deontologias e às teorias éticas concorrentes disponíveis. A ética das virtudes tinha enfim nascido, como que às avessas, e a ética aristotélica passou a fornecer-lhe um bom número de argumentos e análises.

 

escrito por Richard Robinson, que está na origem dos debates atuais sobre a acrasia.

Sobre a Akrasia em Aristóteles

O mesmo se pode dizer de uma discussão cuja formulação devemos ao artigo de W. F. R. Hardie escolhido para esta coletânea,

O bem final na ética de Aristóteles

G. E. L. Owen ocupa-se com o tema do prazer, em particular com a dificuldade que todo intérprete enfrenta ao ter de explicar a existência de dois tratados sobre o prazer presentes na Ethica Nicomachea, um ao final do livro VII, o outro no início do livro X, sem que um faça referência ao outro.

Prazeres Aristotélicos

David Wiggins examina uma tese que está no coração da ética aristotélica: o uso da razão como prática a título de ato de pesar razões rivais, de deliberar entre alternativas possíveis e a relação que a deliberação possui com O chamado silogismo em matéria prática.

David Wiggins, em particular, introduziu uma série de modificações ao seu clássico artigo sobre deliberação prática especialmente para esta edição brasileira, bem como acrescentou um posfácio inédito.

Deliberação e Razão Prática

Myles Burnyeat examina com sutileza os problemas ligados à formação do agente moral e ao papel que nela possuem razão e emoção.

 Aprender a ser bom segundo Aristóteles 

Jonathan Barnes investiga o problema do método da ética e procura ver em que medida a resposta que a ele oferece Aristóteles não está limitada ao domínio prático, mas passa de certo modo a valer também para as ciências teóricas.

 Aristóteles e os Métodos da Ética

Terence Irwin analisa com cuidado os capítulos finais do primeiro livro da Ethica Nicomachea e tenta compreender o que significa a reivindicação de completude e perfeição para a vida humana.

A Felicidade Permanente: Aristóteles e Sólon

John McDowell e David Charles dialogam e discutem a respeito do realismo na moral e de quanto pode o homem ser ele próprio constitutivo do domínio prático.

 Questões da Psicologia Moral Aristotélica

 Aristóteles e o realismo moderno

Estamos aqui às voltas com o problema maior do particularismo na ética aristotélica é do modo como devemos circunscrevê-lo. Carlo Natali, por sua vez, examina o problema da responsabilidade humana e mostra que à resposta pode ganhar em clareza se lermos com mais atenção uma outra obra ética de Aristóteles, a Ethica Eudemia.

 Ações Humanas, Eventos Naturais e à Noção de Responsabilidade

Richard Bodéis dirige sua atenção a um problema recorrente da ética aristotélica: a existência de um justo natural em meio a uma ética abertamente particularista.

 Os fundamentos naturais do direito e à filosofia aristotélica

Pierre Destrée revisita a base metafísica da ética aristotélica ao estudar o argumento da função do homem e renova com a perspectiva de um método dialético de prova.

Como demonstrar o próprio homem

Christof Rapp enfrenta a tão vilipendiada doutrina da mediedade, por vezes apresentada como uma peça do projeto aristotélico a ser simplesmente abandonada, e procura ver o sentido e a fecundidade que tal doutrina possui no sistema moral aristotélico.

 Para que serve a doutrina aristotélica do Meio Termo?

Por fim, John Cooper examina com minúcia as relações tão apregoadas por Aristóteles entre ética e política, a que amiúde meramente alude, sem, porém, nos fornecer uma explicação detalhada do modo como entende esta relação.

 A Comunidade Política e o Bem Supremo

 

Nem todos os temas, obviamente, são abordados aqui, e mesmo aqueles que o são permitem ainda uma pletora de análises e de pontos de vista que esta coletânea evidentemente não pode abarcar. Entretanto, os artigos aqui presentes introduzem vieses importantes de análise da ética aristotélica e o fazem todos com clareza conceitual, elegância argumentativa e fólego filosófico. Convém assinalar, porém, que os estudos de Aristóteles sobre as virtudes particulares (entre os quais se encontram o livro V dedicado àjustiça, assim como os livros VIII e IX, consagrados ao exame da amizade)? não puderam ser representados aqui; infelizmente, limitações de espaço nos forçaram a certas exclusões, o que acarretou deixar de lado toda a rica análise que Aristóteles faz caso a caso das virtudes reconhecidas em seu tempo. Um outro tema, por excelência clássico, que não foi expressamente abordado aqui é a questão da prudência a título de virtude intelectual que opera no campo prático.

 

Há várias obras similares a esta, que fornecem, além de uma seleção de artigos, informações muito úteis quanto a textos acadêmicos sobre a ética aristotélica. Menciono a seguir algumas delas:

(i) J. Barnes, M. Schofield e R. Sorabji (eds.). Articles on Aristotle, vol II: Ethics and Politics. Duckworth 1977.

(11) A. Rorty (ed.). Essays on Aristotles Ethics. University of California Press 1980.

(iii) C. Mueller-Goldingen (ed.). Schriften zur aristotelischen Ethik. Georg Olms Verlag 1988.

(iv) J. P. Anton e À, Preus (eds.). Essays in Ancient Greek Philosophy IV: Aristotle's Ethics. SUNY Press 1991.

(v) O. Hôffe (ed.). Die Nikomachische Ethik. Akademie Verlag 1995.

(vi) T. Irwin (ed.). Classical Philosophy — collected papers vol. 5: Aristotle's Ethics. Garland Publishing 1995.

(vii) N. Sherman (ed.) Aristotles Ethics — critical essays. Rowman & Littlefield Publishers 1999.

(viii) R. Kraut (ed.). The Blackwell Guide to Aristotles Nicomachean Ethics. Blackwell 2006 (tradução brasileira: Artmed Editora 2009)

Sobre a ética antiga em geral, é útil consultar a seguinte obra: (ix) S. Everson (ed.). Companions to Ancient Thought 4 — Ethics. Cambridge University Press 1998.

Em língua portuguesa, a Revista Analytica publicou dois números dedicados ao tema:
(x) Analyrica 1 3 1996: A Ética de Aristóteles e o Destino da Ontologia
(xi) Analyrica VII 2 2004: A Ethica Nicomachea de Aristóteles

Be the first to comment on "Fichamento: Marco Zingano: Sobre a Ética Nicomaquéia de Aristóteles – Introdução"

Leave a comment